Page 116 - Revista da Armada
P. 116

A Autoridade de Polícia e o seu Exercício no Mar.
           A Autoridade de Polícia e o seu Exercício no Mar.

                           Alteração da Lei de Segurança Interna

             oi, recentemente, tornada pública a  textos de lei sem que sobre elas exista uma  nova proposta de Lei sobre espaços marí-
             intenção de se promoverem estudos  reflexão conceptual aprofundada. O facto  timos, parecerá ter uma importância acres-
         Fno sentido de se alterar a Lei de Segu-  de se adaptar, em sede normativa, o sen-  cida no quadro do artigo 33º da CNUDM,
                       1
         rança Interna (LSI)  que vigora desde 1987,  tido de execução de ordem (e/ou da lei)  atendendo a que as matérias directamente
         e que corporiza, em substância jurídica, a  – law enforcement - a um outro que, even-  envolvidas são as questões fiscais, adua-
         actividade desenvolvida pelo Estado para  tualmente, o legislador não previu no seu  neiras, sanitárias e de imigração clandes-
         garantir, entre outros fins, a ordem, a segu-  quadro mental inicial, pode induzir con-  tina, ou seja, todas conectadas com a Se-
         rança e a tranquilidade públicas, e bem as-  clusões erróneas sobre o objectivo do texto  gurança Interna.
         sim protecção de pessoas e bens. O que traz  convencional. Executar e cumprir ordens   3. Especificamente, face à actual con-
         à liça a presente problemática, independen-  e/ou o estatuído em lei não é, exactamen-  textualização de ameaças que, o mais das
         temente da necessidade sentida pela tutela  te, exercer o poder de polícia. Em termos  vezes imprevisíveis e indetectáveis, vêm
         em se reformular o regime em si , é aferir  de autoridade, e designadamente de apli-  impondo a necessidade de novos formatos
                                   2
         da existência de um novo tecido jurídico  cação de medidas cautelares e de polícia,  de cooperação interna e internacional, e
         que integre, com clareza, a intervenção do  pode, inclusive, ser um contexto totalmen-  mais eficazes redes de informação, ter-se-
         Estado em âmbito marítimo. É apenas de tal  te díspar. No breve âmbito do presente ar-  -á que avaliar se, a dados actuais, a estru-
         dimensão que trataremos.           tigo, esta aferição servir-nos-á como móbil  tura orgânica que estava inserta no artigo
           Foi no dealbar da segunda metade dos  de reflexão para a questão de fundo que é,  14º (entidades que exercem funções de
         anos oitenta que foi iniciada a construção  concretamente, na moldura permitida pela  segurança interna) será a mais adequada
         da base substantiva do projecto que viria  LSI, o exercício de poderes de polícia no  para se atingirem os fins que actualmen-
         a ser a Lei nº 20/87, de 12JUN, diploma  território marítimo nacional - incluindo o  te preenchem os conceitos de segurança
         que aprovou o quadro jurídico da desi-  espaço integrante do domínio público hí-  interna e externa, na moldura em que o
         gnada Segurança Interna (SI), o qual, jun-  drico (DPH) - e, quando tal possível, nos  conceito estratégico de defesa nacional já
         tamente com o Decreto-Lei nº 300/84, de  espaços jurisdicionais onde o Estado Por-  parece indiciar.
         07SET (Sistema da Autoridade Marítima),  tuguês exerce a sua intervenção nos termos   4. Em concreto, no que à Autoridade
         a Lei nº 35/86, de 04SET (Lei dos Tribunais  dos artigos 55º a 58º da CNUDM.  Marítima se refere, será de enorme utili-
         Marítimos) e o Decreto-Lei nº 278/87, de   Afigura-se-nos que a matéria envolve  dade recompendiar o perfil de medidas
         07JUL (regime jurídico dos ilícitos da ac-  uma complexa teia jurídica de questões  de polícia estabelecido pelo artigo 16º da
         tividade de pesca), se viria a tornar num  que não se coadunam, simplesmente, com  Lei em apreço, sendo algo notório que o
         dos quatro grandes pilares da intervenção  a leitura linear de que um diploma com  legislador não previu, então, cenários de
         institucional do Estado em espaços sob so-  as características da LSI tem que ser en-  intervenção específica para a realidade
         berania e jurisdição marítima nacional, e  quadrador o suficiente para não explicitar  marítima (visita a navios, apreensão de
