Page 56 - Revista da Armada

O REI DAS MARCHAS
O REI DAS MARCHAS

Evocação de John Philip de Sousa

INTRODUÇÃO Em 1875 sai dos Marines e inicia, na Broa- própria banda – a Sousa Band – e com ela dá
dway, a direcção do musical “HMS Pinafore”. o seu primeiro concerto em Plainfield, Nova
Entre os cidadãos americanos de origem É nos ensaios desta peça que conhece a cantora Jérsia. É o início de uma carreira recheada
lusa, nenhum terá, decerto, granjeado tan- Jane Van Middlesworth Belis, com quem casa, de sucessos.
ta popularidade como John Philip de Sousa, a 30 de Dezembro de 1879, e que lhe dará três Mas não era só nas marchas que o seu gé-
que chegou, com inteira justiça, a ser conside- filhos: John, Jane e Helen. nio musical se manifestava. A opereta foi ou-
rado o músico mais famoso do seu tempo. A Tivera, entretanto, a oportunidade de tocar tra das suas preferências, tendo quatro das que
sua ligação a Portugal e à Mari- compôs (“El Capitan”, “The Char-
nha justificam que nos detenha- latan”, “The Bride Elect” e “Chris
mos mais demoradamente sobre and the Wonderful Lamp” (2)) sido
a sua pessoa. produzidas na Broadway, com
a primeira, “El Capitan”, a ver a
A VIDA E A OBRA sua estreia em 1895.
Outra faceta da sua polivalên-
Nascido em Washington, a cia artística manifestou-se na es-
6 de Novembro de 1854, John crita, com sete livros publicados,
Philip de Sousa era filho do entre os quais uma autobiogra-
português António Sousa e de fia, um manual sobre a condu-
uma austríaca, Marie Elisabeth ção de orquestras e algumas
Trinkaus. António era natural obras de ficção, como “Pipeto-
de Sevilha, onde os seus pais, wn Sandy”, relato das aventuras
João António de Sousa e Jose- de um rapaz em Washington no
fina Branco (que algumas fon- período da Guerra Civil (prova-
tes referem serem originários velmente recuperando algumas
dos Açores), se terão refugiado memórias da própria infância),
(por motivos políticos?) durante e a novela “The Fifth String” um
a Guerra Peninsular. Servira nas conto faustiano de um jovem
Marinhas Britânica e Americana que vende a própria alma para
e participara na guerra entre os poder comprar um violino e
E.U.A. e o México, antes de se captar a atenção da sua amada.
fixar definitivamente em solo Escreveu também poesia (foi au-
americano, onde viera a casar. tor das letras da maior parte das
Possivelmente presenciou al- suas canções) e vários artigos de
guns combates da Guerra da jornal sobre os temas que apai-
Secessão durante a infância de xonadamente defendia.
John Philip. Na sua árvore ge- Outros dos seus prazeres
nealógica figuram nomes como eram o desporto e a vida ao ar li-
Tomé de Sousa, primeiro Gover- vre. Praticante de equitação e de
nador-Geral do Brasil, e Martim tiro, participava frequentemente
Afonso de Sousa, colonizador do Brasil e Go- sob a regência de Jacques Offenbach, durante em campeonatos daquelas modalidades.
vernador da Índia. a visita deste compositor aos Estados Unidos Em 1896 o seu fervor patriótico era vertido
Sem dúvida influenciado pelo pai, músico (1876-77). A sua elevada perícia musical mere- na sua marcha mais famosa, “Stars and Stri-
virtuoso e muito apreciado, desde cedo, aos cera-lhe tamanha honra. pes Forever”, que em 1897 seria adoptada pelo
seis anos, o pequeno John se dedicou ao es- Contudo, não virara totalmente as costas à Congresso Americano como a marcha nacio-
tudo da música, com especial incidência no vida militar, sendo, aos 26 anos escolhido para nal dos Estados Unidos. Ainda hoje o nome
violino (a sua primeira paixão) e na activida- reger a banda dos Marines, naquele que foi o de John Philip de Sousa é, automaticamente,
de de composição. seu segundo alistamento. Dedica-se, então, ao associado àquela composição.
Mas em breve António Sousa se via obriga- género que definitivamente o viria a consagrar Entretanto, a carreira da Sousa Band ía de
do a refrear os ímpetos do filho, quando este, - a marcha. Cultivando-a com grande mestria vento em popa: em 1900 faz uma triunfal tour-
aos treze anos, começou a acalentar a idéia de (chegaria a compor mais de 100!), confere-lhe née pela Europa, que seria repetida em 1901 e
se juntar à banda de um circo. Decide, assim, uma nova vitalidade rítmica e melódica. As- em 1902. Em 1910 seria a vez de uma tournée
por precaução, alistá-lo nos Marines, de modo sim, composições como “Semper Fidelis”, que mundial. Entre os países visitados estavam
a tê-lo junto de si, como aprendiz, na banda virá a ser adoptada como hino do US Mari- o Canadá, a França, a Alemanha, a Bélgica, a
onde já era trombonista (o aquartelamento da ne Corps, “Hands Across the Sea” e “The Liberty Holanda, a Rússia, a Dinamarca, a Boémia, a
Marine Band ficava, aliás, bastante próximos Bell” (1) tornar-se-ão mundialmente famosas Áustria e a Inglaterra (3). Verdadeiro embai-
da casa onde viviam). e valer-lhe-ão o título de “Rei das Marchas”. E xador musical dos E.U.A., Sousa descrevia-se
Não esmoreceu, porém, a enérgica resolu- é justamente uma marcha sua, a “Washington a si próprio como “vendedor do americanis-
ção do jovem, que, três anos depois, já diri- Post”, que em 1890 é adoptada como padrão mo, viajante e músico”.
gia orquestras em vários teatros. Aos dezóito para a dança Two Step, que, na altura, faz furor É numa das actuações da sua banda, em
anos publicava a sua primeira composição, nos dois lados do Atlântico. 1906, em Champaign, que trava conhecimen-
“Moonlight on the Potomac Waltzes”. Em 1892 John Philip de Sousa funda a sua to com Albert Austin Harding, regente da

18 FEVEREIRO 2004 U REVISTA DA ARMADA