Page 151 - Revista da Armada
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há 500 anos, a CPLP acompanha a actu- gola, mas depois também à vasta região O MERCOSUL, onde o peso do Brasil
al tendência para a regionalização a do Golfo da Guiné, nomeadamente ao é superior a 60 % (40 % para os res-
caminho da moderna globalização. Togo, Gabão e Nigéria, onde se encon- tantes membros: Argentina, Uruguai e
tram os grupos por vezes designados de Paraguai), está a ser um sucesso. Acaba
O Brasil é um país atlântico, de um “brasilians”. Ultimamente, essas rela- de integrar o Chile e a Bolívia.
Atlântico que vive um período de notá- ções com a costa ocidental de África Quer privilegiando as nossas relações
vel tranquilidade. têm também um grande interesse eco- bilaterais, quer preocupando-se priori-
O Equador cruza a foz do Amazonas nómico, e são responsáveis pelo estabe- tariamente com as relações com as orga-
e deixa, no hemisfério Norte uma pe- lecimento da única rota marítima no nizações internacionais, o Brasil sempre
quena parcela do Brasil quase insignifi- sentido Oeste-Leste, ligando a América reconheceu o valor da sua ligação muito
cante nos mapas vulgares, mas uma do Sul e a África. Por ela circulam, só especial a Portugal e o papel que este
parcela que tem 1.000 quilómetros de em petróleo, 6.5 % das importações do relacionamente poderá desempenhar na
litoral e é cerca de seis vezes maior do Brasil. Há uma outra rota Oeste-Leste sua aproximação à União Europeia.
que Portugal. no Atlântico Sul, mas que contorna o O Brasil admite hoje poder controlar
Cabo da Boa Esperança, sem escala, li- a inflação o que, a perdurar, alterará
Apesar de considerar o Atlântico Sul gando o Brasil e a Argentina ao Japão enormemente a sua posição já notável
como um oceano “de passagem”, o ou, mais genericamente, à região Ásia- na hierarquia das grandes potências
Brasil sempre se interessou, de forma -Pacífico. económicas do mundo.
particular, por toda esta bacia, tendo Por último, para reforçar o interesse Tanto no contexto geopolítico como
hoje razões para desejar intensificar o do Brasil pelo Atlântico Sul e o interesse no económico, o Brasil verificou que
seu papel nesta área. que os países ribeirinhos do Atlântico pode assumir a liderança regional sem
A Norte, o Brasil tem levado a fronteira Sul têm pelo Brasil, basta referir que o ter que competir com a Argentina. Em
dos seus interesses nacionais quase até ao Brasil tem um litoral com 7.367 Km de Outubro de 1986 teve a iniciativa de
limite da influência directa e permanente extensão e que a fronteira terrestre que propor, com sucesso, a criação de uma
dos norte-americanos sobre as Caraíbas, o liga a quase todos os países da Zona de Paz e de Cooperação no Atlântico
e até ao início da área da NATO, por América do Sul é muito pouco praticá- Sul (3). Em 1991, a Argentina, o Brasil e
altura do Trópico de Cancer. Preci- vel, na generalidade. A sua área é mais o Chile criaram uma Zona Livre de
sando melhor, o estrategista brasileiro do que três vezes a da Argentina e sete Armas Químicas e Biológicas. Mais recen-
Almirante Mário César Flores con- vezes a de Angola, o maior país afri- temente, em 1992, a Argentina e o Brasil
sidera, nos seus estudos, que o Atlân- cano da outra margem do Atlântico. abandonaram a competição e o confron-
tico Sul é, para o Brasil, o oceano que se to no desenvolvimento de programas
estende além da latitude de zero grau, atin- Nas costas da América do Sul, os Es- nucleares com possibilidade de utiliza-
gindo aproximadamente a linha que une tados caminham lenta mas firmemente ção para fins militares.
