Page 10 - Revista da Armada
P. 10
estava empenado e teria que vir de Lisboa. Em Goa, anexo ao Clube Naval de Ca- fossem cada vez mais insistentes, até por-
Não calou o Comandante Aragão a des- ranzalém, o C.N. tinha feito um alojamento que se sabia da concentração de tropas in-
consideração que o Comodoro Viegas Ven- para o seu Chefe do Estado-Maior (CEM) e dianas junto às nossas fronteiras, a calma, a
tura lhe fizera e nesse mesmo dia foi ao Co- para os comandantes das Lanchas quando que melhor se podia chamar inconsciência,
mando Naval procurá-lo. O que se passou durante a monção do SW recolhiam a Goa. continuava a imperar junto dos Comandos
dentro do gabinete ninguém soube ao certo, Sucede que para o quarto do CEM tinha sido Militares superiores. Quanto a nós, “oficiais
a não ser que os gritos do Comandante Ara- comprado um aparelho de ar condicionado, rasteirinhos”, ainda menos nos apercebía-
gão se ouviam em todo o Comando Naval e “mordomia” com que o quarto dos Coman- mos do que estava próximo de acontecer. A
terminaram com ele a bater a porta de vidro dantes das Lanchas não tinha sido contem- chuva intensíssima em que “cada pingo en-
do gabinete com tal violência que o lindís- plado. Então, em ocasião em que o CEM chia um balde” e o vento fortíssimo que ati-
simo vidro biselado e gravado com flores e estava ausente, um “génio benfazejo” abriu rava com violência contra tudo a água dos
uma enorme âncora, se estilhaçou todo. A um buraco na parede divisória dos quartos, ditos baldes, cortavam um bocado o gosto
partir daí o corte de relações entre os dois por baixo da cama do CEM e nele colocou pelas actividades ao ar livre e impediam as
foi total, a ponto de o Comodoro confundir uma pequena ventoinha virada para o quar- lanchas de navegar. Era a MONÇÃO em
as relações institucionais com as pessoais, to do lado, para corrigir a injustiça. toda a sua fúria.
pois o navio deixou de ser informado do A escolha dos locais para atribuição das
que se ia passando em Goa. L/F’s era feita pelos respectivos coman- Entretanto houve um “espreguiçar” dos
A L/F “Sírius” tinha então passado a ser para dantes, de acordo com a sua antiguidade. altos comandos, parecendo que começa-
mim o navio mais bonito do mundo. Consti- Para este efeito e após a minha posse de vam a despertar do seu sono letárgico, e foi
tuía sua guarnição: dada a ordem para as L/F´s irem ocupar os
- 1º Sargento de Ma-
nobra Agostinho Romão postos em Damão e em
dos Santos Diu. Como a “Sírius”
- 2º Sargento Artífice continuava sem um veio
Condutor de Máquinas que ainda havia que
António da Rocha Afon- chegar de Lisboa, quis
so Tição o Destino que a minha
- Marinheiro Electri- escolha de ir para Diu
cista Domingos Cabaço para permitir ao Oli-
Gardete veira e Carmo ficar em
- Mar. Fogueiro Mo- Goa, ficasse sem efeito
torista José Joaquim de e que os acontecimen-
Carvalho tos modificassem tão
- Mar. Fogueiro Mo- drasticamente os nossos
torista Hermano Rodri- destinos.
gues Filipe
- Marinheiro Rádio Apesar das condições
Telegrafista Manuel das climatéricas ainda não
Neves Lancha de Fiscalização “Sírius”. aconselharem a ida das
Lanchas, o “Afonso de
- Marinheiro Artilheiro João Caldas Freitas comando, reuni-me com os tenentes Bri- Albuquerque” foi in-
- 1º Grumete Artilheiro José dos San- to e Abreu e Oliveira e Carmo, respectiva- cumbido de as escoltar
tos Reis mente comandantes da L/F “Antares” e L/F e apoiar até aos seus locais de atribuição.
Tinha 17 m de comprimento fora a fora, “Vega” tendo eu optado, como mais anti- E para lá seguiram.
4,57 m de boca, 1,2 m de calado e um des- go, por ficar em Goa e o Ten. Brito e Abreu Em fins de Novembro chegou finalmente
locamento máximo de 18 tons. Os 2 mo- em Damão. Sobrou Diu para o Ten. Oli- o veio para a “Sírius” que foi imediatamente
tores diesel CUMMINS de 290 HP cada veira e Carmo. Então ele pediu-me para eu montado. Com ele ou por essa altura che-
permitiam-lhe uma velocidade de cruzeiro escolher Diu deixando Goa para si, pois a gou o 2º tenente Marques da Silva.
de12 nós e máxima de 18 nós. O armamen- sua Mulher estava para chegar com um fi- Em princípios de Dezembro começaram-
to consistia numa peça de 20 mm montada lho pequenino e grávida do segundo filho -se a ver navios de guerra indianos a nave-
à proa, por ante a vante da ponte de coman- e em Diu não haveria tão boas condições gar ao longo da nossa costa, embora sempre
do. Possuía ainda um radar DECCA 303, para eles. Acedi imediatamente e seguimos fora das nossas águas territoriais. Foi então
sonda e equipamentos de comunicações. para o Comando Naval para comunicar es- montado um dispositivo de vigilância noc-
A roda do leme era manobrada pelo pró- tas nossas escolhas, que foram aceites. turna com comunicações por fonia com a
prio comandante tanto em manobras aper- Era agradável o convívio e a camarada- “Sírius” e as traineiras de pescadores algar-
tadas como em águas restritas, estando os gem que existia entre nós e os oficiais dos vios, em que o avistamento e localização
comandos dos motores logo á sua direita e navios, bem como com as famílias dos que de qualquer navio de guerra indiano seria
operados pelo mestre do navio ou por um as tinham levado. O nosso habitual local comunicado utilizando um código em que
marinheiro fogueiro motorista. de encontro e confraternização, quando em ao tipo de navio avistado correspondia o
Embora a Lancha tivesse um camarote terra, era no Clube Naval de Caranzalém, nome de um peixe, devendo a L/F comuni-
para o Comandante, outro para o Mestre e também com alguns oficiais do Exército e cá-lo imediatamente por rádio ao Comando
mais dois para a restante guarnição, as con- suas famílias quando os convidávamos ou Naval e investigar o contato.
dições de habitabilidade eram tão deficien- na sua Messe no Altinho, quando por eles Dei início a esta missão logo nos primei-
tes que praticamente só o pessoal de serviço éramos convidados. Quanto a mim, conti- ros dias de Dezembro, ainda com mau tem-
ou então quando a navegar, os utilizavam. nuava a utilizar o meu camarote no “Afon- po e por vezes muita chuva, sendo franca-
De resto, tanto em Goa como em Damão e so de Albuquerque” sempre que o navio se mente incómodo navegar nestas condições.
em Diu, havia uns alojamentos em terra que encontrava em Mormugão e outras solicita- Saía ao pôr do sol, logo a seguir ao sinal do
eram designados como “a casa da Lancha” ções não me levavam a pernoitar em terra. arriar da “preparativa” no ”Afonso de Albu-
onde a guarnição tinha os seus pertences, Embora os inícios de uma quase certa querque” para o arriar da Bandeira e reen-
onde se alojava e fazia as suas refeições. ação militar por parte da União Indiana trava depois do nascer do sol, seguindo para
o Comando Naval para fazer verbalmente o
relato da Missão ao CEM capitão-de-fragata
10 JANEIRO 2012 • REVISTA DA ARMADA