Page 307 - Revista da Armada
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«José Carlos da Maia»
«José Carlos da Maia»
« - Que pena não te ter conhecido quando Aos dezanove ingressa na Naval como possa ser nomeado», frequentar a «Escola
tu tinhas dezoito anos! O tempo que nós aspirante, em 1900 é promovido a guarda- Colonial», mas em Outubro de 1908 deixa
perdemos!… -marinha e, dado à Divisão Naval do o Tejo onde estacionara para, a bordo da
Dizia-lhe ele, com a ternura apaixonada Atlântico Sul, navega entre Angola, «Pátria», demandar Macau onde passa à
do noivado, quasi numa declaração, certa Cabo Verde e S. Tomé. canhoneira «Rio Lima».
noite de Outubro de 1921. Dez minutos Em Janeiro de 1903 vem a promoção Porque «amava a Marinha e os
depois batia-lhe à porta o Dente de Ouro. a oficial no posto de 2º tenente e segue marinheiros» e era dotado de um elevado
Foi o seu adeus!» no transporte «África» para a Divisão sentido de justiça, ficou registado o seu
Horas depois foi, no Arsenal, assassinado. Naval de Macau onde vai servir na episódico amuo com o comandante pois,
«desabafava com os seus
Fizera, a 16 de Março, qua- amigos: «O oficial de serviço
renta e três anos o homem queixara-se sem razão de um
que deixava uma viúva e um marinheiro; logo o imediato
filho de meses e a quem os propôs um castigo, que foi
Voluntários de Macau, reco- aprovado pelo comandante!».
nhecendo-lhe as melhores Do Extrêmo Oriente volta a
qualidades, mandam erigir o Lisboa em Agosto de 1909,
túmulo para onde os seus depois de dois meses no
restos mortais foram, ao exacto Hospital da Cidade do Santo
terceiro ano, trasladados. Nome.
Nascera em Olhão, tinha O seu republicanismo
vindo, muito cedo, para Lisboa. enraíza-se e o velho amigo de
Aos oito anos, testemunha sempre que agora não o
um amigo, era «irrequieto, acompanha em termos de
tumultuoso, chefe de todos regime, imagina-o, idealista e
nós, … Eu era lanceiro; cavalo de grande nobreza de carác-
de cana … bandeira azul e ter, «a salvar uma fidalga no
branca. Ele falava sempre com meio do turbilhão dos (repu-
paixão dos barcos … enterne- blicanos) revoltados dos
cia remadores da Alfândega, quais seria o chefe.»
pilotos do Bom Sucesso e os A bordo da «Limpopo»
guardas da saúde para nos recebe, em Setembro, autoriza-
levarem até aos paquetes ção para a ir no «desempenho
colossais que businavam e de uma comissão de levanta-
deitavam fumo negro.». mento de itinerários na
Filho dum oficial da Ar- Província da Guiné Portuguesa
mada, impressionava-se quan- …(acumulando com o) cargo
do lhe contava das chibatadas de Residente da Circunscrição
a que muito marujo se furtava de Buba», porém outros valores
por ter tatuado um Cristo nas o chamam e o «amigo dilecto
costas e confidenciava ao com- de Candido dos Reis» não
panheiro «que nos homens chega a partir.
não se devia bater. «Na madrugada de 4 de
- Mas tu bateste no Florindo … Outubro desse ano (de 1910)
- Isso foi na guerra - volvia muito apres- canhoneira «Diu» e, depois, no cru- entrou com os camaradas Ladislau Parreira
sado …» justificando que o «granjolão» o zador «Vasco da Gama». Regressará ao e Sousa Dias no Quartel de Marinheiros,
desafiara para a pedrada. Reino em 1905. acompanhado de civis, e intimou o
Com a mesma energia consolou o No ano seguinte segue para Angola almirante Pereira Viana, 1º comandante do
amigo sujeito a umas palmatoadas fortes e mas, quase logo, regressa por ordem da corpo, a render-se. Este desfechou o seu
injustas com um - «Deixa lá que a gente Junta de Saude Naval a Lisboa e mete revólver e feriu três dos assaltantes,
ainda há-de mandar nele …» e partiram licença para ir a águas em Caldelas. acabando, ele próprio, por ser ferido.
para outra aventura, tal que lhes valeu, a Depois de seis meses no Arsenal é Depois de tomado o quartel, foi
cada um, uma valente sova materna. nomeado em Fevereiro de 1907 instru- num vapor da alfândega assaltar o
E, amigos para sempre, o Ultimatum ctor da Escola Prática de Artilharia Naval «D. Carlos». O comandante do navio,
torna-os republicanos e a ele, aos doze, (D. Fernando II) para logo destacar para, capitão-de-mar-e-guerra Álvaro Ferreira,
um orador implacável. Na impossibilidade na Escola de Torpedos e Electricidade, recebeu a tiro os assaltantes, ficando feri-
de combater a sério a «pérfida Albion», tirar, de Março a Novembro, o «Diploma dos quatro oficiais. Maia apoderou-se do
nas brincadeiras, sempre fardado a pre- de Oficial Torpedeiro». navio e entregou o seu comando ao
ceito, «dragonas de barbas de milho», Concluída a especialização, vê, dias 2º tenente Silva Araújo.».
«espada de lata» e tudo, a Inglaterra saía depois, deferido o seu requerimento para, Esse acto de ousadia que «pesou decisi-
sempre … vencida. «sem prejuízo de todo o serviço para que vamente na viragem da relação de forças» ✎
REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2000 17