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COMISSÃO CULTURAL DA MARINHA
MUSEU DE MARINHA - 150 ANOS
OS RESERVADOS DO CENTRO DOCUMENTAL
«Pensei...num sinuoso labirinto crescente cido ao Museu de Marinha, em 1995, pelo Dr. Do espólio de Henrique Lopes de Mendon-
que abrangesse o passado e o porvir e que im- Pedro Agostinho, filho do Professor Agostinho ça fazem parte, ainda, inúmeros manuscritos
plicasse de algum modo os astros.» da Silva. em que se incluem poemas de juventude,
Jorge Luís Borges, Ficções Dos finais do século XIX primeira metade do rascunhos de contos, notas pessoais, aponta-
século XX destacaremos o espólio de Henri- mentos, correspondência, artigos para jornais,
Quando, em 1962, o Museu de Ma- que Lopes de Mendonça. investigação histórica, e um grande número
rinha se instalou em Belém foram de esboços de peças dramáticas de que são
transferidas do Palácio das Laran- Autor prolífero e multifacetado (1856/1931), exemplo “Orfãos de Calecute”, “Um Mi-
Henrique Lopes de Mendonça foi oficial de lagre de Santo António”ou“O Azebre”.
jeiras, a par de um valioso conjunto de objec- Marinha, dramaturgo, escritor, arqueólogo
tos museológicos, centenas de obras O manuscrito desta última peça,
impressas e manuscritos. apresentada a concurso em 1908,
À biblioteca do Museu ficou come- está completo e, na página de rosto,
tida a tarefa de acolher e proceder ao ostenta os carimbos «Admittida” e
tratamento bibliográfico desse acervo. «Theatro de D. Maria II Jury de Ad-
Ao longo dos tempos, a biblioteca, missão de Peças.”.
hoje Centro Documental (C.D.), tem
sido, também, tributária da relação O espólio de Henrique Lopes de
de afecto e admiração de inúmeras Mendonça, existente no C.D., é um
personalidades para com o Museu conjunto notável de documentos
de Marinha. Daí que um vasto nú- que poderá proporcionar diversas e
mero de objectos entre os quais im- plurais abordagens.
portantes documentos e publicações
nos tenham sido legados por pres- Ainda no século XX referimos o
tigiados oficiais de Marinha, como manuscrito original do livro Ó-Yoné
o Almirante Gago Coutinho, ou os Manuscrito de Ó-Yoné e Ko-Haru. e Ko-Haru, de Wenceslau de Mora-
Comandantes Jaime do Inso, Quirino da Fon- naval, investigador, membro destacado da es. Concluído em Tokushima, no Ja-
seca, Marques Esparteiro entre tantos outros. Academia das Ciências de Lisboa e autor do pão, em Outubro de 1919, virá a dar
De igual modo, o acervo documental tem poema A Portuguesa que deu origem à letra origem à obra impressa com o mesmo título,
sido enriquecido por doações e ofertas pro- do Hino Nacional. editada no Porto, em 1923.
cedentes de figuras de destaque da cultura É uma experiência fascinante deparar com Ó-Yoné, a primeira esposa japonesa do
nacional e estrangeira, quer particulares quer os seus escritos de infância, as minúsculas autor, morre, prematuramente, em Kobe; Ko-
institucionais. Alguns destes documentos, pela peças de teatro escritas em folhas de papel -Haru, sobrinha de Ó-Yoné, viverá com ele
sua raridade, valor intrínseco ou antiguidade pardo cuidadosamente dobradas em forma em Tokushima mas também ela morrerá de tu-
merecem figurar nos fundos reservados de que de libreto. berculose aos 23 anos. Sobre as duas compa-
a seguir falaremos. nheiras escreverá Wenceslau de Moraes «...o
Num universo de mais de 200 espécimes meu jardim de saudades – saudades de alma
destacaremos apenas alguns exemplares to- – é o cemiterio de Chio on-ji, onde repoisam
mando como ponto de partida o século XX. alguns punhados de cinzas de umas pobres
Vamos ter de percorrer, regressivamente, mulheres japonezas, cuja lembrança me faz
vários séculos até chegarmos à obra a que é companhia ao pensamento.»
possível atribuir a datação mais antiga deste Ó-Yoné e Ko-Haru é um conjunto de tex-
conjunto. Trata-se de Ephemerides IO. tos sobre a tristeza e a perda, mas é, simul-
Baptistae de Carelli Placentini, que remonta taneamente, um fresco sobre a paisagem, as
ao ano de 1557. pequenas coisas, os hábitos diários, as cren-
Do século XX começaremos por destacar ças da gente comum do Japão no início do
um simples dossier verde em cuja capa se século XX.
pode ler: «Original do manuscrito do Pai, No que se refere ao século XIX, possui o
para o Museu de Marinha». Lá dentro depa- C.D. várias dezenas de obras em que se in-
ramo-nos com 6 folhas manuscritas na cali- cluem alguns exemplares de grande interesse.
grafia difícil do Professor Agostinho da Silva Como não seria possível abordar todas elas,
- são rascunhos de uma sessão em que o fácil será eleger a que se destaca quer pela
Professor tomou parte após ter estado a bor- importância, quer pela monumentalidade. Fa-
do da Sagres e começam assim as palavras lamos do Atlas do Visconde de Santarém.
do ilustre pensador: O 2º Visconde de Santarém (1791-1856) foi
“Há tempos, a bordo da “Sagres”, res- um distinto fidalgo que muito jovem iniciou
pondendo a umas palavras que o seu Co- estudos profundos de investigação histórica.
mandante tivera a bondade de me dirigir, Em 1807 acompanhou a comitiva de D. João
declarei que jamais navegara senão à vela VI para o Brasil e aí permaneceu durante vá-
e pondo no leme apenas a mais leve mão rios anos entregue ao estudo e compilação
que me era possível”. Este exemplar foi ofere- Folha de rosto de Epanáforas. de muitos documentos históricos, entre eles
os da Real Biblioteca da Ajuda, que o rei
D. José tinha principiado a ordenar.
22 MARÇO 2013 • REVISTA DA ARMADA