Page 377 - Revista da Armada
P. 377

só) é riquíssima em imagens que associam o  vem de modelo comparativo. Não creio que  que impedem uma viagem fácil para o norte.
         anoitecer quotidiano à escuridão eterna, des-  seja de duvidar da sua ida às feitorias portu-  Apercebeu-se portanto que existe um regime
         pertando um incontrolável desejo de ir atrás  guesas de África, nomeadamente a S. Jorge  de ventos que sopram de norte ou nordeste,
         daquele sol que desaparece. São inúmeras as  da Mina, e acho que observou muito bem a  que permitem ir navegando para ocidente,
         lendas que o realçam e (devemos admiti-lo)  derrota dos navios nacionais, embora seja du-  ganhando um pouco de norte (de barlavento),
         ainda hoje é difícil resistir à beleza de                                 até alcançar uma latitude onde sopram
         um pôr-do-sol, que se impõe com uma                                       os ventos do oeste, que permitem o re-
         componente nostálgica, invocadora dos                                     gresso a Lisboa. E digo que se apercebeu
         mais remotos mitos. E Colombo foi to-                                     deste regime de ventos, porque não me
         cado pelo mesmo fascínio que está pre-                                    parece que alguém, no seu perfeito juízo,
         sente em lendas gregas, árabes ou portu-                                  possa afastar-se de terra, seguindo um
         guesas. Mas, a essa atracção inexplicável                                 vento favorável, percorrendo distâncias
         pelo sol poente, é preciso acrescentar a                                  significativas, sem ter uma informação
         vivência que teve entre Lisboa e Porto                                    (mesmo que vaga) de como vai regres-
         Santo, tratando de negócios de açúcar                                     sar a casa. Sem essa informação partiria
         para Génova, ou ouvindo histórias de                                      para uma viagem que seria suicidária,
         marinheiros que iam e vinham da Gui-                                      e não conseguiria aliciar nem outras
         né ou da Mina.                                                            pessoas (muitas delas conhecedoras do
           Estou em crer que a sua escola de mar                                   mar e da navegação à vela, como eram
         – que me parece indiscutível – foi con-                                   os irmãos Pinzón e Juan de la Cosa),
         solidada neste convívio com o comércio   Nau Sta. Maria – maqueta do Museu Naval de Madrid.  nem os favores e os financiamentos dos
         africano sendo certo que para lá viajou pelo  vidoso que alguma vez tenha aprendido a de-  Reis Católicos e outros notáveis de Espanha.
         menos uma vez. Tal como em tudo o que se  terminar a latitude com base na altura do sol.  É importante entender que o facto de erronea-
         refere a Cristóvão Colombo, também esta sua  Se o soubesse não teria dito que a Mina esta-  mente supor ser possível alcançar a Ásia na-
         ida à Guiné está carregada de mistérios e ne-  va debaixo da equinocial. Aliás, na minha opi-  vegando para ocidente, não implica que nada
         blinas difíceis de aclarar. Ele afirma que lá foi,  nião, comete este erro grosseiro, precisamente  soubesse de mar ou de navios. O texto que nos
         mas associa essa viagem a um conjunto de in-  porque na Mina já não conseguia observar a  chegou do Diário da 1ª Viagem é da autoria do
         formações com erros que não têm explicação.  Estrela Polar, única referência da latitude que  padre Bartolomeu de Las Casas, cuja tentati-
         Começa por dizer que o Castelo de S. Jorge da  demonstra conhecer, como se conclui de todos  va de reabilitação da memória do Almirante
         Mina está “debaixo da equinocial” (carta aos  os seus registos.       é sabida. Contudo, há longas transcrições do
         Reis Católicos), quando está em 5º 10’ N, afir-  Mas, como disse, tomou atenção à derrota  que escreveu o próprio Colombo, com dados
         ma que, em viagens (várias) que fez de “Lisboa  dos navios portugueses, reparando que saíam  importantes que revelam um saber específico
         para o sul, até à Guiné”, observou                                             de grande significado.
         a derrota e tomou a altura do sol                                               Antes disso, porém, é impor-
         “com o quadrante e outros instru-                                              tante perceber quais os contor-
         mentos, muitas vezes”, achando                                                 nos da proposta que apresentou
         que o grau terrestre concordava                                                a D. João II, por alturas de 1483 ou
         com Alfragano, ou seja, era de 56                                              84. A ideia básica tinha anteceden-
         2/3 milhas, e com o que Mestre                                                 tes importantes e de autoridade,
         José Vizinho (físico e cosmógrafo                                              em concepções geográficas que vi-
         de D. João II) também verificara                                                nham de há séculos. Fundamenta-
         em 1485, quando lá foi também.                                                 va-se, essencialmente, na hipótese
         Não é possível que as suas milhas                                              de que o comprimento da terra co-
         sejam as de Alfragano, nem que o                                               nhecida, medida em graus, desde
         grau terrestre tenha 56 2/3 milhas                                             a ponta mais ocidental da Europa
         das que ele conhece. E não é pos-                                              até ao limite leste da Ásia aproxi-
         sível porque dessa forma elas se-                                              mava-se suficientemente dos 360º
         riam superiores às actuais milhas                                              para supor que avançando pelo
         náuticas (de que um grau tem                                                   Atlântico em direcção ao ociden-
         60), valor absolutamente incom-                                                te, rapidamente se alcançaria o
         patível com as velocidades de 10,                                              outro extremo. Cristóvão Colom-
         12, 13 e 14 milhas por hora (mais                                              bo acreditava poder fazê-lo numas
         de 12, 13 e 14 nós) que diz ter fei-                                           semanas e, provavelmente, tomou
         to com a caravela «Niña» nos dias                                              consciência disso em Portugal.
         4, 6 e 7 de Fevereiro de 1493. Mas                                             A versão corrente não tem uma
         tudo isto são as incongruências a                                              consistência absoluta, mas levan-
         que se habitua quem quer que es-                                               ta uma pista, como veremos. No
         tude os textos colombinos, sejam                                               meio de um dos livros da biblio-
         as suas notas e apostilas, sejam as                                            teca colombina, hoje depositada
         cartas que escreve. Contudo, nas                                               em Sevilha, foi encontrada a có-
         descrições que deixou sobre as ter-                                            pia de uma carta que lhe foi en-
         ras que descobriu nas Antilhas, es-                                            viada pelo cosmógrafo florentino
         tão presentes claras comparações   Il trionfo di Colombo.                      Paolo del Pozo Toscanelli, onde se
                                     Fresco de Francesco Gandolfi (1862) – Museu Strada Nuova em Génova.
         com as terras africanas, com gran-                                             explica toda a ideia, referindo que
         de lógica e coerência. É frequente dizer que as  da Mina e faziam uma volta larga pelo Atlân-  a mesma tinha sido apresentada, alguns anos
         árvores são como as da Guiné, ou que os rios  tico, para demandarem o porto de Lisboa. São  antes a D. Afonso V, através de um cónego da
         “não são como os rios da Guiné que são todos  conhecidas as razões desta volta larga, que po-  Sé de Lisboa, chamado Fernando Martins. Esta
         doentios”, e múltiplas outras comparações em  dia ir até ao Mar dos Sargaços, contornando os  carta é, aparentemente, a resposta a uma ou-
         que a paisagem ou os produtos africanos ser-  ventos contrários que sobram junto à costa e  tra que lhe enviara o Almirante, e, de acordo
                                                                                    REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2006  15
   372   373   374   375   376   377   378   379   380   381   382