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RESTAURO DA PINTURA DO RETÁBULO
DO ALTAR-MOR DA CAPELA DE SÃO ROQUE
Tipologia: Pintura de cavalete Fig.1 Fig.2
Tema: Alegoria a São Roque
Autoria/atribuição: José da Costa Negreiros que em vários locais a tinta se encontra em risco dos deste tipo sobre a pintura de José da Costa
Época: Séc. XVIII de se destacar, e perder irremediavelmente, e em Negreiros torna-se importante a sua realização,
Dimensões: 230 cm x 360 cm (Larg. x Alt.) outros o suporte de tela apresenta rasgos e defor- constituindo assim um primeiro passo para o
mações. Tendo presente o sentido de responsabili- conhecimento da técnica deste pintor, à seme-
Acapela de São Roque está integrada no edifí- zação, a Marinha tomando a iniciativa de estancar lhança do que se tem realizado em outras obras
cio do antigo Arsenal da Marinha, tem aces- a degradação desta obra ao seu cuidado pretende do património português. Esta tendência é atual
so pelo pátio interior, e situa-se junto à entra- contribuir para a conservação do património co- e crescente constituindo um elemento de estudo
da virada para a praça do Município. Esta segue a mum, que constitui as nossas referências históricas, essencial à historiografia das obras de arte.
tipologia pombalina do edifício, distinguindo-se ex- em suma, a identidade e a memória de um país.
teriormente apenas por uma singela cruz, pela sine- Existindo o interesse institucional de recuperar
ta sobre a porta e a utilização de vidros de catedral. Em dezembro do ano findo teve início a cam- na totalidade a Capela de S. Roque, o projeto
panha de conservação e de restauro, com a des- deverá ter em conta o trabalho de levantamento
Interiormente tem um pé direito triplo que, enal- montagem e apeamento da pintura do respetivo efetuado anteriormente pelo IPPAR e, dentro do
tecido pela decoração profusa e de qualidade re- retábulo (Fig. 1). Os trabalhos são conduzidos pelo viável, considerar na maior extensão possível a
conhecida, designadamente pela sua pintura mu- Dr. José Mendes e Dr.ª Dina Reis, prevendo-se a obtenção de mecenatos para a sua concretização.
ral, marmoreados, estuques, azulejaria e talha, lhe sua conclusão no primeiro trimestre de 2013.
confere, conforme informação da Direção Geral José da Costa Negreiros nasceu em 1714
dos Edifícios e Monumentos Nacionais datada de O apeamento deixou a descoberto um nicho e faleceu em 1759. Era filho de Manuel da
abril de 2000, um lugar absolutamente singular na em arco de volta inteira contendo elementos poli- Costa Negreiros e irmão da mulher de Eugé-
arquitetura religiosa da época. cromados e de talha dourada de grande interesse, nio dos Santos Carvalho, afilhada do Marquês
sugerindo um plano iconográfico diferente do que de Pombal. Foi discípulo de André Gonçal-
Esta capela, de indiscutível valor histórico pa- atualmente existe com a pintura sobre tela (Fig. 2). ves, era muito hábil e muito apreciado e se-
trimonial e indissociável do culto prestado pelos Este espaço é momentaneamente visitável, sendo guiu o estilo do mestre. Pintou inúmeras obras
Carpinteiros de Machado, por vicissitudes várias, uma oportunidade única de observar ao vivo esta de carater religioso, executou painéis para o
tem sofrido uma significativa degradação com parte do retábulo, que após o tratamento da pintu- Erário Régio, para o Senado da Câmara, para
consequências visíveis em toda a decoração exis- ra ficará novamente oculto. os Armazens da Fundição, para os conventos
tente tornando urgente providenciar a conserva- do Menino-Deus e das Carmelitas, para a Sé,
ção e o restauro do seu interior. A pintura será intervencionada no espaço contí- para a Ermida do resgate e o S. Roque para a
guo à capela, que poderá ser visitado em horários capela da Ribeira das Naus. Fez alguns tetos,
Atento o exposto, e após aprovação da Direção específicos, permitindo aos interessados a inte- na Quinta do Correio-mor, na Casa do Capítu-
Geral do Património Cultural em dezembro de ração com os técnicos, testemunhando assim a lo do Convento de S. Domingos de Benfica e
2012, iniciou-se a ação de conservação deste es- evolução dos trabalhos de valorização desta obra. decorações nos painéis dos coches de D. João
paço de culto pela pintura inserida no retábulo em V e dos Meninos de Palhavã. Ingressou na Ir-
talha dourada e policromada do altar-mor, conjun- De acordo com os procedimentos deontológi- mandade de S. Lucas em 1745 (Guimarães,
to escultórico atribuído a Machado de Castro. cos de uma intervenção desta natureza o trata- 2006, p 238).
mento de conservação surge em primeiro lugar,
A pintura atribuída a José da Costa Negreiros procedendo-se à estabilização física do suporte e Colaboração da UAICM e Dr. José Mendes
(Guimarães, 2006, p 92) representa um episódio da camada pictórica. Após este tratamento será
alegórico da vida de S. Roque, padroeiro e prote- devolvida à obra a sua leitura original. Para isso Referências bibliográficas:
tor dos Carpinteiros de Machado, dos inválidos e a pintura será limpa, o verniz alterado será subs- LEITE, José S. J. (1994) - Santos de cada dia. 3ª ed. Braga:
cirurgiões, no qual o santo após ter curado várias tituído e as áreas cromáticas que já se perderam
vítimas da peste e daí ter contraído a doença, ter- serão reintegradas. Editorial A. O., 1994. Vol. 2. ISBN 972-39-0183-8.
-se-á isolado numa floresta para não contaminar GUIMARÃES, Maria L. O. (2006) - A Capela de S. Roque
ninguém. Teria aí morrido de fome se não fosse O momento da intervenção de conservação
um bom cão que vinha cada manhã trazer-lhe um e de restauro é também o mais adequado para Real Arsenal da Ribeira das Naus. Edições Culturais da
pão roubado da mesa do seu dono. Este intrigado a recolha de micro-amostras de tinta e de tela, Marinha, 2006. ISBN 972-8004-87-7.
com o animal que roubava com tanta regularidade que serão analisadas em laboratório, permitindo
seguiu-o pela floresta. Encontrou o doente, travou através destas perceber como o pintor realizou Fontes das Figuras:
amizade com ele e fez o possível para lhe melhorar a pintura, ou seja, os estratos de tinta que com- Fig.1 - Autoria: Dina Reis, 2012.
a sorte (Santos de Cada Dia p. 548 vol. II) põem cada cor e os pigmentos e aglutinantes Fig.2 - Autoria: José Mendes, 2012.
que foram usados. Não sendo conhecidos estu-
Nesta obra o pintor remete em primeiro plano
para três figuras – o santo, o anjo, e o cão – num
arranjo triangular onde o santo surge sentado do
lado esquerdo, com a cabeça apoiada sobre a
mão esquerda em sinal de enfermidade. A mão
direita segura um bastão, cuja diagonal introduz
dinamismo à composição. No vértice do triângulo
surge a figura alada do anjo, com a mão direita
apoiada nas costas do santo em sinal de reconfor-
to, e a mão esquerda, apontando para uma figura
em segundo plano, montando um cavalo, que re-
presenta o dono do cão.
A leitura das cores e dos motivos desta pintura é
perturbada pelo escurecimento geral causado pela
sujidade depositada e pelo verniz alterado. Con-
tudo é do ponto de vista da conservação que se
prescreve um cuidado de maior urgência, uma vez
REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2013 21