Page 11 - Revista da Armada
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Salema Santos. Comigo ia embarcado o 2º os dos outros 3 navios. Aproximando-me em acção dando assim tempo ao “Afonso
ten. Marques da Silva para se familiarizar um pouco mais, verifiquei que todos nave- de Albuquerque” para poder reagir. É preci-
com o navio e com a navegação nocturna gavam em ocultação de luzes. Desliguei o so relatar que tínhamos ordens rigorosas de
naquelas águas, que eu fazia tanto quanto radar quando consegui vislumbrar um vul- Lisboa para não ter a iniciativa de abrir fogo
possível arrimado a terra.  to grande e escuro que identifiquei como e apenas reagir quando o inimigo abrisse as
Tinha instruído a guarnição sobre o que o navio-testa da formação, para que a au- hostilidades.
fazer em caso de entrada em combate com sência de emissões permitissem confundir Nesse momento, o “inimigo” fundeou em
um navio indiano e que muito pouco po- o meu pequeno eco com os de outras pe- frente ao porto e acendeu as luzes todas,
deria ser. Assim, fiz alguns treinos de rapi- quenas embarcações na área. Passei então revelando-se como um cargueiro japonês !
damente municiar a Oerlinkon e transportar a navegar também para Norte, procurando Como se calcula, fiquei siderado! Enviei
para cima mais carregadores municiados, manter o difícil contato visual com o men- imediatamente outra mensagem dando
instruí os artilheiros a apontar para a zona cionado navio, mantendo-me entre ele e a conta do meu gravíssimo engano, “dei vol-
da ponte de comando e procurar varrê-la costa e fazendo a navegação pela sonda. ta” aos postos de combate, em que toda a
seguindo-se (se possível !) os reparos da A este rumo a Lancha era menos castiga- guarnição teve um comportamento exem-
artilharia, tudo isto enquanto eu procura- da pela ondulação e pelo vento, mas tam- plar, e fiz-me ao largo retomando a patrulha
ria aproximar-me o máximo do inimigo bém deixei de ter contato radar com os ou- e tentando reencontrar os outros três ecos
para que as peças não tivessem depressão tros três navios e nunca cheguei a ter com que a estranhíssima atitude do japonês me
suficiente para nos atingir. Utopia? Inge- eles contato visual. Entretanto comuniquei fizera perder.
nuidade? Acredito que                                                                                        De manhã, depois de
sim, mas que poderia                                                                                         terminada a patrulha
ser feito de diferente                                                                                       sem qualquer detecção
ou mais eficaz?! É cla-                                                                                      nem incidente apre-
ro que eu contava com                                                                                        sentei-me ao Chefe do
a escuridão da noite e                                                                                       Estado-Maior Coman-
com a minha proximi-                                                                                         dante Salema Santos e
dade a terra.                                                                                                relatei-lhe o que tinha
Agora, em Dezem-                                                                                             sucedido e como estava
bro, já se vivia um cli-                                                                                     compungido pelo pâni-
ma de pré-invasão com                                                                                        co e confusão que ti-
numerosos actos de ter-                                                                                      nha provocado em terra.
rorismo e provocações                                                                                        Respondeu-me também
próximo das fronteiras.                                                                                      com a calma que toda a
O paquete “Índia”,                                                                                           Marinha lhe conhecia:
vindo já de regresso de                                                                                      - Ai não se preocu-
Macau com destino a                                                                                          pe porque ninguém se
Lisboa, escalou Mor-                                                                                         apercebeu. Estavam to-
mugão para embarcar                                                                                          dos no cais a despedir-
as famílias dos milita-                                                                                      -se das famílias e ver o
res e muitos civis me-      Clube Naval em Caranzalém - Outubro de 1961 – Comandantes das L/F´s (de frente:  “Índia” largar.
tropolitanos que tinham     Sarmento Gouveia e Oliveira e Carmo – de costas: Brito e Abreu e Seixas Serra).
