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Mas no horizonte sopram, já, ventos de dos ataques de corsários ingleses e holande- faz tudo para o reter em Lisboa quando, em
mudança: a 15 de Fevereiro de 1641, uma ses a navegação entre Portugal e o Brasil, mui- 1644, recebe ordem de regresso ao Brasil. Ofe-
caravela traz à Baía a notícia de que a dinas- to provavelmente inspirado nas companhias rece-lhe, primeiro, um bispado, que o jesuíta
tia dos Filipes tinha sido deposta em Lisboa. das Índias holandesas (e tanto assim é que recusa com humildade, e acaba por nomeá-lo
Doze dias depois, parte para Portugal uma mais tarde viria a propor a criação de uma Pregador da Corte e Confessor Real. Esta ben-
delegação encabeçada por D. Fernando de segunda companhia, desta vez para as índias querença é fortemente retribuída com a pro-
Mascarenhas, filho do Vice-Rei, que vai re- orientais). Nem a condução das operações gressiva equiparação de D. João IV ao desa-
conhecer e prestar homenagem parecido D. Sebastião, surgindo
ao novo monarca, D. João IV. o Monarca como um novo sal-
Nela seguem os dois jesuítas vador da Pátria e – mais do que
mais prestigiados da Baía, Si- isso – um redentor da Humani-
mão de Vasconcelos e António dade (note-se que esta ideia era,
Vieira, que inicia a sua segunda na altura, partilhada por mui-
travessia do Atlântico. Fá-lo-ia tos portugueses). Na mente de
ainda mais cinco vezes ao lon- Vieira começa, já, a desenhar-se
go da vida. a ideia do Quinto Império, que
muito irá dar que falar.
ENVOLVIMENTO NA Entretanto, a sua sensibilida-
POLÍTICA DO REINO de para assuntos de estado, as-
sim como o seu conhecimento
Devido ao mau tempo, o na- da realidade ultramarina e da
vio em que seguem desarvora mentalidade do adversário ho-
e é forçado a arribar a Peniche, landês, valem-lhe a nomeação
onde os recém-chegados, possi- como conselheiro particular do
velmente tomados por agentes Rei, além da incumbência de al-
ao serviço do Rei de Espanha, gumas delicadas e espinhosas
e
são atacados por uma multidão Catedral de Salvador da Baía, antiga igreja do colégio dos jesuítas, onde o P. António missões diplomáticas que vi-
em fúria. Valeu-lhes, na altura, a Vieira proferiu os seus primeiros sermões. sam o reconhecimento da inde-
intervenção do comandante da praça, Conde militares da guerra da Restauração escapa à pendência de Portugal pelos seus parceiros
de Atouguia , e o refúgio nas instalações da sua sagaz opinião, segundo a qual os esfor- europeus e a angariação de apoios contra a
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Companhia de Jesus até o mal-entendido ter ços deveriam ser concentrados na defesa do Espanha .
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sido esclarecido. território nacional, evitando o desperdício de Esta última actividade – a título não oficial
Uma vez em Lisboa, Vieira é apresentado a energia com ataques para lá da fronteira. - inicia-a em 1646, quando é enviado à Holan-
D. João IV, que logo se mostra encantado com Colocado sob as suspeitas da Inquisição, da para marcar posição na Paz de Vestefália
as qualidades pessoais do sacerdote. Convida- a quem não passam despercebidas as suas (que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos) entre
do a pregar na Capela Real, este não deixa os simpatias pelos cristãos-novos, e incorrendo as coroas holandesa e espanhola e negociar a
seus créditos por mãos alheias, impres- compra de Pernambuco aos holandeses
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sionando vivamente a sua nova audiên- (uma ideia sua , que lhe valeria algumas
cia. Na ocasião, a sua voz sensata serviu acusações de traição). Não obtém suces-
para apelar ao patriotismo, apaziguando so em nenhuma destas missões, pois as
os ânimos relativamente à sobrecarga de negociações entre holandeses e espa-
impostos motivada pela guerra contra nhóis vão já muito adiantadas, enquan-
Castela. Torna-se amigo pessoal do rei e to a eventual cedência de Pernambuco
não se coíbe de lhe expor a sua própria só seria considerada a troco de uma ele-
concepção política, apresentando-lhe o vadíssima soma, incomportável para o
seu plano de recuperação económica do Governo Português. Não baixa, porém,
Reino, baseado, entre outras medidas, no os braços e logo trata de buscar finan-
apoio dos judeus e cristãos-novos exila- ciamentos junto da comunidade judai-
dos na Europa, sobretudo na Holanda ca. Em resposta, esta fá-lo portador de
(que soubera aproveitar muito bem os uma carta de exigências - possivelmente
capitais e os conhecimentos deste grupo, com a sua chancela – para a Coroa Por-
ao contrário de Portugal, que irresponsa- tuguesa. D. João IV até se mostra dispos-
velmente os desbaratava). A contraparti- to a fazer concessões mas as influências
da desta ajuda financeira seria a conces- da Corte e do Santo Ofício inviabilizam
são de liberdade de culto aos judeus em qualquer possibilidade de negociação.
Portugal e a suspensão das confiscações Em Agosto de 1647 inicia nova missão,
de bens de que eram sumariamente alvo desta vez em França, junto do Cardeal
os cristãos-novos quando detidos para Mazarino, com quem tenta negociar o
interrogatório nos cárceres inquisitoriais, casamento do herdeiro da coroa, D. Teo-
mesmo antes de terem culpa formada. Se dósio, com Mlle. De Monpensier, filha
a primeira intenção era, talvez, demasia- do Duque de Orleães. Mas o Primeiro-
do ambiciosa para o tempo que se vivia, -Ministro francês não se mostra muito
e
já a segunda logrou obter cobertura por O P. António Vieira numa gravura a buril feita em Roma por receptivo à proposta, mesmo estando
meio de um alvará real, o que originou Arnoldo Van Westerhout. nela incluída a oferta do rico bispado
acesos protestos por parte dos inquisidores, no desagrado da Companhia de Jesus, que de Évora e a entrega da regência de Portugal
que viam, assim, cortada uma parte dos seus reprova o seu envolvimento na política mun- ao Duque de Orleães (em desespero de cau-
rendimentos. dana (e teme represálias por parte do Santo sa, o Rei considerava a hipótese de retirar-se
Noutra vertente, preconiza a criação de Ofício), o enérgico padre encontra-se protegi- para o Brasil).
uma companhia de comércio para proteger do pela amizade e pela confiança do Rei, que A 22 de Novembro do mesmo ano, re-
18 JULHO 2008 U REVISTA DA ARMADA