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A Autoridade de Polícia e o seu Exercício no Mar.
A Autoridade de Polícia e o seu Exercício no Mar.
Alteração da Lei de Segurança Interna
oi, recentemente, tornada pública a textos de lei sem que sobre elas exista uma nova proposta de Lei sobre espaços marí-
intenção de se promoverem estudos reflexão conceptual aprofundada. O facto timos, parecerá ter uma importância acres-
Fno sentido de se alterar a Lei de Segu- de se adaptar, em sede normativa, o sen- cida no quadro do artigo 33º da CNUDM,
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rança Interna (LSI) que vigora desde 1987, tido de execução de ordem (e/ou da lei) atendendo a que as matérias directamente
e que corporiza, em substância jurídica, a – law enforcement - a um outro que, even- envolvidas são as questões fiscais, adua-
actividade desenvolvida pelo Estado para tualmente, o legislador não previu no seu neiras, sanitárias e de imigração clandes-
garantir, entre outros fins, a ordem, a segu- quadro mental inicial, pode induzir con- tina, ou seja, todas conectadas com a Se-
rança e a tranquilidade públicas, e bem as- clusões erróneas sobre o objectivo do texto gurança Interna.
sim protecção de pessoas e bens. O que traz convencional. Executar e cumprir ordens 3. Especificamente, face à actual con-
à liça a presente problemática, independen- e/ou o estatuído em lei não é, exactamen- textualização de ameaças que, o mais das
temente da necessidade sentida pela tutela te, exercer o poder de polícia. Em termos vezes imprevisíveis e indetectáveis, vêm
em se reformular o regime em si , é aferir de autoridade, e designadamente de apli- impondo a necessidade de novos formatos
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da existência de um novo tecido jurídico cação de medidas cautelares e de polícia, de cooperação interna e internacional, e
que integre, com clareza, a intervenção do pode, inclusive, ser um contexto totalmen- mais eficazes redes de informação, ter-se-
Estado em âmbito marítimo. É apenas de tal te díspar. No breve âmbito do presente ar- -á que avaliar se, a dados actuais, a estru-
dimensão que trataremos. tigo, esta aferição servir-nos-á como móbil tura orgânica que estava inserta no artigo
Foi no dealbar da segunda metade dos de reflexão para a questão de fundo que é, 14º (entidades que exercem funções de
anos oitenta que foi iniciada a construção concretamente, na moldura permitida pela segurança interna) será a mais adequada
da base substantiva do projecto que viria LSI, o exercício de poderes de polícia no para se atingirem os fins que actualmen-
a ser a Lei nº 20/87, de 12JUN, diploma território marítimo nacional - incluindo o te preenchem os conceitos de segurança
que aprovou o quadro jurídico da desi- espaço integrante do domínio público hí- interna e externa, na moldura em que o
gnada Segurança Interna (SI), o qual, jun- drico (DPH) - e, quando tal possível, nos conceito estratégico de defesa nacional já
tamente com o Decreto-Lei nº 300/84, de espaços jurisdicionais onde o Estado Por- parece indiciar.