         bem assim da forma como entende estru-  aplicação territorial ou mesmo o âmbito  artes e equipamentos, retenção e/ou proi-
         turar a sua Autoridade Pública em termos  de especialidade de medidas de polícia.  bição de navegação, entre outros exem-
         marítimos. Não cabe, nesta breve reflexão,  Outrossim, entende-se, mesmo, que a es-  plos). Realidade que, hoje é claro, preen-
         apontar a bondade dos termos assumidos  pecificidade das temáticas relacionadas  che exactamente um dos fenómenos que,
         em sede legislativa, nem, tão pouco, a ne-  com o exercício de polícia em cenários  face ao meio, mais riscos envolve para a
         cessidade de uma recontextualização de  geograficamente peculiares e diferencia-  segurança dos Estados costeiros, pela pe-
         tal terminologia face às novas envolven-  dos como o são os espaços marítimos o  culiaridade das actividades e de eventuais
         tes da Segurança Global. Apenas se dirá  exige; senão vejamos:        actos ilícitos que nela se desenvolvem. O
         que existem, como é publicamente sabido,   1. O âmbito de aplicação da LSI, publi-  preceituado nas alíneas h), j) e k) do nº2 do
         variadas abordagens doutrinárias sobre o  cado há mais de década e meia, não é sufi-  artigo 13º do Decreto-Lei nº 44/2002, de
         melhor formato de caracterizar tal âmbito  cientemente claro em termos do seu quadro  02MAR, que situam, e estabelecem, uma
         de actuação do Estado, algumas das quais  conceptual de aplicação, apenas se referin-  ponte jurídica com o quadro da CNUDM,
         consideram restritiva a palavra (SI) face,  do, genericamente, “a todo o espaço sujei-  apenas restringe a fragilidade legal do su-
         inclusive, às novas aplicações, mais am-  to a poderes de jurisdição do Estado Portu-  pramencionado.
         plas, da Security.                 guês”, tal como preceitua o seu artigo 4º,   5. Até porque, como refere a própria LSI,
           Situemo-nos no quadro jurídico da SI.  nº1. Ora, sendo certo que o enquadramento  as medidas de polícia se aplicam, além da
         As dúvidas conceptuais que o conteúdo  jurídico da LSI foi pensado apenas quatro  lei penal e processual penal, na exacta me-
         da LSI suscitava em termos da total apli-  anos após a assinatura da CNUDM, e cerca  dida do previsto nos estatutos e leis orgâni-
         cabilidade da sua filosofia jurídica de base  de oito anos antes de esta entrar em vigor  cas das forças de segurança. Ora, em sede
         ao ambiente marítimo conheceram maior  em termos internacionais (finais de 1994),  marítima, onde nos pretendemos situar, há
         acuidade aquando da entrada em vigor,  e assumindo-se a necessária interpretação  um vazio estrutural, porquanto a autorida-
         para Portugal, da Convenção das Nações  actualista do termo jurisdição do Estado, é  de de polícia (e de polícia criminal) desig-
         Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM)  imperioso concluir que o preceito incluso  nada como de especialidade – até para o
         e, concretamente, do artigo 224º sobre  no artigo 4º necessitará de uma readapta-  âmbito do foro penal marítimo -, ou seja,
         “exercise of powers of enforcement” , fór-  ção normativa, eventualmente num sentido  a Polícia Marítima (PM), não tem um qua-
                                      3
         mula legal traduzida, eventualmente de  mais objectivo e clarificador face à Conven-  dro jurídico-orgânico aprovado, facto que
         forma pouco rigorosa, para “exercício de  ção que é, desde 03DEZ1997, parte inte-  exigirá reflexão política acrescida.
         poderes de polícia”.               grante do ordenamento jurídico nacional.  Assumindo, como pressuposto de aná-
           De facto, as expressões que se usam nas   2. Aliás, a própria temática jurídica da  lise, que algumas divergências existen-
         rotinas de comunicação, ainda que institu-  Zona Contígua (ZC), que foi objecto de  tes em matéria de investigação criminal
                                                                                        4
         cionais, não podem ser transpostas para os  um primeiro anteprojecto e que integra a  preventiva  terão um qualquer impacte
         6  ABRIL 2006 U REVISTA DA ARMADA
   111   112   113   114   115   116   117   118   119   120   121