Page 334 - Revista da Armada
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provocado pela execução do rei e Ma- exército de Itália efectuaria uma manobra dinário junto dos franceses, ávidos de algo
ria Antonieta (Outubro de 1793), e com de diversão. Ora, acontece que a manobra que, efectivamente, restaurasse o orgulho
a invasão da Bélgica. A guerra, que era principal não surtiu os efeitos pretendidos, nacional após 10 anos de revolução mar-
apenas aberta com a Prússia e a Áustria, mas aquela que estava previsto ser apenas cada pelo terror, pela incapacidade políti-
alargou-se à Grã-Bretanha, Espanha, Por- uma manobra de diversão, levada a cabo ca e pela enorme corrupção. Napoleão era
tugal, à maioria dos príncipes alemães e a pelo general Bonaparte, teve o maior su- a imagem do sucesso e da abnegação pa-
quase todos os estados italianos. A Fran- cesso e forçou os acontecimentos de forma triótica por que todos ansiavam. Por isso,
ça conseguiu importantes vitórias contra empolgante. A Áustria ficou quase comple- quando surge em Paris, no 18 de Brumário
quase todos eles, em campanhas terrestres tamente desguarnecida no seu flanco sul e (9 de Novembro), com enorme facilidade
conduzidas por jovens generais saídos da viu-se obrigada a pedir auxílio a Catarina conseguiu afastar o directório e criar o pri-
Revolução, mas não teve igual sor te no II, da Rússia, que lho teria dado, não fora a meiro consulado tripartido em que assumia
mar. A Marinha Francesa dispunha de me- sua morte inesperada e a substituição pelo o principal protagonismo.
lhores navios, mas não tinha os quadros indeciso e frágil Paulo I. O directório, entre- Bonaparte chegou ao poder envolto no
adequados, que tinham desaparecido nas tanto, apercebendo-se do poder de Napo- desagrado e desalento do povo francês que
sucessivas vagas de não encontrava uma saída
terror revolucionário. para as ideias revolucioná-
A 1 de Junho de 1794 rias de 1789, e percebe-se
(“The Glorious First of agora como os conceitos
June” para os ingleses) ingénuos de que a França
sofreu uma pesadíssi- nunca faria a guerra contra
ma derrota ao largo de um povo estrangeiro, se dis-
Brest, onde pereceram solveram na marcha da pró-
mais de 5000 homens. pria Revolução. A França re-
Seria esta a lógica do volucionária olhara sempre
alinhamento de forças para os outros países como
europeias nos anos um grupo de conspiradores
que se seguiriam: um contra a liberdade da pátria,
razoável domínio do mas agora recuperava de
continente por parte forma exacerbada o orgulho
dos franceses, que dis- nacional. Estava pronta para
punham de um con- o sonho imperial que Napo-
tingente numeroso e leão corporizou.
motivado; e uma fragi- A Grã-Bretanha viveu a
lidade permanente no Revolução Francesa de uma
mar, onde os ingleses forma completamente dife-
davam caça aos seus rente do resto da Europa por
navios e bloqueavam variadíssimas razões. A mais
quase todos os portos. importante – talvez – é a de
É neste contexto de que ela própria já não tinha
guerra que emerge a um regime monárquico ab-
figura de Napoleão solutista, nos moldes con-
Bonaparte, um jovem tinentais, e praticava uma
general oriundo de certa forma de pacto social,
uma família da peque- pese embora um pouco di-
na nobreza, que aderi- ferente do que fora propa-
ra à Revolução e que lado por Rousseau. Por isso
ganhara um prestígio não sentiu que as suas estru-
crescente com as suas turas políticas e sociais fos-
vitórias em Itália e no sem abaladas de forma tão
Egipto. Napoleão im- dramática como o sentia a
pôs-se decisivamente Áustria ou a Espanha. Diz-
em 1799, numa altu- -nos Hobsbawm que à data
ra em que os franceses da Revolução Francesa, mais
estão saturados de uma As fronteiras da ocupação francesa no período revolucionário e napoleónico. de um século passara desde
classe política corrupta Atlas Histórico da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. que em Inglaterra fora julga-
e incapaz, que não encontrava saída para leão e da posição que ocupara, ordena-lhe do e executado um rei, e desde que “o lucro
nenhum dos grandes problemas que afec- que cesse a campanha contra a Áustria e privado e o desenvolvimento económico
tavam a França. O seu prestígio começa a avance para Roma, onde conseguiria obter eram aceites como os objectivos supre-
desenhar-se quando Lazare Carnot (conhe- grandes vantagens financeiras para a Fran- mos da política governamental”. Estas duas
cido matemático, pai do engenheiro e fí- ça. Pedia-lhe – em suma – que suspendes- obser vações não têm (talvez) a ligação que
sico Nicolas Carnot que idealizou o ciclo se uma campanha militar decisiva, para se o autor lhes quer dar, mas pode entender-
das máquinas térmicas que recebeu o seu dedicar à pilhagem. Bonaparte não o acei- -se a primeira parte como a constatação de
nome), ao tomar conta da pasta da Guerr a, tou e prosseguiu com os objectivos milita- que o poder régio não tinha o carácter sa-
idealizou um plano ofensivo que visava res que traçara anteriormente, conseguindo grado e de direito divino, que assumia nas
submeter a Áustria e obrigá -la a um armis- forçar a Áustria a uma paz altamente van- monarquias absolutas do continente. E não
tício nas melhores condições para a Fran- tajosa. Ele próprio assinou o armistício em está aqui em causa qualquer problema de
ça. O plano de Carnot era o de desenvolver Campoformio, a 7 de Abril de 1797. E este ordem ou organização social, mas apenas
uma acção concertada com os exércitos do foi apenas o prelúdio de uma carreira de uma relação diversa com o poder que dá
Reno e Danúbio, ao mesmo tempo que o sucessos que tinham um impacte extraor- outro sentido à comunidade. Existe um mer-
8 NOVEMBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA