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cado britânico (a ela ligado) e não assenta seguiu fazer frente à França napoleónica – Britânico. Nas circunstâncias específicas
numa estrutura de trabalho servil. Assen- dotada de uma força anímica que era di- do século XVIII, podíamos ainda acres-
ta num desejo comum de participar nesse fícil de igualar – e porque é que Portugal centar que as relações económicas e po-
mercado, de trabalhar para ele, usufruin- estava condenado a apoiar-se na aliança líticas entre os dois países assentavam em
do à medida do seu desenvolvimento, fora inglesa, como garante da sua própria so- tratados altamente desvantajosos para os
de uma relação imutável de dependência brevivência enquanto nação independen- nacionais, acrescentando à insuficiência
formal e sacralizada. Esta particularidade te. Era o preço a pagar pela possibilidade militar uma enorme dependência econó-
é muito importante porque esteve na base de manter um império ultramarino espa- mica. E não adianta argumentar com a di-
da chamada Revolução Industrial, associa- lhado pela América, Ásia e África, sem ferença de dimensão entre os dois países,
da normalmente à construção e aproveita- uma marinha suficientemente forte para porque património colonial de ambos não
mento produtivo da máquina a vapor, e ao garantir a liberdade de comunicações com espelhava a desproporção da riqueza eco-
desenvolvimento económico da Grã-Breta- esses territórios. nómica de um e outro. O resultado prático
nha. Não importa aqui desenvolver em por- Em 1766, o embaixador de Portugal jun- desta continuada negligência (que vinha
menor as razões do desenvolvimento eco- to da corte inglesa era Martinho de Melo do final do século XVII) foi o ser arrastado
nómico anglo-saxónico, mas para as guerras, pela razão
é fácil de constatar a presença das alianças, e não ser sequer
de um sistema fabril que não reconhecido no momento de
tem paralelo e que trabalha Foto Henrique Ruas ditar as condições de paz.
para um vasto mercado. Em 1807, A França joga-
As colónias britânicas no va uma cartada decisiva de-
Novo Mundo desempenha- cretando o fecho dos portos
vam um papel fundamental do continente europeu aos
no seu sistema económico e navios ingleses. Imaginava
a rotura teve efeitos imedia- Napoleão que assim conse-
tos particularmente nefastos, guiria a asfixia económica
mas em pouco tempo a Grã- britânica, limitando o seu co-
Bretanha reatou com os Esta- mércio com os consumidores
dos Unidos as relações que europeus e bloqueando-lhe
lhe interessavam. O algodão os pontos de apoio indispen-
em bruto americano foi mui- sáveis à navegação. Para o
to mais importante que o or- imperador, o valor de Portu-
gulho britânico, e em pouco gal residia apenas na sua cos-
tempo voltou a entrar nas fá- ta. Nem sequer se empenhou
bricas do Lancashire, que ex- convincentemente em recu-
portavam os panos para todo perar os navios que estavam
o mundo. Aliás, com enorme em Lisboa, e que os ingleses
espanto dos franceses, a In- receavam vir a cair nas mãos
glaterra assinava no final dos dos franceses. Se o príncipe
anos noventa, um tratado de D. João tem ficado em Portu-
amizade e comércio com os gal rendendo-se às intenções
Estados Unidos, levantando imediatas da França, o país fi-
graves problemas ao governo caria sem a representativida-
francês que se via na eminên- de de um soberano reinante,
cia de entrar em guerra com sem marinha, sem colónias
os norte-americanos. Que- e sem futuro. É compreensí-
ro com isto salientar que as vel que tivesse adiado a sua
ilhas britânicas tinham uma decisão até tão tarde quanto
preocupação relativa quan- lhe fosse possível, esperando,
to à possibilidade de invasão por ventura, um milagre que
do seu território – defendido D. João VI . evitasse a invasão, mas com
pelas próprias condições geo- Albertus Jacob Frans Gregórius – 1774-1853. Junot em Abrantes não havia
gráficas – pretendendo, so- N.º INV.º 57035. adiamento possível. Eram as
Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda.
bretudo, um domínio do mar, contingências de um momen-
onde circulavam os seus navios, com as e Castro, um homem de raros talentos di- to que não tinham sido ditadas por quem
matérias-primas que adquiriam, e com os plomáticos que, mais tarde veio a ser Se- tinha a responsabilidade do governo. Evi-
produtos acabados que vendiam. Na riva- cretário de Estado da Marinha e Domínios dentemente que a retirada colocou o país
lidade que mantiveram com a França, du- Ultramarinos. E em 7 de Abril desse ano, ainda mais na dependência inglesa, e isso
rante todo o século XVIII, o mar e as posses- numa carta enviada ao Marquês de Pom- fez-se sentir, (por exemplo), durante a per-
sões ultramarinas foi o palco privilegiado bal, dizia que “só quando a Grande Bre- manência de Beresford muito para além da
das lutas e combates, sem que a sua inde- tanha vir a Coroa Portuguesa poderoza e paz de Viena, em 1815, quando Bonapar-
pendência alguma vez fosse posta em cau- rezoluta, então é que a há-de tratar como te foi completamente derrotado e a Fran-
sa. O máximo que a França conseguiu na aliada e não como Dependente”. O seu ça cingida às suas fronteiras antigas. Mas
ameaça credível ao território britânico foi a raciocínio era muito claro, e teve ocasião digamos que foi – mais uma vez – o preço
possibilidade de usar a Irlanda como testa- de o pôr em prática quando ocupou um que o país teve de pagar pela sua indepen-
de-ponte para uma eventual invasão. lugar no governo: a Inglaterra não respei- dência, depois de ter negligenciado as suas
Compreendendo a postura da Grã-Bre- taria Portugal, e nunca o trataria de igual condições de defesa.
tanha no contexto das nações europeia no para igual se este não tivesse nada para Z
final do século XVIII e princípio do XIX, lhe dar, que não fosse apenas a sua locali- J. Semedo de Matos
entendemos com facilidade, porque con- zação estratégica no contexto do Império CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2007 9