Page 30 - Revista da Armada
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SÁUDE PARA TODOS 2
DROGAS LEGAIS
SMARTSHOPS – HEADSHOPS – COFFESHOPSroga é toda e qualquer substância que mo-
difica as funções normais de um organismo.
D No senso comum, o termo “droga”
vez de felicidade, têm pânico e terror, em vez de rir, COMO SÃO FEITAS AS DROGAS
choram, em vez de se sentirem descontraídos, têm
suores frios e tremores. As drogas podem ser naturais, se são obtidas
designa uma substância proibida, de uso ilegal e Existem em Portugal cerca de 40 smartshops e o através de plantas, animais ou minerais (cafeína –
nocivo ao indivíduo, modificando-lhe as funções, seu público alvo situa-se abaixo dos 30 anos, sendo do café, nicotina – presente no tabaco, ópio – na
as sensações, o humor e o comportamento. que 40% têm menos de 18 anos. Estas lojas têm papoila, tetrahidrocanabinol – da Cannabis), sin-
um marketing muito agressivo, com imagens muito téticas, se produzidas em laboratório através de
As drogas podem ser ingeridas, inaladas, injetadas componentes ativos não encontrados na natureza
ou fumadas, a maioria causa dependência química apelativas, ligadas a festas e a alegria. Muitas situam- (anfetaminas, anabolizantes), ou semi-sintéticas,
ou psicológica. -se perto de escolas ou discotecas. produzidas através de modificações de drogas na-
turais (crack, cocaína, heroína).
As drogas são psicotrópicas, ou seja, afetam o Siste- As drogas legais mais vendidas são a Salvia di-
maNervosoCentral,modificandoaatividadepsíquica vinorum, a trepadeira elefante, a campainha (todas
e do comportamento. Podem diminuir a atividade do as três são substitutas do LSD), a kratom (dos opiá-
Sistema Nervoso – drogas depressoras (álcool, ópio, ceos), as ”pastilhas de festas” (do ecztasy) e várias EVOLUÇÃO DAS DROGAS LEGAIS
morfina, heroína, quetamina, barbitúricos, diluentes preparações substitutas da cannabis. São vendidos As drogas legais sintéticas surgiram na Europa após
e colas), aumentar a sua atividade, levando a dimi- sob a forma de comprimidos, incensos, sais de ba- 1990 na forma de drogas herbáceas, vendidas em
nuição da fadiga e aumento da percepção – drogas nho, pós, cogumelos ou fertilizantes. Dizem os ven- comprimidos à base de Efedrina (princípio ativo
estimulantes (cafeína, crack, cocaína, anfetaminas dedores que servem como relaxantes, energéticos, extraído da planta asiática ma huang), que prome-
e metanfetaminas), ou alterar a atividade do Sistema reguladores do apetite ou mesmo afrodisíacos. O tiam um efeito semelhante ao do Ectasy ou do LSD.
Em 1997, uma empresa britânica lançou uma
Nervoso, caracterizando-se por despersonalização problema destas lojas é darem uma falsa sensação nova geração de produtos mais fortes com efedri-
(daí o termo alucinogénio) – drogas modificadoras/ de segurança aos consumidores que pensam: “Se é na: Bliss Extra (que simulava o ecstasy), Road Run-
perturbadoras (cogumelos, LSD, cannabis e ecstasy). legal e se é vendido numa loja não pode fazer mal”, ner (cocaína) e Space Kadet (LSD).
o que leva a que até donas de casa as consumam! No ano 2000, com a proibição da efedrina, surgiu
Dependendo da periodicidade e da quantidade uma nova geração muito mais potente de drogas
de droga usada, os consumidores Em Portugal estão em investiga- legais, à base da substância BZP (1-benzil-pipe-
podem ser considerados experi- ção, por estarem associados a dro- razina), desenvolvidas na Nova Zelândia, e que
mentadores, ocasionais, habituais gas legais, seis óbitos e 45 casos deram origem ao termo legal highs. Em 2008 o
e dependentes. A dependência de intoxicação grave, a maioria novo governo da Nova Zelândia resolveu proibir
está associada tanto às sensações na zona de Lisboa e Vale do Tejo. o BZP, que continua a ser a base das legal highs
mais populares, mas que ainda é legal em alguns
de prazer associadas ao consumo, Muitos destes jovens ficaram com países da Europa.
