Page 335 - Revista da Armada
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cado britânico (a ela ligado) e não assenta  seguiu fazer frente à França napoleónica –  Britânico. Nas circunstâncias específicas
         numa estrutura de trabalho servil. Assen-  dotada de uma força anímica que era di-  do século XVIII, podíamos ainda acres-
         ta num desejo comum de participar nesse  fícil de igualar – e porque é que Portugal  centar que as relações económicas e po-
         mercado, de trabalhar para ele, usufruin-  estava condenado a apoiar-se na aliança  líticas entre os dois países assentavam em
         do à medida do seu desenvolvimento, fora  inglesa, como garante da sua própria so-  tratados altamente desvantajosos para os
         de uma relação imutável de dependência  brevivência enquanto nação independen-  nacionais, acrescentando à insuficiência
         formal e sacralizada. Esta particularidade  te. Era o preço a pagar pela possibilidade  militar uma enorme dependência econó-
         é muito importante porque esteve na base  de manter um império ultramarino espa-  mica. E não adianta argumentar com a di-
         da chamada Revolução Industrial, associa-  lhado pela América, Ásia e África, sem  ferença de dimensão entre os dois países,
         da normalmente à construção e aproveita-  uma marinha suficientemente forte para  porque  património colonial de ambos não
         mento produtivo da máquina a vapor, e ao  garantir a liberdade de comunicações com  espelhava a desproporção da riqueza eco-
         desenvolvimento económico da Grã-Breta-  esses territórios.           nómica de um e outro. O resultado prático
         nha. Não importa aqui desenvolver em por-  Em 1766, o embaixador de Portugal jun-  desta continuada negligência (que vinha
         menor as razões do desenvolvimento eco-  to da corte inglesa era Martinho de Melo  do final do século XVII) foi o ser arrastado
         nómico anglo-saxónico, mas                                                      para as guerras, pela razão
         é fácil de constatar a presença                                                 das alianças, e não ser sequer
         de um sistema fabril que não                                                    reconhecido no momento de
         tem paralelo e que trabalha                                                     Foto Henrique Ruas  ditar as condições de paz.
         para um vasto mercado.                                                            Em 1807, A França joga-
           As colónias britânicas no                                                     va uma cartada decisiva de-
         Novo Mundo desempenha-                                                          cretando o fecho dos portos
         vam um papel fundamental                                                        do continente europeu aos
         no seu sistema económico e                                                      navios ingleses. Imaginava
         a rotura teve efeitos imedia-                                                   Napoleão que assim conse-
         tos particularmente nefastos,                                                   guiria a asfixia económica
         mas em pouco tempo a Grã-                                                       britânica, limitando o seu co-
         Bretanha reatou com os Esta-                                                    mércio com os consumidores
         dos Unidos as relações que                                                      europeus e bloqueando-lhe
         lhe interessavam. O algodão                                                     os pontos de apoio indispen-
         em bruto americano foi mui-                                                     sáveis à navegação. Para o
         to mais importante que o or-                                                    imperador, o valor de Portu-
         gulho britânico, e em pouco                                                     gal residia apenas na sua cos-
         tempo voltou a entrar nas fá-                                                   ta. Nem sequer se empenhou
         bricas do Lancashire, que ex-                                                   convincentemente em recu-
         portavam os panos para todo                                                     perar os navios que estavam
         o mundo. Aliás, com enorme                                                      em Lisboa, e que os ingleses
         espanto dos franceses, a In-                                                    receavam vir a cair nas mãos
         glaterra assinava no final dos                                                   dos franceses. Se o príncipe
         anos noventa, um tratado de                                                     D. João tem ficado em Portu-
         amizade e comércio com os                                                       gal rendendo-se às intenções
         Estados Unidos, levantando                                                      imediatas da França, o país fi-
         graves problemas ao governo                                                     caria sem a representativida-
         francês que se via na eminên-                                                   de de um soberano reinante,
         cia de entrar em guerra com                                                     sem marinha, sem colónias
         os norte-americanos. Que-                                                       e sem futuro. É compreensí-
         ro com isto salientar que as                                                    vel que tivesse adiado a sua
         ilhas britânicas tinham uma                                                     decisão até tão tarde quanto
         preocupação relativa quan-                                                      lhe fosse possível, esperando,
         to à possibilidade de invasão                                                   por ventura, um milagre que
         do seu território – defendido   D. João VI .                                    evitasse a invasão, mas com
         pelas próprias condições geo-  Albertus Jacob Frans Gregórius – 1774-1853.      Junot em Abrantes não havia
         gráficas – pretendendo, so-  N.º INV.º 57035.                                   adiamento possível. Eram as
                                   Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda.
         bretudo, um domínio do mar,                                                     contingências de um momen-
         onde circulavam os seus navios, com as  e Castro, um homem de raros talentos di-  to que não tinham sido ditadas por quem
         matérias-primas que adquiriam, e com os  plomáticos que, mais tarde veio a ser Se-  tinha a responsabilidade do governo. Evi-
         produtos acabados que vendiam. Na riva-  cretário de Estado da Marinha e Domínios  dentemente que a retirada colocou o país
         lidade que mantiveram com a França, du-  Ultramarinos. E em 7 de Abril desse ano,  ainda mais na dependência inglesa, e isso
         rante todo o século XVIII, o mar e as posses-  numa carta enviada ao Marquês de Pom-  fez-se sentir, (por exemplo), durante a per-
         sões ultramarinas foi o palco privilegiado  bal, dizia que “só quando a Grande Bre-  manência de Beresford muito para além da
         das lutas e combates, sem que a sua inde-  tanha vir a Coroa Portuguesa poderoza e  paz de Viena, em 1815, quando Bonapar-
         pendência alguma vez fosse posta em cau-  rezoluta, então é que a há-de tratar como  te foi completamente derrotado e a Fran-
         sa. O máximo que a França conseguiu na  aliada e não como Dependente”. O seu  ça cingida às suas fronteiras antigas. Mas
         ameaça credível ao território britânico foi a  raciocínio era muito claro, e teve ocasião  digamos que foi – mais uma vez – o preço
         possibilidade de usar a Irlanda como testa-  de o pôr em prática quando ocupou um  que o país teve de pagar pela sua indepen-
         de-ponte para uma eventual invasão.  lugar no governo: a Inglaterra não respei-  dência, depois de ter negligenciado as suas
           Compreendendo a postura da Grã-Bre-  taria Portugal, e nunca o trataria de igual  condições de defesa.
         tanha no contexto das nações europeia no  para igual se este não tivesse nada para                    Z
         final do século XVIII e princípio do XIX,  lhe dar, que não fosse apenas a sua locali-   J. Semedo de Matos
         entendemos com facilidade, porque con-  zação estratégica no contexto do Império                   CFR FZ
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2007  9
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