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SACADURA CABRAL anteriores, e tendo o Conselho de Ministros bém um ou dois navios mercantes para
PEDE A DEMISSÃO DE OFICIAL resolvido incluir no Orçamento a verba conve- apoiar a travessia no Atlântico e noutros
niente para a aquisição do material para a pontos do mundo, visto que a Marinha
Aviação Naval, entendo que não há que deferir”. não dispunha de navios apropriados.
A conturbada política portuguesa, em
especial a sangrenta noite de 19-10-1921, O Governo publicou ainda uma nota ofi- Este aspecto foi levado pelo Ministro ao
impressionavam fortemente um homem ciosa, em que na prática dava razão à ati- Parlamento, afim de obter o respectiva
de carácter, como era Sacadura. Por isso tude de Sacadura. autorização orçamental. A discussão no
admitia a hipótese de se afastar da Parlamento eternizou-se, sem decisão à
Marinha, porque como oficial repugnava- A INAPTIDÃO PARA VOO vista. Assim a data favorável para a reali-
-lhe assistir ao descalabro do País, que ele DE SACADURA CABRAL zação da viagem foi ultrapassada (deveria
amava como poucos. ser Março de 1924). Do outro lado do
Entretanto, Sacadura Cabral que desem- Para cumprir o regulamento que ele Atlântico a Aviação Militar americana ini-
penhava o cargo de Director dos Serviços próprio apresentara, Sacadura Cabral sub- ciou então a viagem programada por
de Aeronáutica Naval, verifica que a mete-se à Junta de Saúde Naval, que em Sacadura, completando a 28-09-1924 a
Aviação Militar iria ser contemplada com sua sessão de 01-04-1923, o dá como volta ao Mundo.
importantes verbas, quando a Aviação “Inapto para piloto aviador”. Curioso é ler as Apesar da desilusão que sentia por não
Naval vegetava com velhos aviões ou observações do mesmo mapa da JSN : “O tido a primazia, Sacadura não desistia do
dependia das subscrições para obter aquilo inspeccionado declara que as deficiências de seu projecto. Com o dinheiro que já tinha
que ele considerava essencial. Também visão e audição são as mesmas que sofria quan- reunido, encomendou na Holanda 5
estava descontente porque o pessoal da do foi admitido na aviação marítima”. aparelhos FOKKER (4 com motor Rolls
Aviação Naval que tanto tinha contribuído Não consta que essa decisão da Junta Royce Eagle IX de 380 HP e um com motor
para o sucesso da sua viagem ao Brasil, não tenha sido homologada e Sacadura contin- Napier Lion de 450 HP).
ter ainda sido recompensado, quando o dos uou a voar. Tinha então quarenta e dois A MORTE DO HERÓI
navios o tinha sido imediatamente. anos e oito de aviador.
Resolve, então (11-02-1923), tomar a ati-
tude, em requerimento dirigido ao Ministro O PROJECTO DA VIAGEM Em 21-06-1924, Sacadura Cabral é no-
da Marinha, de pedir a sua demissão de ofi- DE CIRCUM-NAVEGAÇÃO meado para fazer parte duma comissão,
cial da Armada, explicitando as suas razões afim de habilitar o Governo a resolver as
e, simultaneamente, dirigir a um jornal da Ainda os ecos da viagem ao Brasil não propostas destinadas ao estabelecimento de
capital (D.N.) uma longa carta em que torna se tinham extinto e já Sacadura Cabral carreiras aéreas comerciais. Como se vê ele
pública a sua atitude, o que constituía um punha em marcha um projecto mais ambi- era considerado uma autoridade em termos
desafio ao Governo, podendo considerar-se cioso – a viagem de circum-navegação. Para aeronáuticos. O artigo por ele publicado no
uma infracção ao RDM. Mas ninguém teve tal apresentou ao Ministro da Marinha, em “Diário de Notícias” de 28-03-1919, intitula-
a coragem de tocar nesse ponto. O requeri- Abril de 1923, uma extensa exposição com do: “Lisboa: cais da Europa”, demonstra que
mento demorou a ser apreciado. Entretanto o planeamento detalhado da viagem, os Sacadura já antevia que Lisboa viria a trans-
o Ministro da Marinha mudou de titular meios necessários e a forma de os obter. formar-se no terminal europeu das viagens
mais uma vez, passando a ser o Coman- Isto, apesar dos problemas anteriormente aéreas transatlânticas. Aliás nas inúmeras
dante Pereira da Silva, que em 20-02-1924, apresentados, o que mostra bem o carácter conferências, que efectuou, demonstrou ter
finalmente despacha o referido requerimen- de Sacadura. uma visão muito ajustada do futuro da
to da seguinte forma: Com a receita das subscrições públicas aviação comercial, advogando um papel
“Não subsistindo os motivos que explicavam efectuadas em Portugal e no Brasil e do pioneiro para a nossa aviação. Infelizmente
o pedido de demissão do requerente, porquanto o contrato de venda de selos poderiam ser pregou num país de surdos.
pessoal citado vai ter as condignas recompensas, adquiridos os 5 ou 6 aviões necessários pa- E para dar andamento ao seu projecto
o que só por lapso não foi feito pelos governos ra o efeito; no entanto era necessário tam- de circum-navegação Sacadura Cabral
segue para a Holanda, a 12-07-1924, com a
finalidade de receber os aviões Fokker. É
ele que pilotou o primeiro, equipado com
rodas, da Holanda para Portugal, aterran-
do na Amadora, a 30-08-1924.
Volta à Holanda, a 28-10-1924, para rece-
ber mais três hidroaviões, que ficam pron-
tos para efectuar a viagem para Portugal, a
15-11-1924. Eram comandados pelos te-
nentes Santos Mota e Pedro Rosado e por
Sacadura Cabral. Partem de Amsterdam
com pequenos intervalos, visto que o tempo
não permitia voo de grupo. Santos Mota
atinge Brest e Rosado amara em Cherburgo.
Esperam o tempo combinado e como o
avião de Sacadura não chegasse, dão o aler-
ta às autoridades francesas e inglesas.
Só três dias depois um navio de pesca
belga, ao regressar ao seu porto de
Ostende transmite a notícia de que tinha
recolhido, no Canal da Mancha, destroços
de um flutuador em que estava gravado o
número 4196, que era o avião pilotado por
Sacadura, tendo como mecânico o cabo
Gago Coutinho e Sacadura Cabral fotografados no Brasil com o pioneiro da Aviação Santos Dumont (ao centro). Pinto Correia.
10 MAIO 2000 • REVISTA DA ARMADA