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Setting Sail
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                                      4. Redondo versus Latino


             mbora o subtítulo escolhido possa suge-  que a marcação do vento de afasta da popa,  (12 quartas). Embora os melhores resultados
             rir alguma relação com o vulgar pleito  na exacta medida em que diminui o nível de  possam ser esperados com o vento entre os
         Ede divórcio num tribunal norte-ameri-  perturbações registadas no lado de sotavento  100 e os 120 graus. Tal acontece porque, para
         cano, a questão que nos propomos abordar é  da vela. Este efeito de sucção pode igualmen-  marcações de vento inferiores, uma vez que as
         seguramente menos controversa. Desde logo,  te ser incrementado se o vento iniciar o seu  vergas quando braceadas se prolongam bem
         porque, tal como se verifica na                                                  para vante do mastro, a sua pre-
         grande maioria dos casos, não                                                   sença vai provocar interferências
         existe uma separação efectiva na                                               Des. José Cabrita  indesejáveis na circulação do ar
         utilização do pano redondo e do                                                 junto das velas redondas do mas-
         pano latino. Prova cabal do que                                                 tro adjacente. Por outro lado, a
         afirmamos assenta no facto de                                                    sua capacidade para bolinar en-
         grande parte dos grandes veleiros                                               contra-se intimamente relaciona-
         disporem de uma combinação                                                      da com o ângulo a que as suas
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         de velas de ambos os tipos.                                                     vergas podem ser braceadas . Se
           Antes de iniciarmos esta nos-                                                 o desenvolvimento das respecti-
         sa análise convém recordar que                                                  vas enxárcias, para ré, o permitir,
         um navio, navegando à vela,                                                     este ângulo poderá ser superior
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         deve constituir-se continuamente                                                a 5 quartas , permitindo que o
         como um modelo de equilíbrio,                                                   navio possa navegar chegado ao
         sob pena de o seu rendimen-                                                     vento com ângulos inferiores a
         to, ao nível da velocidade, po-                                                 67,5 graus. Por seu turno, com o
         der situar-se num patamar mui-                                                  vento demasiado aberto as velas
         to aquém do desejado. Como                                                      dos mastros mais a vante ficam
         se sabe este mesmo requisito é                                                  na sombra das velas do mastro
         pedra basilar em muitas outras                                                  de ré. Além deste, registam-se
         áreas resultantes da actividade                                                 ainda outros dois factores perni-
         humana. Neste aspecto ocor-                                                     ciosos. Desde logo uma diminui-
         rem-nos, de pronto, exemplos                                                    ção do referido efeito de sucção
         como a música, a arquitectura e                                                 por aumento das perturbações
         todos os desportos em geral, só   Mareações e limites de bolina do navio redondo.  no lado sotavento das velas. Não
         para citar alguns de carácter muito distinto.  contacto com a vela com um ângulo correcto.  menos relevante é o facto de as velas latinas
           Numa primeira apreciação pode parecer  Tal ocorre sempre que a vela se comporta de  de que estes navios em regra dispõem – velas
         natural que quanto mais próximo da popa  forma idêntica à asa de um avião. Nas referi-  de proa e entre-mastros – ficarem literalmente
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         soprar o vento , tanto maior será a velocida-  das circunstâncias o nível de perturbações do  sem função pelo facto de também se encon-
         de alcançada pelo navio. Aliás, acreditamos  ar ao longo de ambos os lados da sua superfí-  trarem na sombra do pano redondo.
         que muito provavelmente esta mesma crença  cie, bem como na fronteira mais a ré, pode ser   Nos navios que armam em barca, como é o
         possa ter estado na origem da expressão «vai  quase inexistente. O que se traduz de pronto  caso do navio-escola Sagres, surge ainda um
         de vento em popa», como sinónimo de algo  numa melhoria da velocidade do navio, por  outro agente de preocupação quando se na-
         que está a correr de feição.       maximização do efeito mencionado.  vega nas referidas condições. Ao optar-se por
           No entanto, a força responsável pelo movi-  Como a intensidade e a direcção do vento  manter caçadas as velas da mezena com mar-
         mento de um veleiro está longe de coincidir  oscilam permanentemente, também a melhor  cação do vento superior a 135 graus, os seus
         apenas com este efeito de empurrão, confe-  posição relativa das velas em relação ao ven-  benefícios em prol da velocidade não conse-
         rido pela acção do vento sobre a sua super-  to deve ser continuamente procurada. Com o  guirão de forma alguma atenuar os efeitos ne-
         fície vélica . A realidade encontra-se inclu-  objectivo de manter a afinação ideal, aliado à  fastos que estas vão exercer sobre o governo do
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         sivamente muito longe de se ajustar a esta  necessidade de dar resposta às ténues altera-  navio. Este problema tornar-se-á tão mais evi-
         falaciosa imagem.                  ções do vento, regra geral actua-se ao nível do  dente quanto maior for a marcação do vento,
           Para além do contributo da força directa do  leme, no sentido de procurar manter o vento  para além das 12 quartas. Tal ocorre porque, a
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         vento nas velas de um navio, existe ainda um  na marcação  desejada.  partir da referida marcação, a enxárcia inibe o
         outro factor que assume particular importân-  É justamente na busca da melhor marea-  disparar da retranca no ângulo mais adequado.
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         cia neste mesmo processo. Trata-se, como é  ção , de forma a optimizar a velocidade, que  A esta limitação soma-se ainda o desenvolvi-
         do conhecimento geral, do efeito provocado  surgem as primeiras diferenças entre um navio  mento assimétrico das mezenas para apenas
         pela diferença de pressão que se verifica en-  de pano redondo e um de pano latino, para  um dos bordos. Este duplo efeito, dizíamos,
         tre a face da vela que recebe o vento e aquela  além dos aspectos óbvios que a vista de ime-  vai fazer com que o ângulo resultante, entre
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         que fica por sotavento . Desta assimetria baro-  diato identifica.      o vento e estas velas, deixe de coincidir com
         métrica resulta uma força de sucção, sempre   Passemos então a enunciar os argumentos –  aquele que seria desejável, acabando por se
         no sentido da menor pressão , que o mesmo é  vantagens e limitações –, dos veleiros onde pre-  situar muito próximo da perpendicular. Como
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         dizer para vante, que se vai somar ao efeito de  dominam o pano redondo ou pano latino.  corolário, o navio vê aumentar a sua tendência
         empurrão enunciado. Daí que a velocidade de   Um grande veleiro redondo – galera ou bar-  para a orça, factor que só pode ser contrariado
         um veleiro se encontre na directa dependência  ca –, dadas as características das suas velas,  recorrendo a um ângulo de leme crescente –
         da soma dos valores das «forças de empurrão  atinge o seu melhor desempenho ao nível da  5º, 10º, 15º,... –, como resposta ao caminhar da
         e sucção», propiciadas pelo vento. Esta últi-  velocidade quando navega a um largo, ou seja,  marcação do vento no sentido da popa. Man-
         ma assume importância crescente à medida  com o vento entre os 90º (8 quartas) e os 135º  tendo-se a velocidade do vento, mas aumen-
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