Page 21 - Revista da Armada
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dirigentes republicanos e carbonários detidos Voltemos então à Rotunda. Ao início da manhã de 5 de Outubro,
alguns dias antes. Simultaneamente, preten- Após ser conhecida a notícia da morte do aproveitando uma breve trégua, a pedido
dia-se aprisionar o próprio João Franco, to- Almirante Cândido dos Reis é convocado um do encarregado de negócios da Embaixa-
mando-se partido da ausência da Família Real conselho de oficiais onde, perante a morte do da da Alemanha para que os cidadãos es-
em Vila Viçosa, a que se seguiria o controlo seu líder militar e a constatação da não adesão trangeiros pudessem abandonar a cidade,
dos principais quartéis de Lisboa por parte de boa parte das guarnições de Lisboa à revol- Machado Santos desce a Avenida acompa-
dos oficiais afectos aos ideais republicanos e, ta, não haveria outra decisão a tomar senão a nhado por inúmeros populares e dirige-se
deste modo, forçar a mudança de regime. No retirada da Rotunda e a desmobilização geral. até ao Quartel-General monárquico, insta-
entanto, o plano foi descoberto sem que tives- No entanto, como descreve no seu Relatório, lado no Palácio da Independência. Ao som
se sido posto em prática, levando à prisão dos “Chamado a conselho de oficiais, votei contra de vivas à República e perante a inespe-
seus principais mentores e à fuga do país de a retirada, alegando que, enquanto troasse a rada iniciativa de Machado Santos, o co-
muitos outros. artilharia no Tejo e nós mantivéssemos a posi- mandante das forças monárquicas acaba
Mas, se a causa republicana agora parecia ção da Rotunda, dominávamos a cidade.” por se render.
perdida, o regicídio ocorrido logo a 1 de Feve- Machado Santos foi o único oficial que
reiro, apenas quatro dias após o golpe falhado, permaneceu na Rotunda, acompanhado De regresso à Rotunda, Machado Santos
veio reacender a ideia de revolução junto dos apenas por nove sargentos, alguns cadetes traz consigo a notícia da rendição das forças
sectores republicanos mais radicais. da Escola do Exército, cerca de 200 militares monárquicas. Efusiásticamente saudado por
Machado Santos havia conseguido escapar e diversos populares. Uma força manifesta- todos os presentes, dirige-se-lhes com as se-
às prisões ocorridas após o golpe falhado guintes palavras: “Já não há inimigos! Hoje
de 28 de Janeiro e, uma vez mais, a sua dis-
ponibilidade e entrega à causa republica- todos os portugueses, trocando abraços
na haviam sido notadas. Luz de Almeida, fraternais, vão colaborar na obra de re-
alto dirigente da Carbonária Portuguesa, generação da Pátria! Já não há inimigos!
reconhece em Machado Santos o espírito Há só irmãos!”.
de iniciativa e a capacidade para conta-
giar com o seu entusiasmo aqueles que o Às 11 horas da manhã desse dia 5 de
rodeavam. É neste contexto que em Junho Outubro de 1910, a partir da varanda da
desse ano de 1908 é iniciado na Carboná- Câmara Municipal de Lisboa, era final-
ria Portuguesa, onde rapidamente chega a mente proclamada a República.
dirigente daAlta Venda, o órgão executivo
daquela organização. No entanto, para Machado Santos, os
Segue-se uma nova comissão a Angola acontecimentos imediatos à revolução
de onde regressa emAbril de 1909, poucos demonstrarão exactamente o contrário,
dias depois do Congresso do Partido Repu- sem que a tão desejada coesão nacional,
blicano Português onde é tomada a decisão na sua opinião, tenha sido de facto con-
de derrube da Monarquia pela via revolu- quistada.
