Page 6 - Revista da Armada
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Além disso, alguns desses sectores possuem um elevado potencial         Um investimento no nosso futuro e na nossa identidade, o qual terá
de crescimento, sendo importante aí referir o turismo náutico, a náuti-   que ser pensado a longo prazo, como aconteceu no passado, nomea-
ca de recreio, a aquicultura, o transporte marítimo de curta distância,   damente durante a expansão marítima, em que a vontade nacional se
as energias renováveis e a exploração de minerais, de hidrocarbonetos     aliou ao planeamento cuidado e aos recursos necessários para garan-
e de produtos de biotecnologia.                                           tir o seu sucesso.

  O efeito multiplicador das actividades económicas ligadas ao mar,         De facto, só se pode tirar partido do mar com visão e planeamento
associado ao forte potencial de crescimento de boa parte delas, leva-     estratégico, qualidades nem sempre presentes na nossa maneira de
ram estudos recentes a estimar que, daqui a 15 anos, o hypercluster       ser, mas que trazem proventos assinaláveis quando combinadas na
do mar possa contribuir com cerca de 10 a 12% do PIB e do emprego         medida certa.
nacionais, o que equivalerá a cerca de 20 a 25 mil milhões de Euros e
a mais de meio milhão de empregos. As oportunidades estão aqui; à           Perante o mar, o improviso nunca é solução! Necessitamos, o País
nossa [vossa] frente.                                                     necessita, de planeamento e de investimento a longo prazo, no sen-
                                                                          tido de edificar e de sustentar os diversos vectores essenciais a uma
  Porém, para as podermos aproveitar, é preciso que tenhamos per-         nação marítima: investigação & desenvolvimento com criatividade,
feita consciência de que o crescente papel dos oceanos na economia        universidades estimuladoras da inovação e do empreendedorismo,
actual elevou, proporcionalmente, a importância das questões secu-        uma indústria naval produtiva e rentável, uma Marinha Mercante
ritárias ligadas ao mar – hoje por hoje essenciais à estabilidade global  activa e profícua, uma Marinha de Pesca empreendedora e proveito-
e também à portuguesa. De facto, as ameaças directas ao uso do mar        sa, uma Marinha de Recreio diversificada e útil e, certamente, uma
e as que dele tiram partido têm-se multiplicado e apresentam-se de        Marinha de Guerra moderna e eficaz.
diversas formas, entre as
quais o terrorismo, a pira-                                                                                                Uma Marinha de Guer-
taria, a proliferação de ar-                                                                                            ra, a vossa Marinha, capaz
mamento, as traficâncias, a                                                                                             de garantir a segurança,
imigração ilegal, a depre-                                                                                              indispensável para se po-
dação de recursos vivos                                                                                                 der usar o mar de acordo
e não vivos e a poluição                                                                                                com as necessidades e as
do mar. Se não forem efi-                                                                                               exigências do País, pois a
cazmente combatidas no                                                                                                  segurança é um requisi-
mar, estas ameaças porão                                                                                                to fundamental à criação
em causa muitas das ba-                                                                                                 e manutenção de um cli-
ses em que assenta a nossa                                                                                              ma de confiança, em que
vida quotidiana e o nosso                                                                                               assentam a actividade
bem-estar. Poderão, por                                                                                                 económica e o progresso
exemplo, afectar grave-                                                                                                 nacional.
mente a nossa segurança
energética, já que é por via                                                                                               Nesse âmbito, é impera-
marítima que recebemos                                                                                                  tivo que o País possua uma
a totalidade do petróleo e                                                                                              Marinha capaz de promo-
cerca de 60% do gás natu-                                                                                               ver a segurança marítima,
ral que consumimos.                                                                                                     de combater as ameaças
                                                                                                                        no mar e de mitigar os ris-
  Todos dependemos,                                                                                                     cos que impendem sobre
pois, da manutenção do                                                                                                  o livre comércio maríti-
regular fluxo do tráfego                                                                                                mo e a exploração pacífica
marítimo. Isso implica                                                                                                  e ordeira do património
uma atitude proactiva de                                                                                                oceânico.
presença, de dissuasão, de
vigilância, de fiscalização                                                                                                Estes são desideratos
e de combate às ameaças,                                                                                                que necessitam da colabo-
que assegure a liberdade                                                                                                ração de todos, a começar
de navegação e a explora-                                                                                               pela dos homens e mu-
ção criteriosa do nosso património marítimo.                                                                            lheres do mar, pois o mar
                                                                                                                        é um meio duro e agreste,
  Finalmente, o mar tem para nós, portugueses, e para a Marinha em        que não perdoa a quem não o respeita!
particular, uma importância sociológica e cultural enorme, tendo-se         Um dos grandes navegantes do séc. XX – expressou-o de forma elo-
constituído ao longo da nossa História como um dos principais ele-        quente ao afirmar que navegar não é uma actividade própria para im-
mentos forjadores da identidade nacional. De facto, mantemos com          postores. Segundo ele, em muitas profissões pode-se enganar ou fazer
ele uma relação íntima e permanente, a qual confere à cultura do nos-     bluff com impunidade, mas isso não é possível nas profissões do mar,
so povo um carácter eminentemente marítimo, que influencia direc-         em que é necessário saber o que se faz e tomar todos os cuidados. Só
tamente a mentalidade e a vontade nacionais.                              assim é possível salvaguardar “os que andam sobre as ondas, suspen-
                                                                          sos por um fio” como bem definiu o poeta Sebastião da Gama referin-
  Foi essa relação privilegiada que permitiu ao longo dos séculos resol-  do-se aos marinheiros.
ver as nossas “apoquentações” e deixou o legado de uma língua univer-       Aqui, nesta cidade que também é terra de pescadores, exorto, pois,
sal, partilhada por 8 países que também têm em comum o mar.               todos os homens do mar e também os veraneantes a nunca facilitarem
                                                                          na sua relação com o oceano. A vossa Marinha estará sempre alerta
  Como bem notou Virgílio Ferreira, ao escrever: “Da minha língua         para responder prontamente a qualquer situação de perigo no mar,
vê-se o mar”. …Ouve-se o seu rumor. Por isso a voz do mar foi (é) a       num esforço muito gratificante e que nos honra particularmente: o
da nossa inquietação.                                                     de salvar vidas. Todavia, cabe a cada um minimizar os riscos e tomar
                                                                          todas as precauções para que o mar seja um aliado na busca de bem-
  Hoje os descobrimentos são aqui; no nosso mar.                          -estar e não um cenário de tragédias.
  Porque ele é, muito claramente, o nosso factor físico com maior po-       AMarinha desempenha, em paralelo com a sua missão Constitucio-
tencial de desenvolvimento. Dessa forma, parece-me inegável que to-       nal e primária de contribuir para a defesa militar do País, um largo es-
dos os recursos nele dispendidos correspondem, não a uma despesa,         pectro de tarefas de âmbito não militar, que incluem, entre outras, as já
mas antes a um investimento. Como tem, aliás, sido reconhecido pe-
los decisores políticos ao apostarem na renovação da nossa marinha.
6 Junho 2010 • Revista da aRmada
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