Page 354 - Revista da Armada

A MARINHA NA 1ª FASE DA GUERRA EM ANGOLA
A MARINHA NA 1ª FASE DA GUERRA EM ANGOLA

sempre oportuno emendar um revistas ou obras patrocinadas pela própria São, pois, fantasiosas as pretensas aterra-
erro, em especial quando invo- Força Aérea, com todo o cariz de versão mi- gens antes dessa hora. Depois, aterraram
É luntário. Vem isto a propósito do litar oficial, pelo que assim serão havidos aviões provenientes da BA9 (cap. Mascare-
artigo “A MARINHA NA 1ª FASE DA definitivamente, se não forem corrigidos a nhas, por ex.), do AB3 (o ten. Negrão, por
GUERRA DE ANGOLA”, recentemen- tempo, que é ração de que alguns de nós, já ex., voltou lá á tarde), aviões civis com o
te publicado por esta Revista, no qual, estão pouco abonados...Devo confessar que Eng. Jorge Jardim, com o coronel pára Vi-
mencionei um facto ocorrido no início um desses desastrados autores fui eu pró- deira etc. etc., alguns dos quais também vie-
da guerra de Angola : a aterragem de prio, (MAIS ALTO, n.º 228), ao dar como ram aterrar ao Negaje.
um avião da FAP, em Mucaba, na altura verdadeiras certas ocorrências que não pre- Aceite este depoimento com base na
em que a povoação estava a ser atacada senciei mas que credulamente respiguei confiança que obviamente merece, e na
pela UPA. Tal referência visava apenas de publicações que presumi de fidedignas. ausência de prova de igual mérito que
servir de contraponto á acção da Força Quanto à segunda devo prevenir os Leitores o venha a pôr em causa, forçoso é con-
de Desembarque da Fragata Nuno Tris- de que pus de parte tudo o que se escreveu cluir que o facto, citado por algumas
tão, manifestamente mais discreta e de sobre o evento, em jornais, revistas, ou li- fontes, da aterragem de um DO 27 em
natureza rotineira. vros, porque, com o intento de produzir ma- Mucaba durante o ataque á povoação,
Tendo tido conhecimento de que ha- téria sã e ilesa, acostei-me apenas “àqueles não terá ocorrido nem na altura nem da
via imprecisões naquele texto, voltei a que viram as coisas”, isto e, só confiei em forma descrita nessas fontes, havendo
conferir as fontes que citara, e consul- mim próprio, nos camaradas ou nos civis discordâncias, por certo involuntárias,
tei outras cuja existência desconhecia. que tornaram parte nas operações de socorro entre o que ali se diz e o que realmente
Numa destas, encontrei uma citação de a Mucaba, ou naqueles que estiveram toda a se passou. O que realmente aconteceu
Fernão Lopes, que não posso deixar de noite trancados na Capela da povoação, ou foi que nos dias que antecederam o ata-
transcrever, pois se aplica plenamente a lá moraram imediatamente antes ou depois, que a Mucaba o único piloto autorizado
este caso. Dizia o seguinte:“Antigamente, para saberem bem o que se passou. Para isso, a aterrar na pista improvisada de Muca-
ninguém se atrevia a escrever história, sal- juntei ao que claramente vi no Negaje e no ba era o tenente Negrão, que por duas
vo aquele que visse as coisas, ou que delas Mucaba, os depoimentos orais ou escritos de vezes ali foi, num Auster D-160, levar
houvesse perfeito conhecimento, porque a outros intervenientes sobrevivos, cotejei as gasóleo para alimentar o gerador que
História há-de ser luz da verdade e teste- informações entre si, voltei a telefonar ou a permitia iluminar o terreno capinado
munha dos antigos tempos”. Ora eu tinha- escrever as vezes que foram necessárias para que circundava a Capela. Ao entardecer
-me atrevido a “escrever sem que visse as desfazer todas as discordâncias e para, por da véspera do ataque nocturno, Negrão
coisas”: acerca delas, pouco mais sabia mais preconceituoso que venha a ser consi- voltou a Mucaba levando um “reforço
para alem do que li e da recordação das derado, poder alimentar a pretensão de ter militar” – constituído por um cabo ati-
horas angustiosas vividas por quem es- redigido um relato que seja reconhecido con- rador e uma praça indígena do batalhão
