Page 317 - Revista da Armada
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Julho, 1993: a erosão põe a descoberto algumas das es-  Outubro,1997: a erosão não pára de destruir o edifício vul-  Julho, 2002: o farol dos Capelinhos projectando-se contra
          coadas de lava das erupções de Maio de 57.  cânico, que se apresentava, então, com arribas quase verti-  e edifício vulcânico, cada vez mais erodido.
                                            cais, a cujos pés se depositava o material grosseiro caído.
         de repuxos de espuma, fazendo lembrar in-  m e a dos vapores de água, ultrapassou os  proporcionando, durante a noite, grandioso
         tensos bombardeamentos no mar, como foi  2000 m, limite do clinómetro; pedras  caiam  espectáculo. No interior da cratera formou-se
         recordado por quem a estes assistiu. Estas  em quantidade apreciável em torno da crate-  um pequeno lago de lava, sempre intranqui-
         explosões eram ainda mais impressionan-  ra, alcançando a arriba do Costado da Nau,  lo pelas sucessivas explosões de gases mag-
         tes pelos fracos ruídos que as acompanha-  situada a mais de 1 km do centro eruptivo;  máticos e rebentamento de grandes bolhas
         vam: para além do estalido das descargas  durante a explosão viam-se as bocas “des-  de lava, cujos respingos (spatter) e algumas
         electroestáticas, do crepitar das rochas ba-  lizar” para Leste. Quando o paroxismo ter-  bombas se foram acumulando dentro da cra-
         tendo umas nas outras, de um leve ruído de  minou pudemos observar algumas modifi-  tera, acabando por formar um cone central de
         fritura devido à queda dos lapilli no mar,  só  cações importantes: a migração da principal  escórias soldadas (hornitos); ainda em Maio
         uma ou outra vez se ouvia alguma detona-  cratera activa foi de tal modo que  a filmada  atingia já 70 m de altura, em Agosto 144 m
         ção surda e isolada.               na véspera estava totalmente fechada, eleva-  e  na fase final 160 m. Este cone é limitado  a
           Ao longo desta estadia verificámos, como  da de vários metros em relação ao novo po-  Leste e a Sul por uma depressão periférica
         alterações principais do comportamento des-  sicionamento e transformada num lago de  (provavelmente devida a um abatimento),
         ta erupção: o prolongamento sistemático das  água pastosa (ou lava?) de onde se elevavam  igualmente juncada por bombas e placas de
         grandes explosões; o muito maior volume de  fumos de enxofre; no fundo da nova cratera  lava solidificada. A actividade final do Vul-
         material, tanto fino como grosseiro, causa  viam-se várias fumarolas, bocas separadas  cão dos Capelinhos consistiu em explosões
         suficiente para obstruir a entrada directa de  umas das outras por esporões quase verti-  moderadas, de tipo stromboliano, a última das
         água do mar na cratera e espalhar um tape-  cais, a alturas diferenciadas  e alinhadas; de  quais no dia 21 de Outubro, tendo sido ob-
         te de grossos blocos por todos os flancos do  início, o fundo estava completamente seco,  servada a 24 a última emissão de fragmentos
         cone; uma vez por outra, os intervalos entre  mas pouco depois viu-se nitidamente ser in-  incandescentes .
         as mais violentas explosões alongavam-se  vadido por água lodosa que, devido à crate-  De então para cá, as modificações topo-
         um pouco.  No dia 19 de Janeiro, após uma  ra estar totalmente fechada e os seus bordos  gráficas do maciço vulcânico são devidas: à
         noite com pequenas emanações de lava, ape-  a várias dezenas de metros acima do mar, só  acção das chuvas, que vai retirando os ma-
         nas se viam fumos brancos a elevarem-se  podia entrar por infiltrações.  teriais ligeiros de superfície, expondo outros
         mansamente contra o azul do céu;                                             mais grosseiros; a desabamentos
         como as explosões nunca ocorriam                                             nas encostas  do cone central, cri-
         subitamente, tive tempo de subir a                                           vado de um “complicado sistema
         encosta SE (mormente constituída                                             de fendas”(6); ao ataque do mar
         por cinzas e lapilli, agora atapetada                                        em torno do edifício vulcânico,
         com fragmentos da lava e crivada                                             cuja linha de costa fatalmente re-
         de buracões devidos à queda de                                               cua, enquanto os mantos de lava
         bombas da noite anterior) e exa-                                             derramados sobre o material friá-
         minar a cratera: os fumos que se                                             vel que o mar facilmente escava,
         viam da terra firme provinham de                                              caem, desapoiados, quebram e
         blocos de lava caídos durante par-                                           originam uma “coroa de calhaus”
         te da noite,  da libertação de gases,                                        que o protege.
         com a aparência de água a ferver,                                              O início da erupção manifestou-
         e de vapor de água; a comunica-                                              -se, como é hábito e foi assinalado,
         ção com o mar estava largamente                                              pela ocorrência de sismos intensos
         aberta,  o nível da água  na cratera   Instantâneo de uma das mais violentas e prolongadas explosões (20-1-1958;   e muito repetidos, que assustaram
                                      duração 4h35).
         era o do mar, sem se ver qualquer                                            toda a população da Ilha, natural-
         vestígio de continuidade do anel-ilha; na   Se até Maio foi assim,  em síntese, o com-  mente tanto mais quanto mais próxima do
         base da cintura interior das arribas viam-se  portamento do Vulcão dos Capelinhos, nes-  epicentro se encontrava, ou seja os habitantes
         desabamentos consecutivos devidos à ac-  te mês iniciaram-se profundas modificações  das freguesias a Oeste do Faial; por isso, parte
         ção do mar juntamente com a fragilidade  (5): nos dias 12 e 13 deu-se uma “violenta  das famílias que tinham parentes ou amigos
         do material e, no cimo, deslizamentos que  série de abalos – mais de 450, sem epicentro  em lugares mais afastados, lá se acolheram.
         modificavam o perfil da encosta. A meio da  comum” e a actividade passa ao tipo strom-  Dias depois, quando as chuvas de cinza, sem-
         tarde, as explosões reapareceram, crescen-  boliano, com fortes ruídos e várias correntes  pre acompanhadas de emanações de gases
         do de  intensidade. Pelas 10 horas do dia se-  de lava  que, saindo pelos flancos e prolon-  de compostos de enxofre, incómodos para a
         guinte iniciou-se outro dos muito violentos  gando-se até Agosto, acabaram por formar  respiração, começaram a cair, maior foi o sen-
         e prolongados paroxismos que nos foi dado  um manto quase contínuo de Nordeste até  timento de insegurança; mas, mesmo assim,
         observar: mais de cinco horas  consecutivas  ao Sul (pelo Oeste) do edifício construído e  gente mais idosa, especialmente mulheres,
         com, pelo menos, quatro bocas a trabalhar  consolidaram os mantos de lapilli e cinza,  só com a intervenção do Governador Civil,
         num conjunto ligeiramente desfasado; a al-  tornando-os resistentes à abrasão marinha; as  Dr. Freitas Pimentel, médico muito respeita-
         tura da explosão das cinzas  atingiu os 1200  projecções de lava subiram a mais de 500 m  do na Ilha, foi possível evacuar a área mais
                                                                              REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2007  27
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