Page 45 - Revista da Armada
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economia de mercado no Ocidente; que foi renovador no sentido das estruturas do o valor-Nação permanecerá como critério
o Estado o ente mediador das dinâmicas futuro. Em Criando uma Nova Civilização, de identidade cultural, social e também
de desenvolvimento do terceiro Mundo, após referências à Segunda e Terceira Va- política do Povo. Samuel Huntington re-
no pós-descolonização; que foi o Estado o gas – enfim, o presente espaço não acon- fere, no seu famoso “O Choque das Civiliza-
culpado da expansão imperial soviética. Sa- selha desenvolvimentos de tais conceitos ções e a Mudança na Ordem Mundial”, que os
bemos que o Estado é um fenómeno fun- - e comentando os benefícios e prejuízos da Estados-Nações continuam a ser os princi-
damentante da evolução efectiva de inte- sociedade de massas e das suas diversida- pais actores na cena internacional, porque
resses internacionais, moldados de acordo des humanas, os autores adensam que “po- o seu comportamento, nos termos da dinâ-
com as necessidades sentidas no mundo e deremos resistir ao impulso para a diversidade, mica da história, é moldado não só pela busca
marcados por exigências organizacionais num fútil esforço da última trincheira para sal- de poder e riqueza, mas também por preferên-
específicas, tendências globalizantes que var as nossas instituições políticas da Segunda cias, afinidades e diferenças culturais.
diluem, de forma ligeira, o conceito de Vaga, ou podemos reconhecer a diversidade Do mundo bipolar do período da Guerra
território (elemento delimitador do Esta- e transformar essas instituições em con- Fria, urge, no período posterior, a tendên-
do, ele próprio), a mundialização das inter- formidade com ela. A primeira estratégia só cia-necessidade de uma política global mul-
dependências, como também refere o ilustre pode ser implementada por meios totalitários ticivilizacional a orientar a vivência inter-
académico. e resulta numa estagnação económica e cultu- nacional para a multipolarização.
Casos há, sabemo-lo, em que a função ral; a segunda conduz-nos à evolução social e Em paralelo desta febre internacional de
território ultrapassou toda e qualquer con- a uma democracia do século XXI, baseada nas mudanças de conceitos geopolíticos estru-
sideração sobre a expressão dos ideários minorias.” Concedamos que a diversidade turais, emerge, ao mesmo tempo e na mes-
políticos das populações. A variada mol- de sociedades e Nações não é pressupos- ma cadência quasi galopante, uma nova
dura dos centros de poder actual – os de to de conflito e de tensões. Concedamos cultural global – de tecnologias de infor-
índole informal e não estatudual, claro –, também, inclusive, que a inadequação das mação, de comunicação à escala mundial,
contribuem, fortemente, para a actual falta actuais instituições políticas tende a agu- e uma nova Web Culture – que faz interagir
de coesão do Estado como conceito unifor- dizar as minorias e a torná-las de alguma o Mundo numa forma absolutamente efi-
mizador. Há já mais de década e meia que forma intransigentes. O que parece, ainda ciente. Esta eficiência será, sempre, um pólo
Adriano Moreira chama a atenção para o assim, impor-se aos Estados, é o equilíbrio positivo e outro negativo. Tanto se mundia-
fenómeno da desagregação das estruturas na adopção dos interesses dos poderes não lizam as capacidades técnicas dos países
funcionais e do perigo dos poderes erráti- instituídos, não funcionais e minoritários, como se diluem as capacidades de deter-
cos. Referia ele que quanto mais a socieda- e na justa avaliação de um dos pressupos- minismo dos perigos que, no entretanto,
de global tende para afluente, consumidora tos clássicos das democracias: o poder de- eles próprios constroem, interagindo, e os
e pós-industrial, mais vulnerável fica à acção cisivo da maioria. A não ser assim, a hos- desterritorializam.
