Page 14 - Revista da Armada
P. 14
DIVISAS
DA
MARINHA
VALORES QUE NOS DISTINGUEM
«As marinhas pequenas também podem ser grandes: quando todas as suas actividades se en-
quadram numa doutrina correcta, quando a modéstia do material não significa incapacida-
de e quando o pessoal, sendo competente, é animado por um elevado espírito de corpo1».
As três principais divisas em
uso na Marinha foram todas, propício às mais variadas demonstra- Oriente, as mais das vezes em con-
de certa forma, ditadas pelo ções e arremedos patrióticos, que foram dições extremamente penosas e sem
conhecendo progressos esdrúxulos até grande vínculo ao reino, local donde
poder político vigente, durante um à implantação da república em 1910. emanavam as decisões políticas e eco-
período relativamente curto, que não Apesar das vicissitudes, de ordem vá- nómicas que era necessário implemen-
chegou a cinco décadas (1863-1911). ria, com que o país se viu confrontado tar naqueles remotos territórios.
Pelo que se depreende da leitura ao longo de quase todo o século XIX,
dos diplomas que estiveram na ori- fortemente marcado pela instabilidade A PATRIA HONRAE QUE A
gem da sua concessão, estas divi- política, económica e social, coube ao
sas visavam, sobretudo, difundir os rei D. Luís (1838-1889), por inspiração PATRIA VOS CONTEMPLA
valores tidos, à época, como patri- do seu Ministro da Marinha e Ultramar, (1863)
óticos, tendo também contribuído a decisão de mandar colocar a primeira José da Silva Mendes Leal (1820-
para o fortalecimento do espírito de divisa patriótica a bordo dos navios da 1886) assumiu as funções de Ministro
corpo entre os militares que, desde Armada Real, a exemplo do que suce- da Marinha e Ultramar a 21 de feverei-
então, serviram na Armada. Trata-se dia noutras Marinhas naquela época. O ro de 1862, que exerceu durante quase
de um legado extraordinário, que a principal objetivo visava fomentar um três anos, até 12 de dezembro de 1864.
presente conjuntura aconselha dar a maior espírito de corpo entre as respe- Do importante trabalho desenvolvido
conhecer e preservar, no ano em que tivas guarnições e contribuir para uma sob a sua égide, destacam-se a profun-
se celebram os 150 anos da divisa maior ligação à pátria, na medida em da reorganização operada no ministério
mais antiga, ainda hoje patente nos que muitos dos navios da Armada Real por si tutelado, a reestruturação da Es-
navios da Marinha. permaneciam, anos a fio, nas distan- cola Naval e a criação do célebre Ban-
tes colónias africanas e do longínquo co Nacional Ultramarino (BNU) que,
No final do século XIX a Europa apesar de ter sede em Lisboa,
A PATRIA HONRAE QUE A PATRIA VOS CONTEMPLAainda se encontrava varrida pelos visava gerir, de forma integrada,
nacionalismos, em certa medida todas as questões relacionadas
Foto Biblioteca Nacional de Portugaldespoletados por dois aconteci-com a política financeira e mo-
mentos que, no último quartel do netária das longínquas colónias
século anterior, tinham levado a ultramarinas. Considerado um
grandes transformações políticas dos escritores de referência do
e sociais em ambas as costas do seu tempo, José da Silva Mendes
Atlântico Norte: a declaração de Leal contava também com uma
independência dos Estados Unidos vasta obra publicada. Contudo,
da América em 1776 e, escassos não foi por essa razão que alcan-
treze anos volvidos, a Revolução çou o lugar proeminente que hoje
Francesa em 1789. Os tumultuosos ocupa na história da Marinha,
acontecimentos que se sucederam mas tão-somente devido ao fac-
à Revolução Francesa, um pouco to de, em 20 de março de 1863,
por todo o continente europeu, ter assinado a portaria que de-
vieram questionar os absolutismos, terminava a colocação da divisa
abrindo caminho a outras formas – A PATRIA HONRAE QUE A PA-
de organização política, de maior TRIA VOS CONTEMPLA – na pon-
pendor parlamentar, representativo te dos navios da Armada Real:
e liberal. Em muitos países, acaba- «Manda Sua Majestade El-Rei
riam por constituir a antecâmara declarar ao conselheiro inspector
que ditou o fim das respetivas mo- do arsenal da marinha, que sen-
narquias. Mais serôdio, pincelado do muito conveniente estimular
aqui e ali com diferentes grada- por todos os modos os brios pa-
ções, o clima social e político que trioticos e os nobres sentimentos,
se vivia em Portugal era também José da Silva Mendes Leal. ha por bem ordenar que imme-
14 DEZEMBRO 2013 • REVISTA DA ARMADA