Page 231 - Revista da Armada
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que as condições de visibilidade vigentes esta- mais plausível o segundo caso: em primeiro mil e b xxiij em diamte em quamto nosa mercee for
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riam muito aquém do normal, podendo ain- lugar, não podemos esquecer que D. João III é quatro mil reaes de temça […]» .
da ter-se dado o caso do seu avistamento ter aclamado rei no dia 19 de Dezembro, o que De resto, um outro documento, datado de
sido feito já ao cair da noite. Não obstante, de significa, levando em conta a possibilidade 28 de Fevereiro do mesmo ano, escrito três se-
uma coisa estamos certos. A hipotética confu- de erro no dia do documento, que logo no manas depois deste que apresentámos, e onde
são motivada pela observação da costa sul da segundo dia de reinado o rei se encontrava João de Lisboa vê confirmada a sua nomeação
ilha de S. Lourenço e o consequente assumir preocupado em conceder mercês. Por outro para «patrão da navegação», alerta-nos para
de que se tratava de uma nova e pequena ilha, lado, este documento encontra-se integrado um outro facto muito curioso:
exige, no mínimo, dois pressupostos. Em pri- no registo que contém os documentos relati- «Dom João etc. A quantos esta nosa carta virem
meiro lugar, que as condições meteorológicas, vos a 1522. Julgamos, por isso, que o erro na fazemos saber que por parte de Joham de Lixboa
a distância e/ou a hora do dia não permitiram data terá sido cometido relativamente ao ano, caualeiro de nosa casa nos foy apresentada huma
reconhecer que se tratava da ilha de S. Louren- o que a ser como supomos, este deveria ter carta del rey meu senhor padre que santa groria [h]
ço. Por outro lado, e não menos importante, sido datado de 11 de Dezembro de 1522. aja […] o damos daquy em diamte por nosso patram
a bordo, e certamente fruto da avaliação do Avaliando a conjuntura e os benefícios con- asy e per a maneyra que o [h]auia Afonso Roĩz […]
piloto, acreditar-se-ia igualmente que o navio cedidos a João de Lisboa, faz todo o sentido e pedindo-nos o dito Joham de Lixboa por mercee
se encontrava por essa altura bem mais para que em primeiro lugar o novo monarca con- que lhe confirmasemos a dita carta e visto por nós
leste do que na realidade estava. E seu requerimento e querendo-lhe fazer
como se sabe, nesta época não ha- graça e merçee temos por bem e lhe lhe
via maneira de estimar com rigor o conferiramos a dita carta e [h]avemos
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valor da longitude, conhecida então por confirmada […]» .
como «altura leste-oeste». Arquivo CFR Semedo de Matos Como se pode constatar, João de
Três anos depois, mais concre- Lisboa é denominado cavaleiro da
tamente a 11 de Dezembro de casa de D. João III, o que não suce-
1521, João de Lisboa é nomeado, de no documento anterior, escrito
já por D. João III, para a função de no início do mesmo mês. Estranha-
«patrão da navegação da Índia e mente, este mesmo título não volta
mar oceano» com uma nova ten- a surgir em mais nenhum dos do-
ça anual de 4.000 reais, em conse- cumentos subsequentes. Em todo
quência do falecimento do piloto o caso, acreditamos que João de
Gonçalo Álvares. De referir que a Lisboa, pela sua magnífica folha de
presença deste último se encontra serviços como piloto, possa eventu-
confirmada como piloto da nau almente ter sido armado cavaleiro.
S. Gabriel, na primeira armada de O que a ter de facto acontecido,
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Vasco da Gama . aparentemente só pode ter tido lu-
«[…] fazemos saber que [h]auendo gar, também, neste mesmo mês de
nós respeitos ao muyto seruiço que Jo- Fevereiro de 1523.
ham de Lixboa nosso piloto moor nos Z
tem feito asy nas armadas em que até António Manuel Gonçalves
ora foy aas partes da Imdia, como em A ilha de João de Lisboa numa carta francesa de finais do século XVIII (1787). CTEN
outras que ffoy encarregado e deu de sy sempre fiell firmasse as tenças atribuídas pelo seu pai e Notas am.sailing@hotmail.com
e verdadeira comta que ao diamte asy o faça e que- só posteriormente se permitisse atribuir novos 1 São nossos todos os sublinhados que doravante apa-
remdo-lhe por todo fazer graça e merçee temos por cargos e benesses. Coerentemente, não causa recem nas transcrições. Cf. António Caetano de Sousa,
bem e o damos daquy em diamte por nosso patram grande admiração, que em 27 de Fevereiro de História Genealógica da Casa Real Portuguesa, tomo IV,
da navegaçam da Imdia e maar oceano asy e por a 1522, dois meses depois de subir ao trono, D. 1ª parte, p. 42.
