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A MARINHA JOANINA (13)
O epílogo de um reinado
O epílogo de um reinado
ara terminar esta série de artigos sobre a Marinha Joanina, levando à sugestão de que se devia explorar melhor o regime
parece-me correcto fazer algumas considerações de ordem de ventos daquele Atlântico Sul. Pode ser que sim e pode ser
P geral acerca do reinado do “Príncipe Perfeito” e sobre que não. Os que querem ver o projecto dos descobrimentos co-
alguns dos aspectos que mais o marcaram. Num número anterior mo uma empresa programada milimetricamente, à maneira dos
já foi referido o seu plano de descobrir uma rota que contornasse empreendimentos da era industrial, gostam de pensar que as-
a Africa e que permitisse chegar à Índia sem passar pelo Médio sim aconteceu e afirmam que a pausa de nove anos foi uma
Oriente e pelos meandros do comércio veneziano, que obtinham pausa de estudo.
elevados lucros com as mercadorias orientais. Não restam dúvi- Parece-nos ilusória esta hipótese!… Ninguém tinha conheci-
das que esta ideia esteve presente na mente de D. João II desde mentos suficientes sobre os agentes atmosféricos e sobre a geo-
muito cedo e a prová-lo grafia, para pretender
estão as viagens maríti- planear com esse rigor
mas de Diogo Cão e fosse o que fosse. Não,
Bartolomeu Dias com- não é possível!… É pro-
plementadas pela expe- vável que se tenha to-
dição terrestre levada a mado consciência das
cabo por Pero da Covi- dificuldades e, segura-
lhã e Afonso de Paiva mente, que se foram
(que saíram de San- estudando melhores
tarém a 7 de Maio de formas de ultrapassar
1487, pouco antes da o Atlântico Sul, mas fa-
partida de Bartolomeu zer uma pausa de nove
Dias). No final dos anos anos só com esse ob-
oitenta, o rei tem, pois jectivo?… Depois de já
uma ideia mais ou ter alcançado o Oceano
menos concreta do que Índico?… Não me pa-
quer e do que precisa rece lógico. Mais uma
de saber, para preparar vez encontro a melhor
a viagem marítima à D João II examina a construção das naus destinadas à viagem de Vasco da Gama. As naus que já solução deste enigma
Índia e estas duas em- não iria ver partir. (Aguarela de Roque Gameiro). numa conjuntura com
presas destinam-se pre- diversos componentes:
cisamente a obter as últimas informações. Bartolomeu Dias en- entrou-se num período político conturbado, marcado por
controu a passagem marítima para oriente e, tanto quanto se sa- problemas internos, que não tinham menor importância do
be, Pero da Covilhã visitou os portos do Malabar, tomou contac- que o projecto da Índia, e viveram-se relações externas com-
to com a navegação do Índico e, provavelmente, fez chegar infor- plexas, onde a possibilidade de que a coroa de Castela viesse
mações a Lisboa pela mão de José de Lamego e Abraão de Beja, parar a um príncipe português ganhara uma perspectiva
que com ele se encontraram no Cairo. muito mais realista do que o antigo projecto de D. Afonso V.
Com todos estes dados, D. João II estaria habilitado a enviar E, além disso, uma viagem com essa dimensão exigia a
uma expedição marítima à Índia, sem grandes dificuldades. preparação de navios suficientemente fortes para que o
Contudo, como é sabido, não o fez. Essa viagem (de que falare- aparecimento dos portugueses naquelas paragens longínquas
mos) só viria a ocorrer no reinado de D. Manuel, nove anos infundisse respeito às populações locais. Certamente que não
depois da viagem de Dias. se ignorava que a reacção dos que dominavam o comércio ori-
Porquê esta hesitação? Porquê este interregno tão longo ental seria agressiva e violenta.
quando o Sonho parecia ao alcance da mão?… A verdade é que os anos foram passando, e D. João II viu o
Não há dúvida que esta é uma das questões mais fascinantes Sonho escorrer-lhe por entre os dedos como areia seca da praia,
da história dos descobrimentos portugueses e não será fácil nas mãos de uma criança. Em 1495, quando os planos da
encontrar-lhe uma resposta definitiva. Contudo, há algumas Grande Viagem, talvez, já estivessem avançados, agonizava em
observações que podem ser feitas, depois de termos analisado Alvor rodeado de uns quantos (poucos) amigos, detestado por
alguns dos acontecimentos mais significativos ocorridos nos uma grande parte da nobreza e sabendo que a coroa iria para
anos anteriores. Lembremo-nos, por exemplo da viagem de um representante dos seus mais directos adversários internos.
Bartolomeu Dias: recordemos como foi difícil vencer a corrente Consubstanciava-se nesta morte prematura a tragédia do ho-
e os ventos que encontrou a sul de Angola e como, com uma mem que não conseguiu fugir à força do destino. Da obra que
manobra de marinheiro experimentado, resolveu fazer-se ao inteligentemente elaborara e que com paciência fora desenvol-
largo e contornar o vento ponteiro que lhe impedia a pro- vendo, nada conseguira ver realizado. Caberia a outro colher a
gressão para sul. Foram dificuldades que poderiam ser venci- seara que semeara com argúcia, sangue, suor e lágrimas.
das da mesma maneira numa viagem seguinte, mas podem ter
levantado algumas dúvidas a quem tinha a mente ocupada em J. Semedo de Matos
encontrar as melhores soluções para os objectivos pretendidos, CTEN FZ
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