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A MARINHA DE D. MANUEL (44)



                         A Hora das Fortalezas
                         A Hora das Fortalezas



               presença portuguesa na costa oci-  O castelo foi construído a custas pes soais, com   Em Azamor, funcionava a feitoria que fora as-
               dental de Marrocos, em latitudes  o dinheiro do dote da sua mulher, Dª Bea-  sente nos tempos de D. João II, mas a partir de
         A  relativamente próximas das ilhas  triz, e só em 1513 a coroa resolveu comprá-  1507 (ou talvez mais cedo), são claras as inten-
         Canárias, deve remontar aos tempos em que  -lo, numa altura em que a política portuguesa  ções de D. Manuel em tomar a cidade e assen-
         a posse destas ilhas foi um empenho do in-  para aquela região já tinha contornos bem di-  tar aí uma fortaleza. Em 1508, foi lançada uma
         fante D. Henrique, e estou em crer                                           expedição comandada por D. João de
         que se relaciona com negócios que                                            Meneses, que não logrou alcançar os
         nessa costa se fariam desde então. O                                         seus objectivos, mas o rei não desistiu
         problema é que a navegação até ali                                           e, de imediato, começou a organizar
         nunca foi um absoluto monopólio                                              nova operação, desta vez mais forte
         dos portugueses, sendo vulgar en-                                            e mais preparada, sob o comando
         contrar navios de mouros vindos do                                           do Duque de Bragança, D. Jaime. Os
         Mediterrâneo, mercadores franceses                                           naturais de Azamor aperceberam-se
         e italianos, e uma presença espanho-                                         do perigo que corriam e procuraram
         la (de todas a mais ameaçadora) que                                          o bter um acordo que o rei aceitou,
         reivindicava direitos sobre as ilhas                                         mas sem grande vontade de o respei-
         e procurava estabelecer-se em terra.                                         tar. Acabaria por lançar uma expedi-
         Os tratados das Alcáçovas (1479), de                                         ção em 1513 (cerca de 500 velas), con-
         Tordesilhas (1494) e de Sintra (1509),                                       cretizando a conquista e lançando as
         tiveram uma função importante                                                bases para a construção da praça de
         (como já vimos anteriormente) na                                             Mazagão (ligeiramente a sul de Aza-
         regulação dos conflitos provocados                                            mor apenas separada por um peque-
         por esta desconfortável vizinhança,                                          no golfo), no local onde desembarca-
         fazendo valer os direitos portugue-                                          ram as tropas. A cidade tinha uma
         ses na costa marroquina  e ceden-                                            importância estratégica extraordi-
         do as Canárias a Espanha, mas não                                            nária, dada a sua localização entre as
         impediram, de todo, as tentativas                                            províncias de Duquela e Enxovia, e a
         de entrar no continente que pro-                                             sua tomada teve um impacte tremen-
         curavam situações de “facto consu-                                           do sobre todo o reino de Marrocos,
         mado”, cuja solução posterior tem                                            criando condições que não foram as
         poucas alternativas que não passem                                           mais favoráveis aos portugueses. De
         pela guerra. No reinado de D. João                                           facto, a sua posse poderia ser uma
         II já os portugueses tinham feitorias                                        ameaça para Fez e Marraquexe, mas
         em Azamor (1486) e Safim (1488),                                              a sua manutenção dependia muito da
         vivendo as populações envolventes                                            forma como encontrasse formas de
         debaixo de protectorado português,   Tomada de Azamor pelo Duque de Bragança.   se abastecer nos campos circundan-
         assente em acordos de vassalagem   Pintura portuguesa do séc. XVI.           tes. Este foi o seu grande “calcanhar
                                     Paço de Vila Viçosa.
         que garantiam um ambiente de paz                                             de Aquiles” porque as populações
         e permitiam o comércio. Em 1496 esta influ-  ferentes dos que tinham caracterizado o final  debandaram, desertificaram a região e foram
         ência chegava até Meça (para lá do rio Suz),  do séc. XV e primeiros anos do sec. XVI.  alimentar uma vaga de fundo contra os cris-
         mas a região estava muito perto das ilhas Ca-  Seguiu-se-lhe Safim, um pouco mais a nor-  tãos, que acabaria por ser fatal aos portugue-
         nárias e em 1499 o  governador das ilhas ob-  te. Mantendo o poder local ocupado em guer-  ses. D. Jaime parece ter-se apercebido disso, e
         teve o acordo de uma cabila local, para que  ras internas alimentadas por intrigas políticas,  manifesta-o em cartas que escreve a D. Manuel,
         fosse feita uma fortaleza espanhola, junto ao  a partir de 1507, paulatinamente, Diogo de  expressando a sua convicção de que o projec-
         rio Açaca, num local que viriam a chamar de  Azambuja (o mesmo que D. João II manda-  to de conquista de Marrocos era uma missão
         Santa Cruz do Mar Pequeno. Alonso de Lugo  ra construir o castelo de S. Jorge da Mina, em  impossível. Contudo, o rei tem uma ideia bem
         foi o seu capitão e rapidamente quis esten-  1482), foi construindo uma fortaleza, a partir  precisa que não se desmorona com as confusões
         der a sua influência para norte e para sul, de  da qual dominou toda a cidade a partir de  criadas à volta de Azamor. Aliás, o ano de 1513
         Meça até Agadir, provocando os protestos dos  1508. Os anos que se seguiram foram de tal  parece ter sido para ele o ano de todas as espe-
         portugueses. Os Reis Católicos aceitaram as  forma sangrentos que as populações assus-  ranças: já antes da conquista de Azamor, tinha
         reclamações nacionais, mas Alonso de Lugo  tadas foram emigrando até deixar a cidade  enviado a mais faustosa embaixada ao Papa
         não desistiu, ocupando Agadir, de onde aca-  quase despovoada, com grandes dificuldades  que a Europa tinha visto, e os resultados das
         bou por ser desalojado pelas gentes de Meça,  em  abastecer-se sem o recurso às esquadras  duas acções tinham uma significativa expres-
         aliadas dos portugueses.           que lhe chegavam de Portugal. O seu suces-  são económica nos benefícios conferidos pela
           Este episódio despoletou a instalação da  sor Nuno Fernandes de Ataíde – nas palavras  Santa Sé. Mas são evidentes as fragilidades do
         primeira fortaleza portuguesa naquela costa  de David Lopes – escreveu “as páginas mais  projecto marroquino que teria o seu mais duro
         (as anteriores feitorias não pressupunham a  estonteantes da nossa história marroquina”.  golpe no ano de 1515, em Mamora. Deste caso
         existência de posições fortificadas) levada a  O ambiente de guerra tornou-se endémico e,  falaremos no próximo número.
         cabo pelo feitor de Meça, João Lopes Sequei-  se isso podia ser favorável a uns quantos, não          Z
         ra, em 1505, num local que foi chamado pelos  favorecia a situação militar de guarnições iso-  J. Semedo de Matos
         portugueses de Santa Cruz do Cabo de Gué.  ladas dentro das fortalezas.                           CFR FZ

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