tava em Angola em 1961, quando o P-19 cordantemente como a autêntica certidão do de Infantaria de Carmona !...
deixou de dar noticias e se julgou con- acontecido dentro e fora da Capela do Mu- Resulta do que antecede que o reparo
sumado o morticínio dos defensores. caba, em fins de Abril de 1961. Todavia, se feito ao que escrevi tinha toda a razão de
de Mucaba. algo ainda falhou, apesar de todo o cuidado ser, pelo que gostaria de o rectificar, es-
De tudo o que agora li impressionou- e empenho havidos, que apareça a correcção clarecendo que o ultimo avião a aterrar
-me bastante o depoimento do Coronel para ser publicada, enquanto é tempo. E ago- em Mucaba antes do ataque , e o primei-
Pil. Av. Soares de Moura, que consta de ra, a derradeira fiança de verdade: este tra- ro a fazê-lo depois deste, foi o Auster
um texto com o título MUCABA - Uma balho foi visto, revisto e ratificado, na parte do tenente Negrão, nas circunstâncias
Certidão Narrativa. Nele diz esse autor: que a cada um concerne, pelos gen. Galvão que ficaram relatadas. Estas aterragens,
“Houve duas razões que me empurraram de Melo, gen. Silva Cardoso, cor. Côrte-Real numa pista desnivelada e com obstá-
para a escrita das páginas que vão seguir- Negrão, cor. Rodrigues Mansilha, cap. Cos- culos, sob condições de tempo adver-
-se. A primeira nasceu da mágoa, quase de- ta Anjos, intendente Hermínio Carvalho de sas e em circunstâncias proibidas pela
salento, que me invadia sempre que repas- Sena, Adolfo Baganha, Fernando Baganha, segurança de voo (mas que era preciso
sava, por um ou outro motivo, as folhas dos Domingos Brás, António Brás (dois irmãos efectuar por imperiosa necessidade de
livros, revistas ou jornais que se publicaram defensores da Capela) e ainda por Armando serviço) foram actos arrojados, bem de-
sobre os acontecimentos dos primeiros meses Leite Teixeira e Octávio Alves Correia, dois monstrativos da coragem e sentido de
da guerra de Angola e, em particular, sobre residentes no Mucaba, embora ausentes na- dever de quem os praticou.
o ataque e consequente defesa da Capela do quela noite”. Não houve, portanto, nenhuma ater-
Mucaba, em fins de Abril de 1961, que foi Um trabalho elaborado com este pro- ragem durante o ataque, mas apenas as
o mais mediático episódio de então. Porque pósito e nestas condições merece todo acima referidas, pouco antes e pouco de-
tive acção directa sobre uma parte das ope- o crédito, presumindo-se que é uma pois da ocorrência deste
rações que se realizaram, quer como comba- descrição mais exacta do que as apre- Impunha-se esta rectificação, para re-
tente activo em terra, quer como responsável sentadas por quem não participou ou por a verdade, “dando a cada um aqui-
no campo das decisões e na distribuição das presenciou os acontecimentos. Soares lo que é seu”: aos leitores da R. A., a in-
tarefas e meios aéreos às tripulações por ser, de Moura descreve minuciosamente os formação rigorosa a que têm direito ;
ao tempo, o comandante do Aeródromo-Base factos de que foi protagonista, e aqueles ao (então) tenente Corte Real Negrão, o
º
n. 3 (AB 3), mais correntemente conhecido de que teve conhecimento posterior. Ci- reconhecimento expresso do mérito pe-
por base do Negaje - a unidade aérea mais tando Hermínio Sena, (que, como é sa- los corajosos actos que, em 1961, pra-
próxima do Mucaba - descorçoavam-me pro- bido, desempenhou um papel central e ticou em terras de Angola e pelo quais
fundamente todas as imprecisões, erros e até decisivo na defesa de Mucaba), esclare- veio a ser promovido por distinção ao
fantasias que ia lendo. Nunca lhes atribuí ce que este “lhe asseverou que o primeiro posto imediato.
intenção maldosa -- isso não -- mas o cer- avião a aterrar, um Auster, cerca das 08.00 Z
to é que alguns desses relatos se contêm em horas da amanhã, foi o do tenente Negrão. Comandante G. Conceição Silva

28 NOVEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA