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REFLECTINDO…                               IX
            INSTREX 01-06
            INSTREX 01-06
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               o âmbito da preparação e aprontamento do Grupo de   E INTERVENÇÃO MILITAR
               Tarefa Naval, decorreu entre 06 e 10 de Fevereiro de
         N2006, o exercício naval INSTREX 01-06. O Grupo de
         Tarefa Naval, comandado pelo CMG Pereira da Cunha, e consti-  urante mais de três séculos, desde o Tratado de Vestefália (1648) até ao fim da
                                                                 bipolarização política mundial (1991), a Europa e depois o mundo ocidental,
         tuído por seis unidades navais - NRP “Corte Real” (com um Lynx    Dforam afirmando cada vez mais peremptoriamente, os princípios em que as-
         Mk95 embarcado), NRP “João Belo”, NRP “Sacadura Cabral”,   senta o conceito de soberania, nomeadamente a integridade territorial, a inviolabilidade
                                                           de fronteiras e a não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados.
                                                             A Constituição da República Portuguesa e os documentos que criaram as mais
                                                           importantes organizações internacionais após a II Guerra Mundial, todos referem
                                                           aqueles princípios. Bastará salientar a Carta das Nações Unidas e a Acta Final de
                                                           Helsínquia da OSCE. Durante aquele período, qualquer violação destes princípios
                                                           provocaria a guerra.
                                                             A alteração desta postura começou a sentir-se depois da queda do muro de Berlim
                                                           (09.11.89) ou, de uma forma mais decisiva, com o fim da bipolarização política mun-
                                                           dial e desmembramento da União Soviética (21.12.91), por um lado, e com a formação
                                                           da União Europeia (07.02.92), por outro lado.
                                                             Terminou o terror nuclear; a ausência de oposição política e ideológica entre os dois
                                                           blocos afastou o recurso sistemático ao veto no Conselho de Segurança das Nações
                                                           Unidas; o fim do espartilho da hegemonia das duas superpotências ou dos blocos por
                                                           elas liderados libertaram os conflitos regionais históricos, étnicos e religiosos, que au-
                                                           mentaram; alguns Estados recusaram o apoio das ex-potências coloniais ou perderam
                                                           as ajudas das potências que os pretenderam manter num ou outro bloco do sistema
                                                           bipolar, acabando por cair na situação de Estados falhados; afastada ‘a’ grave ameaça
                                                           nuclear, foi possível eleger como prioritária a defesa contra ameaças até então consi-
                                                           deradas como ameaças menores: tráfico de droga e de pessoas, proliferação de armas
                                                           nucleares e convencionais, violação dos direitos humanos, terrorismo (primeira priori-
         NRP “Bérrio”, NRP “João Roby” e NRP “Gen. Pereira D’Eça”   dade após o 11 de Setembro de 2001), etc.
         -  e três equipas de boarding dos FZ’s, efectuou exercícios nas   Foi assim admitido que a ONU poderia finalmente cumprir a finalidade para que
         diferentes áreas das operações navais, ao largo da costa ociden-  havia sido criada e que seria o único fórum competente para decidir a intervenção nos
         tal, com um grau crescente de dificuldade, de modo a permitir   assuntos internos dos Estados, normalmente sob a forma de interposição nos conflitos
         o adestramento individual das unidades, exercitar a interope-  militares ou de ajuda humanitária nas situações de calamidade, mas sempre com con-
         rabilidade e elevar os padrões de prontidão da força naval. Co-  sentimento  do Estado onde a acção iria ter lugar.
                                                             Sucederam-se então as propostas políticas para enfrentar as novas crises e
         laboraram ainda, neste exercício, o NRP “Barracuda”, o NRP   conflitos.
         “Águia” e o NRP “Centauro”, aviões F16, Alpha Jet, um MPA e   O Secretário-Geral das Nações Unidas Boutros-Boutros Ghali apresentou em 1992
         um Cessna da FAP. De realçar o lançamento de torpedos ASW,   a Agenda para a Paz, documento que seria também uma base para a desejada revisão
         tiro naval de superfície, antiaéreo e séries de protecção de for-  da Carta e do funcionamento das Nações Unidas. Nesse mesmo ano, os graves pro-
         ça contra ameaças não convencionais.              blemas durante o apoio militar à ajuda humanitária à Somália (09.12.92 a 09.10.93), le-
                                                           varam à publicação de um Suplemento à Agenda para a Paz (1995), onde, pela primei-
                                                           ra vez, foram aprovadas missões coercivas, contrariando o direito de não-ingerência
                                                           nascido em Vestfália.
                                                             Mais tarde, o agravamento e consequente militarização do conflito da Bósnia levou
                                                           a ONU a entregar a missão à NATO (1995). Depois, em 2001/02, um número elevado
                                                           de Capacetes Azuis foram feitos reféns no conflito. Consequentemente, tem havido ten-
                                                           dência para recorrer cada vez menos aos “Capacetes Azuis” e cada vez mais às forças
                                                           militares, armadas de acordo com a gravidade dos conflitos.
                                                             Poucas vezes tem havido tão claro consenso entre a ONU e a UE, como sobre o tema
                                                           que se acaba de expor.
                                                             De um modo geral, os documentos mais importantes deste Milénio publicados por
                                                           ambas Organizações não diferem muito ao considerar:  Como valores a preservar – li-
                                                           berdade, igualdade, solidariedade, tolerância, respeito pela natureza, responsabilidade
                                                           partilhada; como objectivos a perseguir – paz, segurança e desarmamento, desenvol-
                                                           vimento e erradicação da pobreza, protecção do ambiente, direitos humanos, demo-
                                                           cracia e boa governação, protecção dos vulneráveis; como ameaças – todas acções que
                                                           possam violar os valores ou prejudicar os objectivos enunciados. As acções a desen-
                                                           volver variam, mas incluem o fortalecimento da ONU, o desenvolvimento da PESC e
                                                           da PESD, a cooperação internacional, a resolução pacífica dos conflitos, mas também,
                                                           a possibilidade de intervir nos assuntos internos dos Estados quando a ONU reconhe-
           No dia 08 de Fevereiro, o Grupo de Tarefa Naval recebeu a   cer que é clara a ameaça e se esgotaram os esforços diplomáticos de resolução pacífica
         visita do Comandante Naval, VALM Vargas de Matos, no seu   dos conflitos. Entre os Estados prevaricadores contam-se os que são acusados de má
         primeiro embarque no desempenho das suas novas funções,   governação, os Estados irresponsáveis (rogue states), os Estados falhados (failed states) e
         tendo assistido, a bordo do NRP “Corte Real” e do NRP “Bér-  os Estados preocupantes (states of concern).
         rio”, a alguns exercícios programados, nomeadamente, reabas-  Indicam-se alguns relatórios da ONU e UE sobre estas matérias: United Nations Mil-
         tecimento no mar, tiro com armas ligeiras contra alvo reboca-  lennium Declaration (ONU, 18.09.00), Report of the High-level Panel on Threats, Challenges and
         do, defesa aérea e, a um exercício de homem ao mar, onde foi   Change (ONU 2004), In Larger Freedom (Kofi Annan, 21.03.05), European Security Strategy
                                                           (Conselho da Europa, 12.12.03) e A Human Security Doctrine for Europe (The Barcelona
         experimentado pela primeira vez no mar, o Cesto de Recolha   Report of the Study Group on Europe’s Security Capabilities, 15.09.04).
         de Náufragos.                                                                                         Z
                                                        Z                                     António Emílio Sacchetti
                                    (Colaboração do Comando Naval)                                          VALM
                                                                                         REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2006  9
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