Page 188 - Revista da Armada
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dois primeiros patrulhas oceânicos. Há uma semana começaram a dem de todos. É aceitar a camaradagem como natural. É ver a
ser recebidos os novos rádios para os meios navais, de que o pri- disciplina como relação consentida. O marinheiro é solidário e
meiro lote foi entregue aos Fuzileiros. Ontem mesmo, foi assinado por isso, nele, o sentimento de injustiça é mais forte. O marinhei-
novo contrato para o segundo par de patrulhas oceânicos, este ro está habituado a vencer a adversidade, quando ela vem da na-
especialmente vocacionado para o combate à poluição e o apoio tureza. Tem mais dificuldade em a entender, quando tem origem
à balizagem. E no mês passado, foi assinado o contrato para dar nos seus iguais. O marinheiro precisa de estar motivado.
início à construção da 5ª esquadrilha de submarinos, imperativo Este tema - a motivação - constitui matéria central das minhas
claro do querer nacional. São sinais fortíssimos da vontade polí- preocupações, e sei que o mesmo se passa com o Governo. Exis-
tica em renovar a Marinha que, publicamente, quero reconhecer. tem, a nível da Administração do Estado assimetrias que não são
E citei apenas os programas mais marcantes pois, a par destes, de hoje, mas que nem por isso deixam de ser injustas ou desmoti-
outros significativos estão a decorrer, de que destaco o processo vadoras, para quem dá tanto ao seu País, e que urge desfazer.
de modernização, automatização e conversão das estações rádio- A Marinha sabe que tudo será feito para evitar que, alguma vez,
navais, a aquisição das viaturas blindadas anfíbias dentro do re- se chegue a gerar a percepção de que a dignidade institucional, ou a
equipamento dos fuzileiros, e o continuado reequipamento dos dignidade de cada militar, corram o risco de ser postas em causa.
mergulhadores. E em breve se iniciarão as negociações para o Os militares e militarizados da Marinha sabem esperar, e com-
navio polivalente logístico. preendem as dificuldades, mas têm referências que não podem
A Marinha tem ser dissipadas, e le-
razões para acredi- gítimas aspirações
tar no futuro, mas que não podem ser
tem também razões esquecidas.
para continuar a A solidariedade
trabalhar com a tu- entre homens do
tela pois, se muito já mar está sempre
se fez, muito ainda presente e é, por
há para fazer. isso, repito, que
É que é preciso os dias de festa da
continuar a traba- Marinha se come-
lhar na substituição moram em terras
das fragatas classe de outros mari-
João Belo, já com nheiros. Para estrei-
mais de 35 anos de tar ainda mais esta
vida. Há que encon- relação, a Marinha
trar substituto para decidiu que os no-
o reabastecedor de vos patrulhas oce-
esquadra, pois não ânicos recebessem
há projecção de for- os nomes de cida-
ça sem este meio. des ribeirinhas, ci-
Há que encontrar dades com porto,
substitutos para os navios que fazem fiscalização costeira e asse- que os possam acolher no cumprimento das suas acções de fis-
guram o dispositivo, hoje também com mais de 35 anos de vida. calização. Cidades que se identifiquem e tenham orgulho, naque-
Eu sei que é muito. Sei que se está a fazer em oito anos o que le que venha a ser O SEU NAVIO.
se deveria fazer em vinte. Mas a resistência dos materiais tem Por respeito para com esta cidade, e pela ligação íntima que tem
limites e nenhum dos meios que acabei de referir conseguirá com os estaleiros navais aqui instalados, e que os irão construir,
chegar a 2010. o primeiro dos navios patrulhas oceânicos será baptizado com o
Até lá, a nova Marinha de Portugal tem que ser levantada pois nome de VIANA DO CASTELO, que assim passará a constituir
não há alternativa. A esperança, a determinação e a confiança en- a designação da nova classe.
contram-se reforçadas. Estamos a trabalhar para um futuro que Mas é tempo de terminar.
vai valer a pena, e de que os portugueses se orgulharão. Em 2010 Já se falou de Viana e da nobreza das suas gentes. Já se falou do
Portugal terá uma nova Marinha, cumprindo-se assim este pro- mar, esse vizinho estratégico de que só as Marinhas sabem cui-
jecto, que tem que ser assumido como compromisso nacional. dar. Falou-se do ano que passou, da forma intensa como se vive o
Já dediquei bastante tempo aos meios materiais. É fácil enten- presente, bem como da esperança, determinação e confiança com
der porquê. Retomo agora o tema do homem que, sem nunca que se prepara o futuro. Falou-se da esquadra renovada e de um
o deixar de ser, é também militar e marinheiro. O cidadão que calendário que se tem no horizonte, já sem alternativa. Falou-se,
escolhe a carreira das armas, e jura servir o país, levando o seu por fim, do homem, do militar e do marinheiro.
sacrifício e a sua luta até ao limite da própria vida, não é um ci- Mas, Senhor Ministro de Estado e da Defesa Nacional
dadão qualquer. Não faz sentido acabar sem lhe afirmar que estes marinheiros
É um homem, ou mulher, que aceita com naturalidade a con- que tem na sua frente, aprumados, disciplinados, coesos, orgu-
dição militar. Não a vê como limitação dos seus direitos. Vê-a lhosos da sua Marinha, como os que o envolvem na tribuna onde
como intimamente ligada à nobreza da missão, e da carreira que preside a esta cerimónia, como os que se encontram neste mo-
abraçou. E, naturalmente também, espera que a sociedade civil mento em Timor-Leste, no Mediterrâneo Oriental ou no Mar Ver-
reconheça o seu esforço e os valores e as causas por que se bate. O melho, combatendo o terrorismo, ou na Sagres, algures no Atlân-
que de mais significativo distingue o militar dos restantes agen- tico Norte, preparando os futuros oficiais ou, tão só nas costas
tes do Estado não é a farda, é a condição militar. O militar é um do Continente, dos Açores e da Madeira, fazendo cumprir a lei
cidadão que se bate pela sua bandeira, e aceita morrer pelos su- do Estado no mar, todos eles, acreditam no futuro e continuam
periores interesses do Estado. prontos a servir Portugal.
Mas ser militar e marinheiro é muito mais. É aceitar, também, Tenho dito.
o desconforto do meio. É aceitar estar, por rotina, longe da fa- Z
mília. Francisco António Torres Vidal Abreu
É aceitar conviver em espaços exíguos, em que todos depen- Almirante
6 JUNHO 2004 U REVISTA DA ARMADA