Page 308 - Revista da Armada
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O Cruzador “D. Carlos I” e “Almirante Reis”
          O Cruzador “D. Carlos I” e “Almirante Reis”



                         - A propósito do seu Centenário
                         - A propósito do seu Centenário



                                                       2ª Parte





                                                                               polide, Chelas e Olivais onde a população
          Uma aragem animadora e vivificante animou a nossa Armada em 1900, com a entrada   trabalhadora estende os seus farnéis em
          em efectivo serviço de novas unidades …                              domingos de sol.
          Sobretudo a unidade que mais entusiasmo provocou foi o cruzador “D.Carlos I”.   Lisboa também já via cinema: três anos
          O seu poderoso armamento como cruzador, dentro duma tonelagem moderada,   antes da chegada do novo cruzador eram
          a sua protecção e a sua velocidade, causaram uma suprema satisfação, tão acostumados
          estávamos a contemplar na nossa marinha, com tristeza, unidades obsoletas e de escasso   exibidas as primeiras fotografias animadas no
          e irrisório valor militar.                                           Real Colyseu de Lisboa, na Rua da Palma.
          Foi um dia de grande entusiasmo quando o nosso cruzador protegido “D.Carlos I”   Tudo isto eram sinais de modernidade
          chegou ao Tejo. O Parlamento fechou, para que os nossos parlamentares contemplassem   num país paradoxal: próximo da Europa
          o nosso maior cruzador, ou, para melhor dizer, o único verdadeiro cruzador que   Ocidental pelo sistema político, longe pelos
          possuimos até hoje. O povo juntou-se em grande massa nas margens do nosso porto   indicadores sociais e económicos, recla-
          de Lisboa, em todos os sítios altos da cidade que dominam o Tejo, e em toda a gente   mando paridade com as grandes potências
          se notava um vivo entusiasmo e uma satisfação bem visível, que traduzia o natural   pela extensão e potenciais riquezas das suas
          e inato instinto do nosso povo no sentido marítimo…                  colónias.
                                                                                 Apesar do esforço de recuperação do atra-
                                               Contra-Almirante Pereira da Silva, 1936  so económico, materializado nas obras de
                                                                               infra-estrutura (transportes e comunicações)
                                                                               inspiradas por Fontes Pereira de Melo na
         LISBOA EM FINAL DE SÉCULO            O coração da cidade é já a Avenida da  segunda metade do século, que sustentou o
                                            Liberdade que, em 1886, ano do casamento  crescimento económico da época, Portugal
             m 18 de Julho de 1899 o cruzador "D.  do príncipe Carlos cujo cortejo a atravessou,  permanecia um país pobre. A produtividade
             Carlos I" chega a Lisboa, no termo da  tinha substituído o Passeio Público (1). Lisboa  da sua agricultura era baixa, fatalidade da
         Esua viagem inaugural iniciada em New-  sente-se entrar no rol das grandes capitais da  geografia, das incertezas climáticas, das pra-
         castle, onde tinha sido construído.  Europa, agora com direito a um grande  gas periódicas e de uma baixa penetração de
           A Lisboa que encontra, apesar de capital  "boulevard", aprazível pelas suas árvores,  maquinaria a vapor. A indústria ocupava
         de um país pobre e maioritariamente analfa-  lagos, cascatas, calçada e estatuária, cuja  menos de um quarto da população activa
         beto, é uma cidade com pretensões e alguns  calma apenas era interrompida pelos cascos  (menos de metade da que se envolvia na
         sinais de modernidade.             dos animais que puxavam os "americanos"  agricultura). A máquina a vapor entra em
           Dos quase 5 milhões e meio de habitantes,  ou as "caleches".        Portugal em 1820 como propulsor (ainda
         cerca de 350 000 vivem em Lisboa, cuja po-  A última década do século assistiu à redefi-  auxiliar) de navios vindos de Inglaterra,
         pulação conhece então uma pequena ex-  nição dos limites da cidade, pressionada pelo  sendo necessário aguardar até 1835 até que
         plosão, resultado das primeiras grandes  aumento da sua população (mais 100 000  surja a sua primeira aplicação industrial (2).
         migrações internas em direcção às cidades.  habitantes entre 1885 e 1900), ganhando  Textil, tabacos, moagem, cerâmica, cortiça e
           As grandes inovações dos finais do século  fronteiras próximas das actuais embora, evi-  vidro eram os sectores industriais, que ope-
         XIX chegam a Portugal sem grande atraso re-  dentemente, com uma ocupação bem mais  ravam com produtividades inferiores a
         lativamente à sua introdução nos países mais  esparsa. Ainda há espaço para as quintas de  metade da dos países mais desenvolvidos. O
         desenvolvidos embora, naturalmente, a sua  Benfica e do Lumiar, onde os lisboetas abas-  fim da guerra civil (1832-34) e a introdução
         generalização venha a ser menos extensa e  tados passam férias, e para as hortas de Cam-  do liberalismo estimulam o aparecimento de
         rápida. O comboio ti-                                                                 actividades industriais
         nha começado a circu-                                                                 cujo crescimento se faz,
         lar em Portugal em                                                                    apesar de tudo, no últi-
         1856, o primeiro au-                                                                  mo quartel do século, a
         tomóvel espantava os                                                                  ritmos interessantes mas
         lisboetas em 1895 e, em                                                           Foto do arquivo do Museu de Marinha.  incapazes de romper o
         1901, a Companhia                                                                     círculo de pobreza que
         Carris de Ferro de Lis-                                                               estrangulava o país.
         boa assinava a "sen-
         tença de morte" dos                                                                   A MARINHA
         transportes públicos de                                                               EM 1899
         tracção animal (os "ame-
         ricanos") ao inaugurar a                                                               A soberania por-
         primeira carreira de                                                                  tuguesa nos territórios
         tracção eléctrica entre o                                                             africanos tinha estado,
         Terreiro do Paço e Ri-  O cruzador “D. Carlos I” visto pelo través de EB, embandeirado em arco no Quadro dos Navios   até ao último quartel do
         bamar .              de Guerra em Lisboa.                                             século, praticamente ✎
                                                                               REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 99  17
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