Trinidad-Tobago a Cabo Verde/Senegal (2). na busca de uma maior estabilidade Embora com capacidade limitada, o
Para Sul, o Atlântico é extraordinaria- política em ambiente democrático, Brasil é o Estado do Atlântico Sul que
mente aberto, pois a distância entre o tendo como objectivo o desenvolvi- mais atenção tem prestado ao poder
Cabo da Boa Esperança e o Cabo Horn é mento, aprofundamento e alargamento naval e que mais frequente e natural-
de cerca de 4.000 milhas marítimas. A da cooperação económica regional já mente a ele tem recorrido, em acções de
sua ligação ao Índico é também muito iniciada. apoio à diplomacia.
extensa, com 2.100 milhas entre o Cabo Neste ambiente, o Brasil apresenta-se O Brasil, num mundo em transforma-
da Boa Esperança e a Antárctida. Já a como um caso notável de liderança do ção quer também ser obreiro do novo
ligação ao Pacífico é menos ampla mas, movimento de regionalização. Interpre- mundo em construção.
mesmo assim, a Passagem Drake ou tando conceitos brasileiros, poderá
Grande Passagem ainda tem 540 milhas dizer-se que o Brasil:
de extensão. António Emílio Sacchetti
Ao contrário do que acontece com o É uma das poucas Nações Tropicais VALM
Atlântico Norte que une a Europa à Emergentes (por oposição às Nações
América na defesa colectiva dos estados Tropicais Subdesenvolvidas).
ribeirinhos e no comércio, o Atlântico Tem um dos maiores Factores Presença Notas:
Sul ainda é um grande fosso separando do mundo, como antes se indicou. Está - Este artigo contém excertos da comunicação
a África da América do Sul, pela sua ex- empenhado no desenvolvimento da sua “O Atlântico na Era da Globalização”,
tensão mas, mais ainda, pelas diferenças continentalidade e da sua maritimidade, apresentada na 1ª Sessão do Congresso
culturais e políticas entre os povos das isto é, tem um projecto de acção política Portugal-Brasil, Ano 2000, organizada
duas margens. simultaneamente sul-americano e atlân- pela Academia de Marinha, em 16-18
tico, tal como o projecto português, eu- de Junho de 1999.
O Brasil também já se mostrou inte- ropeu e atlântico. (1) Oliveira, Embaixador José Aparecido de,
ressado pelas regiões austrais, ao aderir Tem relações importantes com países Discurso proferido na sessão inaugural
ao Tratado da Antárctida em 1975, e ao da região do Golfo da Guiné. da III Mesa-Redonda Afro-Luso Brasileira
iniciar a sua presença neste continente Procura liderar um Núcleo Histórico para a institucionalização
no verão de 1982 para 1983, com o que é único, isto é, pretende fomentar as da CPLP, em Luanda, 26 de Janeiro de 1994,
desenvolvimento de um programa de relações transatlânticas nos espaços de Embaixada do Brasil em Paris, 5 de Fevereiro
investigação científica. Foi com muito língua portuguesa do Atlântico Central de 1994, p. 9.
interesse que um oficial da Marinha de e do Sul, onde não há outra capacidade (2) Flores, Almirante Mário César, “Atlântico
Guerra Portuguesa participou numa semelhante. Quer ligar este Núcleo à Ar- Sul - Uma prespectiva Naval Brasileira”,
das campanhas da Antárctida, a convite gentina e ao Uruguai, a Ocidente, à Na- Atlântico Norte, Atlântico Sul, Lisboa,
do Governo brasileiro. míbia e à África do Sul, a Oriente. Note- ISNG, 1989, p. 99.
Para Leste, o Brasil tem, desde antes -se, por exemplo, que nunca a Argentina (3) Proposta aprovada pela Assembleia-Geral
da sua independência, laços históricos e se empenhou no desenvolvimento de da ONU como Resolução nº 41/11,
culturais que o ligam, primeiro a An- relações com África. de 27 de Outubro de 1986.
REVISTA DA ARMADA • MAIO 2000 5