como à compreensão deformada alterações psiquiátricas crónicas, No Reino Unido, o mercado expandiu-se a partir
dos efeitos nocivos da droga, bem residindo agora em casas de saúde de fins dos anos 90 com um vazio legal que per-
como às crises de abstinência que mental. Existem muitos outros ca- mitia a venda de cogumelos mágicos, desde
que na sua forma natural. Em 2004, houve uma
surgem pela ausência de consumo. sos de intoxicações, cerca de três explosão de vendas e em 2005 o governo decidiu
Para adquirir drogas, normal- por dia em cada hospital, mas que proibir o produto. Como resultado da proibição, os
mente os consumidores recorrem não estão sob investigação por comerciantes lançaram uma variedade imensa de
a traficantes, expondo-se a outros não ter sido apresentada queixa. alternativas, incluindo outros cogumelos, Salvia e
riscos além dos efeitos secundários um grande número de ervas psicoativas que mi-
Na Madeira, onde existem seis metizam os efeitos de cada droga ilegal existente.
da droga – sujeitam-se a consumo involuntário de smartshops, morreram em Setembro de 2012 quatro
substâncias nocivas misturadas à droga, roubos, adolescentes após consumirem drogas legais. Desde
agressões ou mesmo à prisão. entãoéproibidoavenda,publicidadeoucedênciade HISTÓRIA REAL
Para contornar estes riscos, nos anos 90 surgiram qualquersubstânciapsicotrópicanaquelearquipélago.
na Europa drogas desenvolvidas em laboratório que A ASAE e a SICAD (Serviço de Intervenção nos “Vasco, engenheiro florestal de 37 anos, e «con-
sumidor de fim-de-semana» de drogas, é um
simulam os efeitos estupefacientes das drogas ilegais, Comportamentos Aditivos e nas Dependências), em- exemplo. Tinha «tudo controlado», conhecia os
mas que não contêm ingredientes proibidos por lei. penhados em estender esta proibição a todo o país, efeitos do que consumia e «as mocas que cada
São, por isso, vendidos de forma legal em lojas conhe- apresentaram uma proposta ao Parlamento, que foi produto dava», mas não estava à espera dos efei-
cidas por smartshops (loja especializada na venda de aprovada pelo Conselho de Ministros a 7 de março tos da droga que comprou numa loja do Cais do
Sodré, em Lisboa.
substânciaspsicoativas,assimcomoliteraturaeoutros deste ano. O diploma torna ilegal a venda de 160 Ali, vendem-se produtos «impróprios para con-
produtos relacionados), headshops (loja especializa- “novas substâncias psicoactivas” que são considera- sumo humano», segundo os rótulos, mas cujos
da na venda de produtos relacionados com a cultu- das como uma ameaça para a saúde pública e fazem efeitos no cérebro são explicados pelo empregado.
ra da cannabis e do fumo ou tabaco, bem como a parte do negócio das smartshops. Da lista fazem parte A promessa era aliciante: uma viagem como a do
comercialização de produtos relacionados à con- 48 feniletilaminas, 33 derivados da catinona, 36 cana- ecstasy. «Decidi experimentar Blow», conta Vasco.
Afinal, como era «legal, devia ser mais seguro». A
tracultura, como revistas, discos, vestuário e objetos binóides sintéticos, quatro derivados/análogos da co- experiência valeu-lhe duas semanas no hospital
de decoração) ou coffeshops (estabelecimentos na caína, cinco plantas e respectivos constituintes ativos com um surto psicótico do qual não conseguia sair,
Holanda onde o consumo de cannabis, haxixe e co- e 12 produtos diversos, incluindo fertilizantes e fungos. nem medicado. «Sentia o corpo deformado, pare-
gumelos mágicos é tolerado pelas autoridades locais). cia que se espalhava. Foi um pesadelo», lembra.
Prevê-se, no entanto, que mesmo com esta regula- E Vasco foi para os médicos um caso de sorte: con-
Estas novas drogas legais são conhecidas por “le- mentação e fiscalização possa ser difícil a erradicação seguiu sair. «É como jogar na roleta russa: é brincar
gal highs” e têm tantos ou mais efeitos adversos que destas drogas psicotrópicas, pois existem centenas de com a vida. Ainda não se sabe quase nada sobre
as drogas ilegais. Os consumidores querem ter um variações químicas possíveis, tornando possível aos os efeitos destes produtos no cérebro», avisa Félix
momento de descontração, de euforia, mas desco- fabricantes substituir rapidamente as substâncias proi- Carvalho, investigador do Laboratório de Toxico-
nhecem os efeitos tóxicos que podem surgir desde bidas por lei e lançar em pouco tempo novos produ- logia da Universidade do Porto, que colaborou no
processo legislativo da Madeira. «É urgente mudar
o primeiro consumo, mesmo com pequenas doses. tos no mercado. as leis. O potencial de perigo é demasiado eleva-
Podem desenvolver crises psicóticas, falência car- do», avisa.”
diovascular, coma ou mesmo a morte. Ou seja, em Ana Cristina Pratas in Semanário Sol de 8/11/2012
1TEN MN
30 ABRIL 2013 • REVISTA DA ARMADA