cionária. Foram constituídas duas comis-
sões preparatórias para a revolução: uma Em 1911 é eleito deputado para a Assem-
civil, liderada pelo Dr. Miguel Bombarda; bleia Constituinte. Foi-lhe atribuído o posto
outra militar, sob a direcção do Almirante de Capitão-de-mar-e-guerra por distinção,
Cândido dos Reis, onde Machado Santos em reconhecimento do mérito e protagonis-
vai, uma vez mais, empenhar toda a sua mo que teve na preparação e execução da
dedicação à causa republicana. José Rel- VALM Machado Santos. Revolução Republicana, sendo mais tarde
promovido a Vice-almirante.
vas, nas suas Memórias Políticas descreveu-o mente inferior aos cerca de 8000 efectivos,
como “sempre movido por fé inquebrantável, entre soldados e polícias municipais, que O Almirante Machado Santos viveu os
inalteravelmente animado de uma magnífica se estimava serem controlados pelo Estado- anos que se seguiram à revolução num
confiança no êxito da revolução”. -Maior Monárquico. permanente inconformismo quanto ao
Finalmente, a 29 de Setembro de 1910, na Com a chegada de Paiva Couceiro à fren- rumo político do país e aos acontecimen-
sede do Directório do Partido Republicano te da bateria de artilharia de Queluz, que tos que se sucederam. Participou em diversos
Português, reúnem-se os principais conspi- efectuou diversos disparos certeiros entre as movimentos contestatários mas manteve-se
radores, entre membros daquele partido, da forças republicanas na Rotunda, a situação fiel aos princípios republicanos que sempre
Maçonaria e da Carbonária. Em nova reunião agravou-se consideravelmente. Esperava- defendeu, contribuindo activamente para a
a 2 de Outubro é definitivamente marcado o -se agora o ataque decisivo das forças fiéis à derrota do grupo de revoltosos monárquicos
início da revolução para a primeira hora da Monarquia e o fim inevitável de mais uma que em 1919 se entrincheiraram na Serra de
manhã do dia 4. tentativa para a derrubar. Contudo, tal não Monsanto, durante aquele que ficou conhe-
Contudo, o assassinato do Dr. Miguel Bom- aconteceu e Paiva Couceiro acabou mesmo cido como o episódio da Monarquia do Norte.
barda, perpetrado por um seu antigo paciente, por retirar. A tomada dos três cruzadores E nunca esqueceu aqueles que combateram
põe em causa a realização da revolução. Deve- surtos no Tejo pelos oficiais e marinheiros a seu lado na Rotunda, evocando o seu papel
-se ao Almirante Cândido dos Reis a decisão revoltosos, os quais bombardeavam inces- para o sucesso da revolução e pedindo que
firmedemanter-seainiciativadeavançarcom santemente o Palácio das Necessidades e a este fosse devidamente reconhecido e recom-
os movimentos conducentes à revolução para Baixa da cidade, assim como a fraca coor- pensado como outros que, no seu entender,
o dia e hora marcados. denação das forças monárquicas têm sido menos fizeram.
MachadoSantosdesdobra-seentãoemcon- apontadas como as causas para a falta de Em 19 de Outubro de 1921, na chamada
tactos entre os diversos grupos que irão pôr reacção por parte destas. “noite sangrenta”, foi assassinado juntamen-
em marcha a revolução, Entrega a um mem- Ao mesmo tempo, Machado Santos man- te com outros companheiros e camaradas da
bro da guarnição do cruzador “Adamastor” teve-se firme na Rotunda, coordenando o Revolução Republicana. Morria o Almirante
as bandeiras republicanas que deveriam ser fogo das peças e homens sob seu comando, Machado Santos, o “Herói da Rotunda”.
hasteadas nos navios da Armada após serem mantendo o assédio sobre o quartel-general Hoje, passados 100 anos destes aconteci-
tomados pelos revoltosos. das forças ainda fiéis à monarquia. mentos, na presença de seus familiares, ho-
menageamos no local que o imortalizou, a
figura, a acção e a coragem doAlmirante Ma-
chado Santos que, firme nos seus ideais, lutou
sempre para que estes fossem realidade.
Revista da aRmada • NOVEMBRO 2010 21