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vio com eruditos clérigos ou laicos que, no seu  de Pytheas), frequentemente identificada com  em Fevereiro o mar está pejado de blocos de
         conjunto, compuseram a “babilónica universi-  a Islândia. Segundo as suas palavras, portan-  gelo ou mesmo gelado. Para além disso, não
         dade”, onde estudou, pensou e desenvolveu  to, navegou cerca de 100 léguas para além da  há marés de 25 braças em lado nenhum. As
         a ideia de alcançar as Índias, navegando num  mesma, verificando que o mar não estava ge-  maiores marés que ali se conhecem ocorrem
         sentido diferente daquele que seguiam as ex-  lado e que “avia grandíssimas mareas, tanto  na zona do Canal da Mancha, na costa francesa
         plorações portuguesas à ordem do                                             ou inglesa, podendo, nalguns casos
         novo rei D. João II.                                                         ultrapassar amplitudes de sete me-
           Em 1477, cerca de um ano depois                                            tros, mas nunca de 25 braças. Espe-
         de chegado a Portugal, Colombo                                               cialmente na Islândia, não é vulgar
         viajou até à Grã-Bretanha, deixando-                                         que a amplitude de maré vá além de
         -nos, sobre essa expedição, um con-                                          um metro ou um metro e pouco. Co-
         junto de notas que não deixam de                                             lombo não viu – com toda a certeza
         ser interessantes. Os portos ingleses                                        – marés de 25 braças e, se o afirma
         constituíam um dos vértices de um                                            de forma tão peremptória, é porque
         triângulo que se completa com Por-                                           apenas ouviu contar histórias sobre
         tugal e Itália, enquanto centros que                                         as grandes marés do Canal. Os da-
         sustentam as explorações dos ma-                                             dos que constam nos escritos que
         res gelados do Atlântico Noroes te,                                          nos deixou sobre este assunto têm,
         com objectivos difusos, onde emer-                                           portanto, um objectivo argumenta-
         ge sempre a ideia de encontrar uma                                           tivo, mas não correspondem a uma
         passagem para a Ásia. As viagens                                             experiência pessoal que lhe teria
         de Cabotto e dos Corte Reais são                                             fornecido outros dados. Apesar de
         apenas exemplos tardios e visíveis                                           tudo, a simples referência aos portos
         de uma ideia decorrente das sagas                                            do norte e a inclusão destas descri-
         vikings que levaram à formação de                                            ções, nalguns casos fantasiosas, no
         colónias na Groenlândia e na Terra                                           corpus argumentativo que apresen-
         Nova, alguns séculos antes. Em boa   Cidade de Génova numa gravura do Séc. XV.  tou mais tarde aos Reis Católicos e aos seus
         verdade, a memória dessas sagas permanece  que en algunas partes, dos vezes el dia subia  cosmógrafos, permite-nos supor que o seu pro-
         viva nas campanhas de pesca que levam os in-  veinte y cinco braças y desçendía otras tantas  jecto de descobrimento contou com os já referi-
         gleses até às ilhas Faeroe, à Islândia e, talvez,  en altura”. Há um conjunto de evidências que  dos pressupostos das viagens de Cabotto, dos
         até mais longe, suscitando uma curiosidade  nos levam a tomar como certo que efectuou  irmãos Corte Real e, provavelmente, de outros
         junto de países como Portugal, a despertar  uma viagem a Inglaterra – talvez a Bristol ou  que, a partir da Inglaterra ou Irlanda buscaram
         no século XV para a exploração do Atlântico.  mesmo a Galway –, provavelmente em negó-  os mares gelados do noroeste Atlântico.
         Apesar do facto nunca ter sido muito bem es-  cios relacionados com os interesses dos seus   Numa data imprecisa, que se supõe pouco
         tudado, há um conjunto de docu-                                              depois de 1476 ou 77, Colombo ca-
         mentos que incluem uma troca de                                              sou com Filipa Moniz, filha de Barto-
         correspondência, e até a elaboração                                          lomeu Perestrelo, o primeiro capitão
         de uma carta náutica, comprovan-                                             donatário da ilha do Porto Santo. O
         do a realização de uma viagem luso-                                          seu filho Hernando, na História del
         -dinamarquesa à Groenlândia, no                                              Almirante, diz que a sogra (viúva à
         princípio do reinado de Afonso V.                                            data) “le dio los escritos y cartas de
         São factos que cito de forma avulsa,                                         marear que le habían quedado de
         sem a preocupação de ser exausti-                                            su marido”. Este facto foi contesta-
         vo ou de os dissecar com pormenor,                                           do por Henry Harrisse, com o ar-
         pretendendo apenas realçar como o                                            gumento de que Perestrelo não era
         caminho da Inglaterra e Irlanda para                                         um navegador, mas um cavaleiro
         o noroeste suscitou curiosidades que                                         a quem foi dada uma capitania no
         passaram por Portugal e pela Itália,                                         tempo do infante D. Henrique. O
         enquanto centro do comércio me-                                              argumento é de uma fragilidade gri-
         diterrânico, sempre na pista de no-                                          tante, ao referir-se a uma época em
         vas oportunidades. Não sabemos                                               que os “criados do Infante” serviram
         se Colombo soube desta expedição                                             no mar e em terra, sem que saibamos
         que envolveu os portugueses, mas                                             com exactidão quais eram os conhe-
         é credível que se tenha interessado                                          cimentos de navegação de cada um
         pelas rotas do noroeste, na medida                                           deles. Sendo capitão de Porto San-
         em que delas dá notícia numa carta                                           to, parece-me natural que tenha fei-
         que escreveu aos Reis Católicos, em                                          to muitas viagens marítimas e que
         1495, e numas notas escritas à mar-                                          alguma coisa soubesse do mar e da
         gem de um livro da sua biblioteca (as                                        condução dos navios. Mas isso pou-
         notas constantes dos seus livros são                                         co importa para a história de Colom-
         uma das mais importantes fontes de                                           bo. O que é relevante referir é que o
         estudo para o que foi o pensamen-                                            mesmo viveu na ilha durante mui-
         to geográfico do Almirante). Diz ele   Redacção das Capitulações de Santa Fé, na presença de Isabel a Católica.  to tempo e isso tem sido, de algum
                                      Juan Manuel Núñez – 2004.
         aos soberanos, “yo navegue el año                                            modo, aproveitado para justificar os
         de cuatrocientos y setenta y siete, en el mês de  patrões genoveses, para quem continuou a  seus sonhos. É legítimo pensá-lo sob o ponto
         Hebrero, ultra Tile isla cien léguas, cuya parte  trabalhar em Lisboa, mas são óbvios os erros  de vista do poder onírico que ancestralmente
         austral dista del equinocial setenta y tres gra-  destas notas e da própria carta. A costa sul da  teve a visão do Oceano infindo e, sobretudo,
         dos, y no sesenta y tres, como algunos dizen”.  Islândia está, efectivamente, em 63º N e não  da fugaz visão do pôr-do-sol que antecede as
         Tile é uma ilha mais ou menos mítica (a Thule  em 73 como ele quer corrigir e, como se sabe,  “trevas”. A mitologia mediterrânica (e não

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