Page 156 - Revista da Armada
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SACADURA CABRAL                    anteriores, e tendo o Conselho de Ministros  bém um ou dois navios mercantes para
         PEDE A DEMISSÃO DE OFICIAL         resolvido incluir no Orçamento a verba conve-  apoiar a travessia no Atlântico e noutros
                                            niente para a aquisição do material para a  pontos do mundo, visto que a Marinha
                                            Aviação Naval, entendo que não há que deferir”.   não dispunha de navios apropriados.
           A conturbada política portuguesa, em
         especial a sangrenta noite de 19-10-1921,  O Governo publicou ainda uma nota ofi-  Este aspecto foi levado pelo Ministro ao
         impressionavam fortemente um homem  ciosa, em que na prática dava razão à ati-  Parlamento, afim de obter o respectiva
         de carácter, como era Sacadura. Por isso  tude de Sacadura.           autorização orçamental. A discussão no
         admitia a hipótese de se afastar da                                   Parlamento eternizou-se, sem decisão à
         Marinha, porque como oficial repugnava-  A INAPTIDÃO PARA VOO         vista. Assim a data favorável para a reali-
         -lhe assistir ao descalabro do País, que ele  DE SACADURA CABRAL      zação da viagem foi ultrapassada (deveria
         amava como poucos.                                                    ser Março de 1924). Do outro lado do
           Entretanto, Sacadura Cabral que desem-  Para cumprir o regulamento que ele  Atlântico a Aviação Militar americana ini-
         penhava o cargo de Director dos Serviços  próprio apresentara, Sacadura Cabral sub-  ciou então a viagem programada por
         de Aeronáutica Naval, verifica que a  mete-se à Junta de Saúde Naval, que em  Sacadura, completando a 28-09-1924 a
         Aviação Militar iria ser contemplada com  sua sessão de 01-04-1923, o dá como  volta ao Mundo.
         importantes verbas, quando a Aviação  “Inapto para piloto aviador”. Curioso é ler as  Apesar da desilusão que sentia por não
         Naval vegetava com velhos aviões ou  observações do mesmo mapa da JSN : “O  tido a primazia, Sacadura não desistia do
         dependia das subscrições para obter aquilo  inspeccionado declara que as deficiências de  seu projecto. Com o dinheiro que já tinha
         que ele considerava essencial. Também  visão e audição são as mesmas que sofria quan-  reunido, encomendou na Holanda 5
         estava descontente porque o pessoal da  do foi admitido na aviação marítima”.   aparelhos FOKKER (4 com motor Rolls
         Aviação Naval que tanto tinha contribuído  Não consta que essa decisão da Junta  Royce Eagle IX de 380 HP e um com motor
         para o sucesso da sua viagem ao Brasil, não  tenha sido homologada e Sacadura contin-  Napier Lion de 450 HP).
         ter ainda sido recompensado, quando o dos  uou a voar. Tinha então quarenta e dois  A MORTE DO HERÓI
         navios o tinha sido imediatamente.  anos e oito de aviador.
           Resolve, então (11-02-1923), tomar a ati-
         tude, em requerimento dirigido ao Ministro  O PROJECTO DA VIAGEM        Em 21-06-1924, Sacadura Cabral é no-
         da Marinha, de pedir a sua demissão de ofi-  DE CIRCUM-NAVEGAÇÃO      meado para fazer parte duma comissão,
         cial da Armada, explicitando as suas razões                           afim de habilitar o Governo a resolver as
         e, simultaneamente, dirigir a um jornal da  Ainda os ecos da viagem ao Brasil não  propostas destinadas ao estabelecimento de
         capital (D.N.) uma longa carta em que torna  se tinham extinto e já Sacadura Cabral  carreiras aéreas comerciais. Como se vê ele
         pública a sua atitude, o que constituía um  punha em marcha um projecto mais ambi-  era considerado uma autoridade em termos
         desafio ao Governo, podendo considerar-se  cioso – a viagem de circum-navegação. Para  aeronáuticos. O artigo por ele publicado no
         uma infracção ao RDM. Mas ninguém teve  tal apresentou ao Ministro da Marinha, em  “Diário de Notícias” de 28-03-1919, intitula-
         a coragem de tocar nesse ponto. O requeri-  Abril de 1923, uma extensa exposição com  do: “Lisboa: cais da Europa”, demonstra que
         mento demorou a ser apreciado. Entretanto  o planeamento detalhado da viagem, os  Sacadura já antevia que Lisboa viria a trans-
         o Ministro da Marinha mudou de titular  meios necessários e a forma de os obter.  formar-se no terminal europeu das viagens
         mais uma vez, passando a ser o Coman-  Isto, apesar dos problemas anteriormente  aéreas transatlânticas. Aliás nas inúmeras
         dante Pereira da Silva, que em 20-02-1924,  apresentados, o que mostra bem o carácter  conferências, que efectuou, demonstrou ter
         finalmente despacha o referido requerimen-  de Sacadura.              uma visão muito ajustada do futuro da
         to da seguinte forma:                Com a receita das subscrições públicas  aviação comercial, advogando um papel
           “Não subsistindo os motivos que explicavam  efectuadas em Portugal e no Brasil e do  pioneiro para a nossa aviação. Infelizmente
         o pedido de demissão do requerente, porquanto o  contrato de venda de selos poderiam ser  pregou num país de surdos.
         pessoal citado vai ter as condignas recompensas,  adquiridos os 5 ou 6 aviões necessários pa-  E para dar andamento ao seu projecto
         o que só por lapso não foi feito pelos governos  ra o efeito; no entanto era necessário tam-  de circum-navegação Sacadura Cabral
                                                                               segue para a Holanda, a 12-07-1924, com a
                                                                               finalidade de receber os aviões Fokker. É
                                                                               ele que  pilotou o primeiro, equipado com
                                                                               rodas, da Holanda para Portugal, aterran-
                                                                               do na Amadora, a 30-08-1924.
                                                                                 Volta à Holanda, a 28-10-1924, para rece-
                                                                               ber mais três hidroaviões, que ficam pron-
                                                                               tos para efectuar a viagem para Portugal, a
                                                                               15-11-1924. Eram comandados pelos te-
                                                                               nentes Santos Mota e Pedro Rosado e por
                                                                               Sacadura Cabral. Partem de Amsterdam
                                                                               com pequenos intervalos, visto que o tempo
                                                                               não permitia voo de grupo. Santos Mota
                                                                               atinge Brest e Rosado amara em Cherburgo.
                                                                               Esperam o tempo combinado e como o
                                                                               avião de Sacadura não chegasse, dão o aler-
                                                                               ta às autoridades francesas e inglesas.
                                                                                 Só três dias depois um navio de pesca
                                                                               belga, ao regressar ao seu porto de
                                                                               Ostende transmite a notícia de que tinha
                                                                               recolhido, no Canal da Mancha, destroços
                                                                               de um flutuador em que estava gravado o
                                                                               número 4196, que era o avião pilotado por
                                                                               Sacadura, tendo como mecânico o cabo
         Gago Coutinho e Sacadura Cabral fotografados no Brasil com o pioneiro da Aviação Santos Dumont (ao centro).  Pinto Correia.

         10 MAIO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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