2 Não existindo na documentação quaisquer outras
maneira que o ele deue ser e era Gonçallo Aluares João III tenha confirmado a tença de 10.000 referências às navegações de João de Lisboa para portos
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[…] e [h]aja de nós com o dito patroã diguo quatro reais, atribuída por D. Manuel . do norte de África, ainda assim acreditamos, como refe-
mill reaes em cada hum anno de Janeiro que vem Seguindo esta linha de raciocínio, só no final riremos na cronologia a apresentar no próximo número,
de mil b e xxij em diante […] dada em Lixboa aos do ano João de Lisboa terá efectivamente sido que estas paragens não constituíam novidade para ele. O
xi de Dezembro Antonio Afomso a fez ano de mil nomeado «patrão da navegação da Índia e mar que pensamos estar implícito nas palavras de D. Jaime,
pela avaliação serena que faz acerca da forma como o
b e xxj anos» . oceano», com a correspondente tença anual, piloto levou os navios a bom porto.
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Após uma leitura atenta, verifica-se que a de acordo com a solução apresentada. 3 Livro de Marinharia de João de Lisboa, fl. 9, verso.
data acima encerra uma contradição. É que Como se pode inferir pelos documentos 4 Gaspar Correia, Lendas da Índia, tomo II, p. 628.
no dia 11 de Dezembro ainda D. Manuel apresentados, que atestam as suas promoções 5 6 Livro XLIV das Doações de D. Manuel, fl. 32 verso.
era vivo, pois só faleceu dois dias depois, a acompanhadas pela correspondente compen- 7 Cf. João Vidago, op. cit., p. 33.
Cf. Brito Rebelo, op. cit., p. LXXVI.
13 desse mesmo mês, embora o documento sação financeira, João de Lisboa seria um pilo- 8 Livro III das Doações de D. João III, fl. 22.
apareça inserido na documentação relativa ao to consagrado e de méritos plenamente reco- 9 Actual ilha de Madagáscar.
reinado de D. João III. Simultaneamente, não nhecidos no seu mester, por alturas do início 10 De acordo com a pesquisa que efectuámos na Portu-
nos parece razoável que às vésperas da morte do reinado de D. João III. galiae Monumenta Cartographica, esta ilha aparece pela
primeira vez na carta anónima atribuida a Jorge Reinel,
D. Manuel tenha mandado passar este docu- Sem grande surpresa, no ano seguinte, a 6 c. 1519, vol. I, estampa 12.
mento, sendo mais tarde lançado nos livros de Fevereiro de 1523, é-lhe concedida uma 11 Recordamos, em contra-ponto, o valor excepcional-
de registo do reinado do seu sucessor. Não nova tença no valor 4.000 reais: mente rigoroso da latitude do cabo de Santa Maria, ao
parecendo existir qualquer erro no texto, jul- «[…] que [h]auendo respeito aos seruiços que Jo- que tudo indica obtido por João de Lisboa.
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Cf. Luís Adão da Fonseca, Vasco da Gama – o Ho-
gamos que só a data do mesmo pode encerrar ham de Lixboa nosso patram tem feitos a el Rey meu mem, a Viagem, a Época, p. 88.
a chave para uma solução consentânea com senhor e padre que samta groria [h]aja e aos que nos 13 Livro LI das Doações de D. João III, fl. 28 verso.
a realidade. Segundo Brito Rebelo, «o erro po- ele outrosy tem feito e esperamos que ao diamte nos 14 Brito Rebelo, «O piloto João de Lisboa», O Occiden-
rém póde dar-se ou no dia, e ter o copista escripto xi fará e queremdo-lhe fazer graça e mercee temos por te – Revista Illustrada de Portugal e do estrangeiro, vol. II,
em logar de xxi, ou no anno, e transcrever xxj em bem e queremos e nnos [a]praz que ele tenha e [h]aja número 26, p. 14.
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Livro LI das Doações de D. João III, fl. 37.
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vez de xxij» . Pelas razões que seguidamente de nós a temça em cada hum año des[de] o primeiro 16 Livro III das Doações de D. João III, fl. 21 verso.
apontamos, consideramos desde logo muito dia de Janeiro que ora pasou desta presemte era de 17 Livro III das Doações de D. João III, fl. 22.
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2008 13