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Cristóvão Colombo
                         Cristóvão Colombo


                                 Quinto centenário da sua morte

              ompletaram-se no passado dia 20 de  um destroço de madeira.      claros quanto à salvaguarda do comércio ul-
              Maio cinco séculos sobre a morte de   São muitas as evidências de que nasceu em  tramarino. A paz confirma-se com o acordo
         CCristóvão Colombo, o homem que ao  Génova (ou perto de Génova), parecendo-me  das Alcáçovas, assinado em 1479 e, embora a
         serviço dos Reis Católicos, alcançara em 1492  que conhecia tão bem os meandros do comér-  historiografia tradicional considere este tratado
         as Antilhas e abria as portas do que foi chama-  cio rico do Mediterrâneo como a violência da  como não muito vantajoso para a coroa portu-
         do o Novo Mundo que, não era outra coisa que  pirataria e do corso. Aliás, quando chegou a  guesa, eu penso que ele alcançou de forma ple-
         o continente americano, desconhe-                                             na todos os objectivos que estavam
         cido do mundo europeu e asiático.                                             na mente do Príncipe herdeiro.
         E terminava os seus dias envolvido                                            Pode dizer-se que a honra medie-
         numa teia de acusações que quase                                              val do rei português sai profunda-
         o deixaram na mais absoluta soli-                                             mente ferida deste tratado, onde
         dão, vivendo o desespero de não                                               renuncia ao casamento que efec-
         ver reconhecida uma obra que fora                                             tuara com a sua sobrinha (candida-
         a obsessão da sua vida e que con-                                             ta ao trono rival), aceita que ela se
         tinuava a acreditar ter efectuado:                                            recolha num convento e prescinde
         a descoberta de uma via maríti-                                               de todos os objectivos da própria
         ma para o Oriente de Marco Polo,                                              guerra. Na perspectiva tradicional
         navegando para ocidente numa                                                  das relações entre estados do final
         viagem tão curta quanto as que                                                da Idade Média, Portugal perdia a
         fizera até às Antilhas por quatro                                              guerra em toda a frente. E perdia-a
         vezes. Em vão pedia sucessivas                                                sem que tivesse sofrido derrota mi-
         audiências ao rei D. Fernando,                                                litar suficientemente determinante
         que sempre foram canceladas e                                                 que o obrigasse a tal. Fazia-o, então,
         adiadas, levando a que seguisse                                               porquê? Porque o príncipe D. João
         atrás da corte para toda a parte,                                             trocou todos os objectivos que ali-
         até lhe sucumbirem as forças em                                               ciariam os reis de Castela, por um
         Valladolid. Ali passou os últimos                                             único que lhe interessava a ele: o
         meses da sua vida e, pela derra-                                              domínio absoluto do Atlântico,
         deira vez, viu gorada a esperança                                             com a excepção das ilhas Canárias
         de se enfrentar com o soberano, a                                             que, verdadeiramente, já não fa-
         quem queria voltar a apresentar                                               ziam falta ao seu projecto. A meu
         todos os argumentos que acumu-                                                ver é este o verdadeiro sentido do
         lara há duas décadas e que repe-                                              Tratado das Alcáçovas, que traz ao
         tia até à exaustão. Todos sabiam                                              reino uma enorme intensificação
         que aquelas ilhas e terra firme a                                              do movimento marítimo.
         que chamara as Índias, não eram                                                 É inevitável que estas circuns-
         o oriente longínquo já alcançado   Cristovão Colombo.                         tâncias não tivessem uma expres-
         pelos portugueses em 1498, mas o   Óleo sobre madeira atribuido a Ridolfo Ghirlandaio – Séc. XVI.  são visível no movimento do porto
         Almirante persistia. Persistia de forma obstina-  Portugal, são as casas comerciais genovesas de  de Lisboa, fosse pelo crescente número de na-
         da e doentia, recusando-se a aceitar que vivera  Spínola e Di Negro que lhe proporcionam os  vios, fosse pelo carácter exótico das mercado-
         um erro gigantesco. Um tremendo equívoco  meios de vida e que vêm a requisitar os seus  rias e gentes, fosse ainda, ou sobretudo, pelas
         aproveitado, apesar de tudo, de forma prag-  serviços em múltiplas situações posteriores. O  conversas sobre o “mundo por descobrir”. A
         mática pela coroa que soubera transformar as  naufrágio que aqui o trouxe deve ter ocorrido  cidade, o porto e a corte eram certamente pa-
         miragens de Cipango e Cataio num concreto  em Agosto de 1476, e é normal que se tenha  raísos de aventureiros, discutindo cada um
         e proveitoso Novo Mundo. Os últimos dias de  deixado seduzir pelo ambiente de uma Lis-  ao nível da sua própria visão da descoberta.
         Colombo são, afinal, o epílogo do irreversível  boa virada para as viagens ultramarinas. Nos  Homens simples do mar, que procuravam im-
         caminho da tragédia que o consolidou como  sete anos que antecederam a sua chegada, os  pressionar os incautos com histórias mirabo-
         um mito eterno. E os anos que se seguem à sua  navios portugueses tinham explorado toda a  lantes de terras nunca vistas e ilhas encantadas.
         morte quase ignorada pelos seus contemporâ-  costa africana, desde a Serra Leoa ao Cabo de  Gente de negócios que lida com mercadorias
         neos, continuarão a saga misteriosa e enevoada  Sta. Catarina, passando o Equador para sul, e  impensáveis alguns anos antes, e que vêem
         que começou algumas décadas antes, em Por-  encontrando os locais onde podiam adquirir  crescer a sua fortuna como não imaginavam.
         tugal, quando aparece como jovem mercador,  o mesmo ouro do Sudão, que vinha em cara-  Mas circulavam, também, cosmógrafos, cartó-
         marinheiro e, eventualmente, corsário, que se  vanas até ao Norte de África. É verdade que  grafos, astrólogos, fabricantes de instrumentos,
         dedica ao comércio de livros e colabora no  o país entrara numa guerra com Castela, que  homens que sabiam latim e grego e que conhe-
         desenho de cartas náuticas. A mais rigorosa e  traria algum desassossego nos anos seguintes,  ciam relatos e descrições fantásticas, gente que
         atenta historiografia diz-nos que aqui chegou  fosse pelas campanhas militares que culmina-  vendia livros, pessoas que frequentavam a cor-
         por via de um acaso imponderável: um vio-  ram com a batalha de Toro, fosse pela perigo-  te e que traziam para o rebuliço das tabernas
         lento combate de mercadores genoveses com  síssima presença de navios castelhanos nas  as conversas dos seus sonhos sem limites. Foi
         corsários (nem sequer sabemos com exactidão  costas da Guiné. Contudo, quando Colombo  esta a Lisboa que Colombo viu, e que não po-
         de que lado combatia) resulta no incêndio de  se estabeleceu em Lisboa, já as negociações de  dia deixar de o impressionar. A Ribeira, o Tejo,
         um navio e num naufrágio que o trouxe à cos-  paz estavam no bom caminho, sob a direcção  a Casa da Mina, as ruas de mercadores, as lojas
         ta, depois de várias horas nadando agarrado a  política do príncipe D. João e com objectivos  de livros, as oficinas de cartógrafos e o conví-
                                                                                    REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2006  13
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