Page 96 - Revista da Armada
P. 96

Des. José Cabrita                                     zação exagerada do  (bombordo-estibordo), é por demasiado evi-
                                                             leme. Cumpre recor-
                                                                               dente a limitação que daí resulta quando se
                                                             dar que num navio  pretende bolinar.
                                                             de pano latino, dados
                                                                                 Analisadas sucintamente as questões da ve-
                                                             os enormes riscos daí  locidade e da capacidade em bolinar, viremos
                                                             decorrentes, deve ser  agora a nossa atenção para os aspectos da ma-
                                                             evitada, tanto quanto  nobra destes dois tipos de navios. Neste parti-
                                                             possível, a navegação  cular interessam-nos as limitações à manobra
                                                             com o vento na popa.  de virar de bordo e as condições em que estas
                                                             Contudo, existindo  podem ser levadas a cabo.
                                                             uma intenção delibe-  Por virar de bordo entende-se a manobra do
                                                             rada nesse sentido, a  leme e das respectivas velas, de modo a que o
                                                             que deve assistir um  vento, entrando inicialmente por um dos bor-
                                                             estado do mar favorá-  dos, possa finalmente ser marcado pelo bordo
                                                             vel, pode optar-se por  oposto. Esta alteração do bordo de barlavento
                                                             navegar «em borbo-  pode ser executada de duas formas. Uma de-
                                                             leta». Esta mareação  las consiste em colocar o leme de ló , obri-
                                                                                                          10
                                                             passa pelo disparar,  gando o navio a orçar até que a sua proa cru-
                                                             uma a bombordo e  ze a linha do vento. Quando este começar a
                                                             outra a estibordo, de  entrar pelo bordo oposto diz-se que o navio
                                                             duas das retrancas si-  virou por davante.
                                                             tuadas mais a vante,   Em alternativa pode optar-se por colocar o
                                                                                            11
                                                             carregando-se o pano  leme de encontro , levando o navio a arribar
         Mareações e limites de bolina do navio latino.      do mastro mais a ré  até que o vento passe pela popa, para o outro
         tando o valor da sua marcação, a velocidade  bem como as velas de proa.  bordo. Desta feita efectua-se a manobra viran-
         do navio tem tendência a ir diminuindo por   Quando o vento escasseia para além dos 70  do em roda.
         acção directa do cada vez maior efeito de tra-  graus a velocidade também sofre uma diminui-  No navio redondo, pelas características do
         vão induzido pela porta do leme, a que se deve  ção progressivamente crescente, até ao limite  respectivo aparelho, são de esperar, em ambas
         somar um contributo cada vez menor destas  em que o navio ainda consegue navegar.  as situações, uma maior complexidade na ma-
         velas a favor da velocidade do navio.  Dito isto, facilmente se percebe agora que  nobra das respectivas vergas. A ponto de se exi-
           Em resumo, o rendimento ao nível da ve-  não é com o vento na popa que se preenchem  gir mesmo grande experiência e atenção, em
         locidade nos navios redondos decrescerá li-  os requisitos no sentido de se obter a maior ve-  especial quando a solução passa pelo mano-
         geiramente sempre que a marcação do vento  locidade, dentro de uma mesma paleta da in-  brar virando por davante.
         escassear para além das 8 quartas, mas esse  tensidade do vento. Ou seja, à resposta de que   Ainda com base na disposição das velas a
         efeito far-se-á sentir mais, pelas razões enun-  uma determinada actividade vai de vento em  bordo, facilmente se deduz que um navio re-
         ciadas, logo que o vento comece a aproximar-  popa, podemos sempre argumentar que esta  dondo encontre grandes dificuldades em virar
         se da popa – mais de 12 quartas –, pois nesta  poderia ir bem melhor…  por davante. Na orça, logo que ultrapassado o
         situação o navio acaba por se ver reduzido,   Face ao exposto, e recuperando o que dis-  limite de bolina imposto pelo ângulo máximo
         literalmente, às velas redondas do mastro si-  semos anteriormente em relação aos navios  a que as vergas podem ser braceadas, o ven-
         tuado mais a ré, uma vez que a influência das  de pano latino, fica agora claro que estes dis-  to começa a incidir na parte de vante do pano
         restantes, mesmo que içadas, deixam de cons-  põem de uma melhor capacidade para boli-  redondo, situação apelidada de «pano às cos-
         tituir qualquer mais-valia.        nar, ou seja, navegar com vento mais escasso.  tas», ou pano sobre. Nestas condições, por ac-
           Já a acção do vento nas velas do navio de  Num grande veleiro esse ângulo situar-se-á na  ção do vento nestas velas, vai-se assistir de ime-
         pano latino – lugre – é um pouco diferente.  ordem dos 45 graus (4 quartas), ou um pouco  diato a uma diminuição drástica da velocidade
         Uma vez que estas se desenvolvem exclusiva-  mais . Já no navio redondo a referência regula  até à sua extinção, o que impossibilita, as mais
                                               9
         mente para ré do respectivo mastro não há lu-  pelos 67,5 graus (6 quartas).  das vezes, que este consiga aproximar a proa
         gar aos efeitos problemáticos que se observam   Esta diferença ao
         com o pano redondo, nas situações em que  nível do ângulo de
         se navega à bolina, ou seja, com o vento para  bolina entre navios                                        Des. José Cabrita
         vante do través. Aliás, o efeito do vento sobre  latinos e redondos
         a vela mais a ré tende a aumentar, ainda que  encontra as suas
         ligeiramente, a marcação do vento que atinge  principais razões na
         a vela que se encontra imediatamente a vante,  maneira como as res-
         e assim sucessivamente. Como consequência  pectivas vergas e se
         este navio atinge a sua maior velocidade quan-  encontram dispostas
         do o vento marca entre os 70 e os 90 graus.  a bordo. Recorda-
         A partir deste último valor, mais propriamente  mos que no primeiro
         para valores superiores a 110º, começa a dar-se  caso o pano enver-
         uma redução ao nível da velocidade. Note-se  ga no sentido proa-
         que tal acontece bem dentro do intervalo em  popa, percebendo-
         que o navio redondo consegue a sua melhor  se de imediato as
         performance.                       consequências de
           Para marcações do vento superior a 150  uma maior facilida-
         graus sobrevem problema idêntico ao que  de em navegar mais
         afecta os navios de pano redondo. Queremos  chegado ao vento.
         com isto dizer que as velas mais a vante ficam  Já no navio redon-
         na sombra da que se encontra mais a ré, sen-  do, uma vez que as
         do ainda seriamente afectado o equilíbrio do  velas trabalham no   Manobra de virar em roda do navio de pano redondo. O diâmetro da curva de giração
         navio, o que obriga igualmente a uma utili-  sentido transversal   dá ideia da distância perdida para sotavento.

         22  MARÇO 2006 U REVISTA DA ARMADA
   91   92   93   94   95   96   97   98   99   100   101