dos poderes erráticos, fazendo, comparativa- tilização daqueles primeiros pode levar, aí Ignacio Ramonet refere, a propósito, que
mente, uma chamada à liça das novas obe- sim, a conflitos internos e a tensões deter- os três factores tradicionais do poder – dimensão
diências que tais poderes “impõem” nas minantes, e à cristalização de oligarquias do território, importância demográfica, abun-
sociedades civis (ocidentais), construindo informais. Eventualmente, a um certo tipo dância de matérias-primas – já não constituem
um processo de desacreditação das capa- de caos social. trunfos invejáveis e tornaram-se mesmo (...) pe-
cidades públicas para fornecer as seguran- Não temos, a dados de hoje, o Estado sadas desvantagens na era pós-industrial. E tal
ças próprias do Estado de Direito: a Esta- como um ente cristalizado. facto assume-se, mesmo, como factor de
bilidade Institucional e a Textura Jurídica. A reconfiguração do conceito de frontei- prioridade de reflexão política nas agen-
Afinal, o que supra identificámos como as ra, de que supra falámos, é, nas suas razões, das actuais de mentores, conceptores, e es-
novas lealdades. o espelho do que se passa ao nível do fenó- trategas políticos.
Os espaços internacionais em formação meno da transnacionalidade ou no espaço su- A rede é, pois, a (nova) palavra de or-
reflectem tendências transnacionais que re- pra-Estado; a evolução tem sido no sentido dem. A desmultiplicação (e sobreposição)
novam e reconfiguram o conceito de fron- do total desdobramento do conceito – te- de centros decisórios desdobra a impor-
teira; obedecem, grosso modo, a dois modelos mos que considerar a fronteira económica tância da hierarquização crescente das
de agregação de interesses – a cooperação (União Europeia), a fronteira da circulação potências. A mundialização da cultura
(de que a NATO é exemplo crasso) ou na (Shengen), a fronteira de segurança (NATO, desbrava terreno à velocidade das mais
integração (na linha da ex-URSS). A sensação UEO), a fronteira cultural (adstrita ao con- modernas transmissões tecnológicas de
que temos é que o Mundo, ele próprio, se ceito de comunidade e identidade). O seu dados, pondo (quase) tudo ao alcance de
regionaliza em grande escala, mercê da acti- quadrado fundador, afinal. (quase) todos, nos mais curtos espaços de
vidade aglomerante de organismos de diá- Qual o papel da Nação neste aparente tempo; a teia global atinge o fenómeno em-
logo, gestão e cooperação à escala mundial, decaimento do Estado soberano? presarial, que se desestrutura dos ambien-
em várias vertentes: económico-funcional, O papel fortificante e uniformizador da tes estritamente nacionais e estende os ten-
segurança-defesa, economia-mercado. Os importância da história e da identidade de táculos, passando a ter poder mundial. A
órgãos internacionais de consulta, decisão um povo, como ponto de referência ao pas- deslocalização empresarial e o fecho de in-
e coordenação promovem transferências de sado nas novas roupagens internacionais dústrias de face internacional na procura
competências, expressas no foro legislati- que o Estado renascentista terá que vestir de novas paragens com centros de custos
vo de cada Estado ou ocultas em razão do no futuro dos grandes espaços institucio- mais baixos (e menos controláveis), é bem
efeito imediato que têm neste. Os circuitos nais e das novas estruturas hierárquicas a imagem dos novos léxicos empresariais
do poder mundial têm, também, uma face das potências mundiais, que se redefi- e das soberanias orgânicas e monetárias.
estadual; é, precisamente, a notória evolu- nem e, em consequência, desestabilizam A tirania das novas redes. Uma nova con-
ção dos Estados face à generalização das a ordem mundial. Como sabiamente aduz jectura de poderes, para novos perfis de
interdependências e de cooperações refor- Adriano Moreira, perdoe-se-nos a insistên- sociedades. Afinal, o advento de novas
çadas com outros Estados, que lhes deter- cia em tal linha de citação, a crise do Estado imagens de Estado.
mina – quase fatalmente - novos trilhos de soberano não é a crise do Estado Nacional. Se o Z
renovação. cenário internacional se metamorfoseia ao Luis Manuel Gomes da Costa Diogo
Num ensaio relativamente bem cons- sabor do nascimento das novas estruturas Resp. Gab. Jurídico do VALM DGAM
truído, e amplamente conhecido, Alvin globais de decisão (com consequências de Carla Cristina Martins Pica
e Heidi Toffler edificam um pensamento impacte nas valências estaduais internas), Assessora Jurídica da CSAA
REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2004 7