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D. JOÃO VI E NAPOLEÃO
                           D. JOÃO VI E NAPOLEÃO


                            O Rei Absoluto e o Imperador Republicano

               s acontecimentos mais relevantes  zão (1558-1648), durante a qual foram or-  como o “poder que não tem igual a nível in-
               que ocorreram durante as grandes  ganizados e fortemente desenvolvidos os  terno nem superior a nível externo”; chocado
         Otransformações das sociedades, bem  princípios e as iniciativas fragmentadas do  com as Guerras Religiosas defendeu que se a
         como as datas em que aconteceram, ficaram  Renascimento. Basta recordar nomes como  função do Estado é manter a ordem, só o pode
         gravados como marcos balizadores das di-  Bacon, Descartes, Spinoza, Kepler, Pascal,  conseguir através da soberania absoluta e ina-
                                                                                     1
         ferentes épocas históricas. No entanto as cir-  Galileu, Napier, Garcia de Horta, Pedro Nu-  lienável  . Thomas Hobbes (1588-1679), que vi-
         cunstâncias que deram origem a esses acon-  nes, Montaigne, Camões, Cervantes, João de  veu os horrores da Guerra Civil de Inglaterra
         tecimentos tiveram, normalmente, um longo  Barros, Diogo do Couto, etc..  (1643-1649), pensava que a “monarquia abso-
         período de maturação, ainda que                                              luta era natural” e que “nenhum go-
         depois tenham surgido de forma                                               verno é soberano se estiver sujeito a
         revolucionária. Assim as datas que                                           quaisquer outras leis, para além das
         a seguir se referem são meramente                                            da Natureza e de Deus”  .
                                                                                                        2
         indicadoras.                                                                   Assim, o poder estava no Rei e
           A passagem do século XV para                                               o Rei tinha poder absoluto. Não
         o século XVI foi uma época de                                                havia outros símbolos de sobera-
         grandes mudanças. Corria o Re-                                               nia nem eram feitas referências ao
         nascimento (1400-1530), com no-                                              território.
         tável esplendor nas artes, letras e                                            Foi a seguir a esta época e por
         ciências. A tomada de Constanti-                                             força das doutrinas expressas que
         nopla pelos turcos (1453), em ple-                                           o Absolutismo atingiu o seu ponto
         no Renascimento, marcou o início                                             mais alto, com Luís XIV em Fran-
         da Idade Moderna. Os Descobri-                                               ça, com a República do déspota
         mentos estimularam a integra-                                                Cromwell em Inglaterra, com Pe-
         ção das “histórias” dos diferentes                                           dro o Grande na Rússia e, embora
         povos e culturas que até então se                                            pouco mais tarde, com D. José, ou
         desconheciam e permitiram que se                                             melhor, com o Marquês de Pom-
         começasse verdadeiramente a es-                                              bal, em Portugal. Estava na moda
         crever a História Universal.                                                 o “despotismo esclarecido” como
           No campo do pensamento e da                                                uma evolução do Absolutismo,
         acção política, interessa agora re-                                          mais teórica do que prática. A Luís
         ferir dois aspectos: o regresso ao                                           XIV, o Rei Sol, é atribuída a frase
         Absolutismo e a criação do Esta-                                             l’Etat c’est moi.
         do Moderno.                                                                    O mais claro representante do
           O Absolutismo, que já tinha                                                despotismo esclarecido em Portu-
         existido na Antiguidade, manifes-                                            gal foi Marquês de Pombal, que
         tou-se pela autoridade régia que,                                            procurou modernizar o Estado.
         pouco a pouco, se foi libertando                                             Quis manter a nobreza, elevando-
         de qualquer limitação. Para isso,                                            -a mas mantendo-a obediente ao
         a nobreza teve que perder certos                                             Rei. Para isso, se por um lado criou
         atributos e alguns dos poderes que   D. João VI – 1816                       o Real Colégio dos Nobres e refor-
         exercera na Idade Média. Por exem-  Gravura aberta por Charles-Simon Pradier a partir da pintura de Jean – Baptiste   mou o ensino universitário, por
         plo, teve que perder o direito de jus-  Debret e impressa por Chardon. Moldura original de madeira e estuque dourada,   outro lado eliminou exemplarmente
         tiça, foi interdita de recrutar exérci-  decorada com simbologia real tradicional.   os que se poderiam opor à sua po-
         tos privados, foi afastada de cargos   Col. Particular.                      lítica, como o Duque de Aveiro, o
         importantes e as cidades medievais passaram   Mas o poder absoluto continuou a inten-  Marquês de Távora e outros.
         a estar sob tutela de corregedores.  sificar-se. Foi também a época de Isabel I de   Depois veio o Iluminismo (1715-1789),
           Em Portugal, o Absolutismo teve início  Inglaterra, a Grande Rainha, do Cardeal Ri-  caracterizado pelo grande progresso do co-
         com D. João II (1455-1495), que sentiu neces-  chelieu em França, da grandeza e decadên-  nhecimento e pela luta contra a Cristandade,
         sidade de eliminar o Duque de Bragança, o  cia da Espanha dos Filipes a que Portugal  liderada pelos filósofos entre os quais se sa-
         Duque de Viseu, o Bispo de Évora D. Garcia  estava ligado.            lientam Voltaire, Diderot, d’Alembert, Rous-
         de Menezes, acusados de conspiração; o Mar-  Para o aprofundamento e expansão do  seau, Kant, Ribeiro Sanches. Marca também
         quês de Montemor, o Conde de Faro e outros  Absolutismo contribuíram muitos filóso-  o início da Revolução Industrial em Inglater-
         nobres fugiram para o estrangeiro.  fos e políticos ainda hoje frequentemente  ra e do aparecimento do Terceiro Estado em
           Em França, o Absolutismo teria começado  referidos:                 França, constituído por camponeses e prole-
         em 1515 com a subida de Francisco I ao trono.  Grotius (1583-1645) incluiu o mar e a liber-  tários, separados da nobreza pela burguesia,
           Simultaneamente apareceram os primeiros  dade dos mares nos seus estudos e distinguiu-  que era odiada pelos primeiros e desprezada
         teóricos da noção de Estado, ligado ao Prínci-  -se pelos seus tratados de direito internacional  pelos segundos.
         pe, sendo apontado como criador do concei-  (Sobre o Direito de Guerra e da Paz – 1625); pen-  O território ou a posse do território continua-
         to “Estado” o político florentino Maquiavel  sava que o Governo não tinha que se sujeitar  va a não ter o significado que viria a adquirir
         (1469-1527). D. Manuel I (1469-1521) foi quem  às leis feitas pelos homens, mas só ao direito  após o Congresso de Viena (1814-1815). Basta
         organizou o Estado Moderno em Portugal.  natural. Jean Bodin (1530-1596) debruçou-se  ver a História: Portugal nasceu de um Conda-
           Após o Renascimento veio a Idade da Ra-  sob o conceito de “soberania” que definiu  do oferecido em dote; D. João IV, já nesta quar-

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