07SET (Sistema da Autoridade Marítima), tuguês exerce a sua intervenção nos termos 4. Em concreto, no que à Autoridade
a Lei nº 35/86, de 04SET (Lei dos Tribunais dos artigos 55º a 58º da CNUDM. Marítima se refere, será de enorme utili-
Marítimos) e o Decreto-Lei nº 278/87, de Afigura-se-nos que a matéria envolve dade recompendiar o perfil de medidas
07JUL (regime jurídico dos ilícitos da ac- uma complexa teia jurídica de questões de polícia estabelecido pelo artigo 16º da
tividade de pesca), se viria a tornar num que não se coadunam, simplesmente, com Lei em apreço, sendo algo notório que o
dos quatro grandes pilares da intervenção a leitura linear de que um diploma com legislador não previu, então, cenários de
institucional do Estado em espaços sob so- as características da LSI tem que ser en- intervenção específica para a realidade
berania e jurisdição marítima nacional, e quadrador o suficiente para não explicitar marítima (visita a navios, apreensão de
bem assim da forma como entende estru- aplicação territorial ou mesmo o âmbito artes e equipamentos, retenção e/ou proi-
turar a sua Autoridade Pública em termos de especialidade de medidas de polícia. bição de navegação, entre outros exem-
marítimos. Não cabe, nesta breve reflexão, Outrossim, entende-se, mesmo, que a es- plos). Realidade que, hoje é claro, preen-
apontar a bondade dos termos assumidos pecificidade das temáticas relacionadas che exactamente um dos fenómenos que,
em sede legislativa, nem, tão pouco, a ne- com o exercício de polícia em cenários face ao meio, mais riscos envolve para a
cessidade de uma recontextualização de geograficamente peculiares e diferencia- segurança dos Estados costeiros, pela pe-
tal terminologia face às novas envolven- dos como o são os espaços marítimos o culiaridade das actividades e de eventuais
tes da Segurança Global. Apenas se dirá exige; senão vejamos: actos ilícitos que nela se desenvolvem. O
que existem, como é publicamente sabido, 1. O âmbito de aplicação da LSI, publi- preceituado nas alíneas h), j) e k) do nº2 do
variadas abordagens doutrinárias sobre o cado há mais de década e meia, não é sufi- artigo 13º do Decreto-Lei nº 44/2002, de
melhor formato de caracterizar tal âmbito cientemente claro em termos do seu quadro 02MAR, que situam, e estabelecem, uma
de actuação do Estado, algumas das quais conceptual de aplicação, apenas se referin- ponte jurídica com o quadro da CNUDM,
consideram restritiva a palavra (SI) face, do, genericamente, “a todo o espaço sujei- apenas restringe a fragilidade legal do su-
inclusive, às novas aplicações, mais am- to a poderes de jurisdição do Estado Portu- pramencionado.
plas, da Security. guês”, tal como preceitua o seu artigo 4º, 5. Até porque, como refere a própria LSI,
Situemo-nos no quadro jurídico da SI. nº1. Ora, sendo certo que o enquadramento as medidas de polícia se aplicam, além da
As dúvidas conceptuais que o conteúdo jurídico da LSI foi pensado apenas quatro lei penal e processual penal, na exacta me-
da LSI suscitava em termos da total apli- anos após a assinatura da CNUDM, e cerca dida do previsto nos estatutos e leis orgâni-
cabilidade da sua filosofia jurídica de base de oito anos antes de esta entrar em vigor cas das forças de segurança. Ora, em sede
ao ambiente marítimo conheceram maior em termos internacionais (finais de 1994), marítima, onde nos pretendemos situar, há
acuidade aquando da entrada em vigor, e assumindo-se a necessária interpretação um vazio estrutural, porquanto a autorida-
para Portugal, da Convenção das Nações actualista do termo jurisdição do Estado, é de de polícia (e de polícia criminal) desig-
Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) imperioso concluir que o preceito incluso nada como de especialidade – até para o
e, concretamente, do artigo 224º sobre no artigo 4º necessitará de uma readapta- âmbito do foro penal marítimo -, ou seja,
“exercise of powers of enforcement” , fór- ção normativa, eventualmente num sentido a Polícia Marítima (PM), não tem um qua-
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mula legal traduzida, eventualmente de mais objectivo e clarificador face à Conven- dro jurídico-orgânico aprovado, facto que
forma pouco rigorosa, para “exercício de ção que é, desde 03DEZ1997, parte inte- exigirá reflexão política acrescida.
poderes de polícia”. grante do ordenamento jurídico nacional. Assumindo, como pressuposto de aná-
De facto, as expressões que se usam nas 2. Aliás, a própria temática jurídica da lise, que algumas divergências existen-
rotinas de comunicação, ainda que institu- Zona Contígua (ZC), que foi objecto de tes em matéria de investigação criminal
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cionais, não podem ser transpostas para os um primeiro anteprojecto e que integra a preventiva terão um qualquer impacte
6 ABRIL 2006 U REVISTA DA ARMADA