Page 383 - Revista da Armada
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tuário que naquele tempo consti-
tuía a mata do Alfeite, o Coman-
dante não viveu isolado da comu-
nidade astronómica, pois par-
ticipou - por vezes até como re-
presentante nacional – em reu-
niões internacionais realizadas em
França, Itália e URSS, e, segundo
rumores que corriam na época,
era até um dos raríssimos por-
tugueses autorizados a deslocar-se
ao último daqueles países com o
qual, como se sabe, na altura, não
mantínhamos relações diplo-
máticas.
Capa do CD ROM, compilado pelo Prof. Doutor À sua colaboração nos Anais do
Pedro Ré, Presidente da APAA, contendo a maior CMN (1961 e 1965) deve acres-
parte das fotografias astronómicas do Comandante
Conceição Silva. centar-se, em 1965, a autoria do
prefácio e a supervisão da edição
Óptica vinha já de tenra idade, conforme ele portuguesa do livro “Astronomia”
próprio várias vezes afirmou, o que aliás foi de Karl Stumpf, traduzido pelo
corroborado carinhosamente pela sua Eng.º construtor naval Falcão de
própria Esposa que dizia que tendo-se co- Campos e a colaboração científica
nhecido desde crianças, quando aí com cer- do Comandante Veiga de Olivei-
ca de 9 anos “......o Eugénio, uma vez, escre- ra, Professor Catedrático de Mate-
veu-me um postal em que chamava a minha mática da Faculdade de Ciências
atenção para uma estrela brilhante que se de Lisboa.
encontrava numa determinada posição e Durante algum tempo o Co- O Comandante Conceição Silva e o seu Telescópio num
que se chamava....”. mandante Eugénio Conceição Sil- Quadro-Composição do Comandante Sousa Machado em
Em 1935, a Société Astronomique de va foi ainda Presidente do Con- exposição no Planetário.
France (S.A.F.), de que era membro desde os selho do Centro de Estudos Aero- confiado à Marinha o papel, mais uma vez
16 anos, publicou no seu boletim periódico náuticos, representante em Portugal da pioneiro, de iniciar a divulgação pública da
um artigo descrevendo o micrómetro para Federação Internacional de Astronáutica, o ciência astronómica, com o Planetário Ca-
observação de estrelas duplas por ele deli- que evidencia o seu interesse por toda a ma- louste Gulbenkian?
neado e construído duma forma extrema- téria relativa aos novos satélites artificiais e Foi assim que nos seus últimos anos de
mente simples, artigo este que, dois anos foguetões a eles associados. vida integrou, com entusiasmo e dedicação,
depois, viria inserido no livro americano Vimos atrás que a Marinha teve um papel a comissão que preparou a edificação, a
“Amateur Telescope Making”. pioneiro na astronomia de observatório por selecção e a aquisição do equipamento do
A prestigiada Biblioteca Cosmos convi- ocasião da fundação e suas primeiras direc- Planetário Calouste Gulbenkian, vindo a per-
dou-o a escrever sobre “O Sistema Solar”, li- ções do Real Observatório de Lisboa. tencer-lhe a autoria dos textos das primeiras
vro que veio a ser publicado em 1944, tor- Talvez seja agora a altura de nos questio- sessões públicas que se realizaram naquela
nando o seu autor conhecido do público narmos sobre o seguinte: Se não existisse um instituição científico-cultural da Marinha,
português mais interessado pela astronomia. Comandante Conceição Silva com o seu onde, por mérito próprio, veio a ser o seu
Durante cerca de três anos (1950-1953), enorme prestígio astronómico, teria sido primeiro director.
colaborou numa revista portuguesa de divul- Posteriormente à sua morte (em 1969) foi
gação científica onde, entre outros assuntos, descerrado na galeria daquela instituição um
tratou da forma prática de se construirem retrato seu da autoria do Comandante Raul
telescópios e lentes oculares destinados às Sousa Machado, numa cerimónia presidida
observações astronómicas. pelo então Ministro da Marinha.
Ex-aequo com o astrónomo francês Texe- A perseverança demonstrada no estudo e
reau (engenheiro óptico do Observatório de na procura de rigor e precisão nas suas obser-
Paris e Secretário da Comissão Instrumental vações e fotografias celestes, sempre rodeado
da S.A.F.), em 1954, recebeu um prémio da de grande discrição, transmitiram-se, de certo
S.A.F. e, cinco anos mais tarde, foi-lhe modo, a alguns colaboradores que com ele
atribuído outro prémio, desta vez conferido conviveram e que sempre o relembram com
pela Agrupacion Astronómica Aster, de muita saudade e profundo respeito.
Barcelona. No seu tempo foi, na verdade, o maior
Todo este reconhecimento científico inter- astrónomo-amador de Portugal e quiçá da
nacional parece estranhamente nunca ter Península e, com o Planetário, o impulsio-
pesado o suficiente para que as entidades nador da divulgação pública da astronomia
astronómicas nacionais solicitassem a cola- entre nós, e a auréola alcançada fora e den-
boração do Comandante Eugénio Concei- tro das fronteiras (talvez mais fora do que
ção Silva, razão que certamente o levou a dentro!) fizeram dele uma referência e um
prosseguir o seu trabalho como um anacore- exemplo a seguir, muito tendo prestigiado a
ta, no Alfeite, apartado de certo modo, dos Marinha e o País, dele se podendo dizer:
poderes oficiais. “valeu a pena tê-lo conhecido”.
Muito embora, como atrás se disse, a sua O Telescópio utilizado pelo Comandante Conceição
actividade de astrónomo-amador se tivesse Silva na sua residência e que se encontra exposto no J. Cyrne de Castro
desenvolvido quase exclusivamente no san- Planetário Calouste Gulbenkian. CMG
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2000 21