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VALORES, IDENTIDADE E MEMÓRIA 16
A PATRIA HONRAE
exemplo do que sucede em muitas outras Marinhas, tam- No entanto, três décadas mais tarde, em 1894, por ocasião do quin-
bém os navios da Marinha Portuguesa ostentam uma di- to centenário do nascimento do infante D. Henrique (1394-1460), o
A visa patriótica. Conselho do Almirantado propôs a substituição desta divisa pelo
Numa época em que os nacionalismos varriam a Europa, coube lema «Talent de bien faire», decisão esta publicada na Ordem da Arma-
ao rei D. Luis (1861-1889), por inspiração do seu Ministro da Mari- da nº13, a 5 de Julho daquele ano, conforme abaixo se transcreve:
nha e Ultramar, a decisão de mandar colocar uma divisa a bordo «Considerando-se do maior interesse moral que a marinha de guerra por-
dos navios da Marinha Real. tugueza tenha sempre ante os olhos uma legenda breve e incisiva, que lhe
Era na altura Ministro da Marinha e Ultramar José da Silva estimule os brios e avive as recordações de um passado glorioso, impondo-
Mendes Leal (1820-1886), que ao longo da sua vida se veio a des- -se pela sua alta significação histórica ao respeito de nacionais e estrangeiros;
tacar como escritor, jornalista, diplomata e político, tendo nesta Reconhecendo-se que nenhuma outra corresponde a esse carácter sugestivo
última actividade desempenhado as funções de deputado, par e tradicional melhor do que a divisa adoptada pelo Infante D. Henrique, ini-
do Reino e Ministro dos Negócios Estrangeiros (1869-1870), con- ciador da nossa brilhante epopêa; Sua Magestade El-Rei, desejando consagrar
cluindo a sua carreira como ministro plenipotenciário de Portu- perenemente a recordação do quinto centenário do grande Infante com tanto
gal, primeiro em Madrid (1871-1874) e posteriormente em Paris explendor celebrado há pouco tempo pela cidade do Porto e pelo paiz inteiro,
(1874-1881). e aprazendo-lhe dar um novo
José da Silva Mendes testemunho de consideração
Leal foi nomeado Mi- pela marinha portugueza, re-
nistro da Marinha e Ul- Foto CTEN António Gonçalves presentante e leal depositaria
tramar a 21 de Fevereiro das mais eminentes tradi-
de 1862, cargo este que ções da história patria:
viria a exercer durante Manda, pelo conselho do
quase três anos, mais almirantado, que o lemma
precisamente até 12 de até hoje adoptado nos nossos
Dezembro de 1864. Do navios de guerra seja substi-
importante trabalho tuído pelas palavras Talent
desenvolvido sob a sua de bien faire, que ficarão
égide, destacam-se a d’ora avante sendo a divisa
profunda reorganização da marinha de guerra portu-
operada no ministério gueza devendo essa divisa
por si tutelado, a rees- ser inscrita, em todos os seus
truturação do ensino na navios em logar de honra e
Escola Naval, além da bem visível sobre a tolda e
criação do Banco Nacio- figurar, segundo a forma de-
nal Ultramarino (BNU), vidamente regulamentada,
que apesar de ter sede em Lisboa, a sua acção visava, no essen- nos brazões, emblemas, monografias e timbres da marinha de guerra».
cial, gerir, de forma integrada, todos os aspectos relacionados Ditosamente, afirmamos hoje, não foi na altura publicado qual-
com a política financeira e monetária para as distantes colónias quer diploma com vista a conferir carácter legal a esta proposta de
ultramarinas. alteração, o qual teria forçosamente que revogar a anterior portaria
Sendo considerado um dos escritores de referência do seu tem- de 1863. Por isso, continua presente a bordo de todos os navios da
po e contando com uma vasta obra publicada, é muito por força Marinha Portuguesa a célebre divisa nascida do espírito do Ministro
da portaria que abaixo transcrevemos que José da Silva Mendes José da Silva Mendes Leal exortando os Marinheiros neles embarca-
Leal ocupa hoje um lugar de destaque na história da Marinha dos a honrar o compromisso que assumiram para com a Pátria.
Portuguesa. É que apesar das inúmeras vicissitudes e alterações Não obstante, pelo menos a nível interno, esta decisão do Conse-
de regime que Portugal desde então para cá conheceu, há mais de lho do Almirantado haveria de fazer o seu percurso, constituindo
140 anos que o lema «A PATRIA HONRAE QUE A PATRIA VOS prova disso o facto da divisa do infante ainda hoje surgir «nos bra-
CONTEMPLA» perdura «no ponto mais visível» da ponte dos na- zões, emblemas, monografias e timbres da marinha de guerra».
vios da Marinha Portuguesa. Resta acrescentar que o navio-escola Sagres é actualmente o úni-
Em qualquer dos casos, na sequência da implantação da repú- co navio da Marinha Portuguesa que cumpre estritamente com o
blica em 1910, a base metálica onde se encontram estas palavras estipulado na referida portaria, que manda colocar a mencionada
passou a ostentar as duas cores da bandeira – o verde e o verme- inscrição no tombadilho, uma vez que nos restantes navios, pela
lho –, aqui em idênticas proporções. inexistência do castelo de popa, que é característica dos grandes
«Manda Sua Majestade El-Rei declarar ao conselheiro inspector do veleiros, regra geral esta divisa encontra-se aplicada na superstru-
arsenal da marinha, que sendo muito conveniente estimular por todos os tura da ponte.
modos os brios patrioticos e os nobres sentimentos, ha por bem ordenar Aliás, a bordo do navio-escola Sagres seriam dois os locais elei-
que immediatamente faça apromptar e assentar nos navios que tenham tos para acolher tão sublime divisa, ou seja, as duas rodas-do-leme,
tombadilho no vau d’este, e nos outros no ponto mais visivel da tolda, a ambas situadas no exterior do navio, no tombadilho. A principal,
seguinte inscripção em letras de metal bem visiveis = A PATRIA HON- localizada junto à agulha de governo, enquanto que a de emergên-
RAE QUE A PATRIA VOS CONTEMPLA! =. O que, pela secretaria cia se situa a ré da casa de navegação, colocada por ante a vante do
d’estado dos negocios da marinha e ultramar, se communica ao citado caixão que abriga o mecanismo do leme.
conselheiro inspector para sua intelligencia e devidos effeitos. Paço, em Z
20 de março de 1863 = José da Silva Mendes Leal». Nota: A palavra PATRIA é reproduzida conforme está no despacho.
4 JUNHO 2008 U REVISTA DA ARMADA