Page 14 - Revista da Armada

ouvir este texto no maior silêncio e com o maior res- sempre o fizeram e continuarão a fazer porque sabem geamos, e que vos vai falar. Oiçam as suas palavras.
peito. Vão descobrir nele o Portugal nobre, que dá e sentem que a família é um dos pilares essenciais de Meditem nelas e no seu significado. É que as mães
valor à honra e à verdade, corajoso, e que continua uma sociedade de princípios e valores. e mulheres dos combatentes, pelo papel essencial e
a existir, por muito que nos custe a acreditar. Cabe insubstituível que desempenham na construção e
a nós fazê-lo despertar, para que não mais se tenha Por isso, também hoje e aqui, queremos home- equilíbrio da família, também muito podem fazer por
vergonhadefalaremPátriaouemPatriotismo. Bas- nagear a Mãe e a Mulher do combatente, fontes um Portugal melhor, que fale verdade, um Portugal
ta quebrar o silêncio dos bons. Basta lembrarmo-nos da sua força, referências para a sua acção e impor- de princípios, e de dignidade, um Portugal de espe-
de que somos perto de um milhão. E acreditaremos tantes pilares da família militar, tão esquecida, tão rança, de valores, de ética, e de que todos nos pos-
que esta tarefa é possível. ignorada, por uma teimosa recusa em aceitar o seu samos orgulhar. Por isso, também é tão importante
importante papel. Ela constitui parte do segredo da contarmos convosco.
COMBATENTES estabilidade emocional necessária ao combatente.
Todos nós, quando estávamos em missão, tínha- Ela é a segurança dos vivos, o imprescindível apoio COMBATENTES DE ONTEM, DE HOJE E
mos sempre alguém que nunca nos esquecia e que dos que ficaram deficientes, a única alternativa para DE AMANHÃ
também sofria, embora de forma diferente, a nossa cuidar dos filhos dos que, em missão, antes do tem-
decisão de ter aceite ser combatente. Anossa família, po já nos deixaram. Termino como comecei. A vossa missão não aca-
mas muito particularmente as nossas mães e as nos- bou. Portugal continua e continuará sempre a pre-
sas mulheres, no seu silêncio, sempre de forma dis- Esta homenagem à Mãe e Mulher do combatente, cisar de vós. Saibamos honrar os que se sacrificaram
creta, viviam sofridamente, certamente com enorme neste dia de Portugal de 2010, será feita através da por Portugal.
angústia, o dia-a-dia dos seus filhos ou maridos. E presença nesta cerimónia da Senhora Dona Maria
do Carmo de Oliveira e Carmo, viúva do Senhor VIVA PORTUGAL
Comandante Oliveira e Carmo, que hoje homena- 

O último combate da “Vega”

Descrição pelo VALM Pires Neves

Alancha Vega, comandada pelo Segundo- mo suspendeu ferro dirigindo-se novamente Despediram-se, beijaram os retratos da
Tenente Jorge Manuel Catalão de Oliveira e ao navio intruso, agora a duas milhas de dis- família, que guardaram nos bolsos do uni-
Carmo, tinha oito homens de guarnição, 17 tância; era um cruzador com a bandeira de forme. Às sete e trinta voltaram dois jactos
metros de comprimento, deslocava 18 tone- combate bem visível no mastro e a bandeira indianos a atacar a fortaleza. “Fogo nesse, Fer-
ladas e estava armada com uma metralha- da União Indiana içada a ré. reira, dá-lhe!”, ordenou o comandante ao ma-
dora de 20 mm. O choque estava por pouco. O Comandan- rinheiro artilheiro.
Naquele 17 de Dezembro de 1961, na Ín- te ordenou que se voltasse ao fundeadouro Começara a desigual batalha, com a peça
dia Portuguesa, aguardava-se o ataque da inicial e fardou-se de branco na pequena câ- de 20 mm procurando e respondendo, inces-
União Indiana a Diu.AVega saiu sante, ao fogo dos aviões. Até
do porto e fundeou em Nagoá, pe- que uma rajada varreu a Vega
las dez da noite. Pela uma hora e de estibordo a bombordo e ma-
quarenta minutos da madrugada tou o marinheiro artilheiro An-
de 18, ouviram-se disparos em tónio Ferreira que recarregava a
terra. O Comandante Oliveira e metralhadora; e cortou a meio,
Carmo ordenou à sua guarnição pelas pernas, o comandante
que ocupasse postos de combate Oliveira e Carmo.
e a lancha levantou ferro. Um incêndio deflagrara na
O radar, posicionado na escala casa das máquinas e rapida-
das vinte e quatro milhas, reve- mente se estendera à ponte e a
lou um grande navio navegando pequena lancha, a arder, com
em ocultação de luzes, a uma dis- os motores avariados pelo fogo
tância de cerca de doze milhas da inimigo, teve que ser abando-
costa. Oliveira e Carmo reduziu a nada. Agonizante, o Coman-
velocidade e a Vega aproximou- dante beijou o retrato da mu-
se da lancha Folque também lher e do filho. Os sobreviventes
ela em missão de soberania nas O VALM Pires Neves e dois sobreviventes do combate da “Vega”. tentaram arrear o bote, levando

águas de Diu. mara, preparando-se para, segundo ele, lutar com eles os feridos.
O navio desconhecido - provavelmente e morrer com mais honra, conforme as tradições Novo ataque dos aviões: desta vez, a raja-
hostil - continuava a sua rota, estando agora da Marinha de Guerra. da atingiu Oliveira e Carmo no peito e ma-
apenas a milha e meia de distância da Vega, Eram sete horas. Jactos inimigos bom- tou-o. O grumete-artilheiro Ramos foi ferido
que por ordem do comandante navegava na bardeavam a cidade e a fortaleza, um rádio na perna esquerda, o marinheiro-telegrafista
sua direcção. portátil transmitia o programa Alvorada Mu- Costa no ombro e nas costas; o marinheiro-
Entretanto a Vega abordara a Folque e a sical. Mas logo a seguir a Emissora de Goa artilheiro Aníbal Jardim, viu a perna esquer-
sua guarnição embarcara no navio de Oliveira calou-se. da cortada pela canela; os três marinheiros
e Carmo, sendo depois a Folque abandona- O Comandante leu à pequena guarnição incólumes trataram de socorrer os seus ca-
da e inutilizada. uma mensagem do Estado-Maior da Arma- maradas feridos, empurrando-os para uma
O navio inimigo - identificado como um da, ordenando a resistência e o combate até balsa, pois o escaler, furado pelos disparos,
cruzador - abriu então fogo de metralhadora ao limite. estava a afundar-se.
pesada, o que levou a Vega a rumar em di- Oliveira e Carmo fechou o comunicado À deriva, enquanto rebentavam as mu-
recção a Diu e a fundear junto da Fortaleza, com estas palavras: “Rapazes sei que vocês vão nições, com estrondo, lançando colunas de
onde desembarcou a guarnição da Folque, cumprir, assim como eu… E que mais vós quereis! fumo para o ar, afastando-se e deixando a
mais dois elementos da Vega, com missões Acabarmos numa batalha aero-naval. Fizemos par- água entrar aos bordos, a Vega sumiu-se nas
específicas. te da defesa de Diu e da Pátria e vamos cumprir até águas do Índico, e com ela os corpos sem vida
Às seis e quinze da manhã Oliveira e Car- ao último homem e à última bala se possível”. de Oliveira e Carmo e do marinheiro artilhei-

14 AGOSTO 2010 • Revista da aRmada