Page 133 - Revista da Armada
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A Aula da Esfera
A Aula da Esfera
Uma exposição a não perder
Foto Júlio Tito
Colégio de Santo Antão-o-Novo – Painel de azulejos da Aula da Esfera.
ntes que o leitor me ponha de parte, eu quero dizer-lhe, Mas, para além da cosmografia, uma matéria mais de acordo
já, que a Aula da Esfera, foi, sem dúvida, a mais impor- com o Tratado da Esfera, que deu o nome a esta tão famosa Aula,
Atante manifestação científica que existiu em Portugal, to- outras matérias foram ministradas no Colégio de Santo Antão,
mando, naturalmente, em consideração a época em que teve orientadas por mestres portugueses e estrangeiros. Alguns dos es-
a sua actividade. E, mais, que a seu respeito, o Professor Hen- trangeiros, usaram nomes portugueses, como Christoforo Borri,
rique Leitão, membro da Academia de Marinha, organizou, na que se crismou de Cristóvão Bruno e que deu Matemática além de
Biblioteca Nacional, uma exposição que mostra bem, não só Astronomia. Mas outras matérias foram ensinadas: a Hidrografia,
como se desenvolveu esta importante instituição de ensino, leccionada por Francisco Costa, que também teve a seu cargo a
como também os nomes dos mestres, portugueses e estrangei- Fábrica e uso do Globo Astronómico. Inácio Vieira que regeu as
ros, que participaram nessa Aula da Esfera assim como os do- cadeiras de Matemática e Óptica. Estes e muitos outros mestres,
cumentos escritos que utilizaram nas suas lições. que por ali passaram, escreveram obras sobre as matérias que
A designação de Aula da Esfera provem do facto do ensino, leccionaram, obras que chegaram até aos nossos dias guardadas
da Cosmografia e Astronomia, ser feita recorrendo, fundamen- em numerosos arquivos, bibliotecas e até em espólios privados.
talmente, ao Tratado da Esfera, de João Sacrobosco, uma obra Henrique Leitão recolheu um precioso conjunto dessas obras, em
do século XIII, muitas vezes publicada e comentada. mais de quatro dezenas de origens, que apresenta nessa magnífica
Na época, o ensino em Portugal estava nas mãos dos Jesuítas exposição que se pode apreciar na Biblioteca Nacional. Lamen-
e, por esta razão, as actividades docentes tiveram lugar no Colé- tavelmente, ao contrário do que aconteceu com as obras escritas,
gio de Santo Antão que foi um centro de ensino privilegiado dos os instrumentos científicos – dizia-se, então, de matemática – que
Jesuítas no nosso país. E foi, precisamente, neste local, a partir e sabemos terem sido usados na Aula, perderam -se na totalidade,
1555 que se iniciou a Aula da Esfera com uma frequência de 300 prova evidente que os Portugueses não têm vocação para guar-
alunos. Em 1566 já eram 1100 atingindo o máximo, em 1591, dar este tipo de material.
com 2500 alunos. Com esta explosão de crescimento, as insta- A Aula da Esfera sobreviveu ao longo de 170 anos, tendo tido
lações originais tornaram-se inadequadas e insuficientes. o seu fim quando o Marquês de Pombal, em 1759, promoveu
Entretanto, em Dezembro de 1573, o cardeal D. Henrique, a expulsão dos Jesuítas, para instalar um sistema absolutista.
filho do rei D. Manuel, assume a figura de “Fundador” do Co- Admi to que tenha sido a solução adequada para a sobrevivência
légio, assegurando uma generosa renda da parte do Rei que era do Reino, mas constituiu um duro golpe na instrução do povo
o seu sobrinho D. Sebastião. É, então, possível iniciar a cons- português com a consequente aniquilação da Aula da Esfera. To-
trução de um edifício de raiz, que viria a ser conhecido pelo davia, não deixa de ser bizarro o facto de três, dos documentos
Colégio de Santo Antão-o-Novo, onde é actualmente o Hospital expostos, na Exposição da Biblioteca Nacional, terem sido pro-
de S. José. A completa transferência das aulas, para estas novas venientes da Livraria de Sebastião José de Carvalho e Melo.
instalações, foi feita no ano de 1593. Z
Neste Colégio desenrolou-se, ao longo dos anos, uma impor- A. Estácio dos Reis
tante actividade científica. Fizeram-se observações astronómi- CMG
cas, construíram-se telescópios e discutiram-se os novos con- NR: A exposição na Biblioteca Nacional encerra em 24 de Abril
ceitos da organização cosmológica. Rejeitou-se Copérnico mas Imagem autorizada pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar
aceitou-se Tycho Brahe com algumas das suas variantes. de Lisboa Central (EPE).
REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2008 23