                                                                                                               Assim terminou o
recebido ordem para abandonar a Índia e para o Comando Naval o contato com “três meu curtíssimo comando da L/F “Sírius”,
regressar a Lisboa. Estava marcada a sua lar- prováveis cavalas e um espadarte”. Entre- já que a seguir me foi passada guia para o
gada para a noite de 14/15 de Dezembro e tanto o meu “passageiro” Marques da Silva “Afonso de Albuquerque”, onde dois dias
diziam os nossos “serviços de informações” tinha-se recolhido ao camarote.           depois, a 18 de Dezembro, entraria em
que a marinha indiana iria intercetar o “Ín- Cerca das 23:30 o “Espadarte”, sempre combate com a força naval indiana.
dia” que, dizia-se, levaria para a Metrópo- em ocultação de luzes, chegou a cerca de 3 O 2º ten. Marques da Silva assumiu então
le as reservas de ouro do Banco Nacional milhas da entrada de Mormugão e começou o comando da “minha” L/F “Sírius” e con-
Ultramarino.                a pairar próximo dos ilhéus dos Morcegos e fesso que tive pena de a deixar. Tinha sido a
No briefing da tarde do dia 14 de Dezem- de Cambarian. Mandei o pessoal para pos- sua ultima missão porque já não saiu mais e
bro foi-me recomendada especial atenção tos de combate e o mais rente possível ao no dia 18 apenas navegou 500 metros, en-
na minha patrulha noturna, pois o “Índia” ilhéu, aproximei-me do navio. A noite escu- tre o fundeadouro de Dona Paula e os bai-
iria largar à meia-noite.   ríssima e o navio mergulhado em escuridão xos rochosos em frente onde foi encalhada
Iniciei a vigilância navegando para Sul não me deixavam vislumbrar-lhe razoavel- e abandonada,
de Mormugão em direção à Ilha de Ange- mente as formas, mas a silhueta que se con- O nosso primeiro Comando marca-nos
diva e consequentemente à base naval de seguia entrever parecia a da ponte e parte sempre de uma maneira muito especial, não
Karwar onde se encontrava habitualmente de vante de um grande cruzador.              sei se no género do “primeiro amor” de uma
uma força naval Indiana. O tempo estava Seria quase meia-noite quando o navio mulher porque nunca fui mulher, mas creio
um pouco mais calmo que nos dias ante- recomeçou a navegar e se fez à entrada do que certamente com a mesma intensidade.
riores, o que significava que a Monção já porto, guinando para ela. Então não tive É algo que fica em nós entranhado como
estava a passar. Contudo, a noite era escu- mais dúvidas e enviei uma mensagem-re- uma marca para toda a vida. Os vários co-
ríssima porque não havia luar e a navegar lâmpago em claro, para o Comando Naval mandos que fui tendo ao longo da minha
para Sul, o vento e a ondulação castigavam e para o “Afonso de Albuquerque”, dizen- carreira, marcaram-me também porque um
bastante o navio.           do: “cruzador inimigo à entrada do Porto comando de navio é o mais bonito que um
Cerca das 22 horas começaram a apare- de Mormugão”.                                  oficial de Marinha pode ter, mas nenhum
cer no radar, navegando para Norte e a cer- Seguindo o plano que tinha traçado e me marcou com a mesma força especial da
ca de 6 milhas da costa à velocidade de 14 para o qual tinha preparado os meus ho- “minha Sírius”.
nós, 4 ecos navegando no que parecia ser mens, a quem ia sempre dando conta do
uma “formação em diamante” em que o eco que se estava a passar, aproximei-me ra-                                       
do navio testa era sensivelmente maior que pidamente do navio preparado para entrar
                                                                                     José Augusto de Moraes Sarmento Gouveia

                                                                                                                                     VALM REF

                                                                                     REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2012 11
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