Page 23 - Revista da Armada
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A Marinha na Primeira República (1910-1926)
A Armada Gloriosa
De Guarda Pretoriana a Força de Inovação Tecnológica
2ª PARTE
Vimos na primeira parte deste artigo Em 1915 a Marinha revolta-se novamente
como surge durante a Primeira Re- em Lisboa, expulsando do poder o General Em 19 de Outubro de 1921, naquela que
pública uma notável geração de ofi- Pimenta de Castro que governava o país em ficou conhecida como a “Noite Sangrenta”,
um golpe urdido por marinheiros com a cola-
ciais. Um dos aspectos mais curiosos é que a ditadura. As forças da Marinha, lideradas a boração da GNR (a força militar que emerge
maioria desses oficiais é ainda relativamen- partir do cruzador “Vasco da Gama”, pelo neste período final da República), cuja face
te jovem em 1910, com a “modesta” patente Comandante Leotte do Rego, dominaram mais visível é o cabo da Marinha, Olímpio,
de primeiro e segundo-tenente. Mas é tanto mais uma vez as ruas de Lisboa e o Tejo. Esta a quem chamam o “dente de ouro”, são exe-
mais notável o facto desses oficiais subal- foi uma revolta que teve como objectivo pre- cutados no Arsenal o Chefe do Governo,
ternos passarem a ter um peso anormal nas cipitar a beligerância de Portugal na Grande António Granjo, o Comandante Freitas da
estruturas da Marinha, em face do respeito Guerra, na qual muitos dos oficiais que não Silva, ex-Secretário do Ministro da Marinha,
que ganham, não só dos seus superiores hie- participaram no Cinco de Outubro, tiveram o Coronel Botelho de Vasconcelos, apoian-
rárquicos, como do Governo da República. É um papel proeminente. Cita-se a título de te, comandante das forças sidonistas na Ro-
essa geração que com a sua criatividade e ir- exemplo os Primeiros-tenentes Pereira da Sil- tunda em Dezembro de 1917, alguns dos
reverência intelectual irá pensar o Poder Na- va, que conduz preso o General Pimenta de dirigentes políticos que tinham dado o seu
val português, as suas apoio a Sidónio Paes,
missões e meios a empe- entre os quais Machado
nhar, para os cinquenta Santos, já com a patente
anos seguintes.As refor- de almirante, executado
mas que, entretanto, se na Avenida Almirante
colocam em prática na Reis, quando a camione-
Marinha reestruturam ta que o transportava se
por completo a sua orga- avariou e José Carlos da
nização interna, os seus Maia, capitão-de-mar-
meios, infra-estruturas -e-guerra, já no Arsenal.
e quadro de pessoal. To- Esta é a última acção de
das essas alterações são grande relevância em
motivadas não só pelos que a Marinha participa,
avanços tecnológicos e até ao final da Primeira
pelo aumento ao efecti- República. O golpe sur-
vo de novas unidades ge como uma purga em
navais, como também relação aos que haviam
pela vontade de mudan- participado na ditadu-
ça que reina no interior ra sidonista e aos que
da própria Instituição. Vista do Arsenal da Marinha no príncipio do Séc. XX. se mostravam contra o
Castro a bordo do “Vasco da Gama”, e Nu- Partido Democrático.
III. A ACÇÃO DA MARINHA NA nes Ribeiro, um dos líderes das forças acan- A “Nova República Velha” (1919-1926),
POLÍTICA INTERNA tonadas no Arsenal da Marinha. conhecerá a disputa entre os bonzos do Par-
Em Dezembro de1917, a Marinha é a única tido Democrático, os canhotos de Domingos
A Marinha torna-se uma força decisiva forçamilitaraenfrentaroExércitocomandado dos Santos e uma complexa galáxia de for-
na política interna desde 5 de Outubro de por Sidónio Paes. O “Vasco da Gama” revolta- mações políticas, que iam da direita conser-
1910. A revolução republicana marca, preci- -se mais uma vez em Janeiro de 1918, mas pe- vadora e nacionalista, passando pelo anar-
samente, o início desse protagonismo, que é rante a artilharia sidonista estacionada no alto quismo e comunismo até aos monárquicos,
explicado pelo controlo do rio Tejo, através do Castelo de S. Jorge, é obrigado a render-se e não terá capacidade, nem a força necessária,
dos navios e das instalações ribeirinhas de Leotte do Rêgo, Comandante da Divisão Na- para enfrentar a grave crise política, econó-
Alcântara e do Arsenal. O domínio da linha val de Defesa e Instrução, a refugiar-se num mica e financeira que lhe desgastará as estru-
do Tejo dá mobilidade às forças que a contro- navio britânico. AMarinha é olhada com des- turas, nos anos que se seguem ao armistício
lam. O melhor exemplo é-nos dado em 5 de confiança neste período. O Corpo de Mari- da Grande Guerra. Mas seria a República re-
Outubro de 1910. Os cruzadores que aderem nheiros, antes de ser desactivado, é obrigado generável em 1925-1926?
de imediato à República transportam livre- a desfilar sem armas entre as forças militares Quando, mais uma revolta militar se ini-
mente forças e material de um para o outro que celebram a vitória do golpe sidonista. Os cia em 28 de Maio de 1926, nada fazia prever
lado de Lisboa, sem que sejam importuna- navios de linha recebem missões que os levam que as instituições da República, Parlamen-
dos. Os próprios navios funcionam como a África, e os que permanecem em Lisboa são to e Presidência da República, estariam em
baterias flutuantes, defendendo as unida- obrigados a entregar os percutores das peças perigo. Em Lisboa constituiu-se um Comité
des da Marinha próximas do rio, podendo de artilharia. Mas a Marinha recompõe-se revolucionário, liderado pelos Comandan-
apontar a sua artilharia para qualquer ponto após a morte de Sidónio Paes, empenhando- tes Cabeçadas e Armando Ochoa e no Nor-
sobranceiro da capital. Conjugam-se, assim, -se de forma decisiva na defesa da República, te o General Gomes da Costa reúne forças
factores geoestratégicos e tecnológicos, que com um batalhão de marinheiros comandado em Braga e marcha para Sul. O Governo de
levam a Marinha a ter um peso invulgar nos por Afonso Cerqueira e enfrenta com sucesso António Maria da Silva apresenta a sua de-
desenvolvimentos políticos durante a Pri- as incursões monárquicas de Monsanto e da missão no dia 30 de Maio ao Presidente da
meira República1. “Monarquia do Norte” em 1919. República, Bernardino Machado, que nomeia
Revista da aRmada • NOVEMBRO 2010 23