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A PLATAFORMA CONTINENTAL
Acrise que se instalou em Portugal
nos últimos anos levou o poder po- ubi finitur armorum vis5 (o domínio da depois uma zona de declive muito acen-
lítico a olhar para o potencial marí- terra acaba onde termina o poder das suas tuado até se chegar a uma planície a gran-
timo nacional, ambicionando um eventual armas). Na prática este paradigma foi ma- de profundidade. A primeira zona tinha
contributo da exploração do mar para o terializado baseado no alcance do tiro de sido designada por plataforma continental,
desenvolvimento económico nacional. canhão que seria, na altura, de cerca de a segunda por talude e a terceira por pla-
Para além da definição de estratégias marí- três milhas náuticas6. nície abissal. A preocupação principal dos
timas, da organização de debates e sessões países costeiros relativamente à plataforma
dinamizadoras da atividade marítima e do Até ao século XIX, as ambições marítimas continental não era a exploração do solo
patrocínio político a um conjunto de pro- dos Estados costeiros estavam concentra- e subsolo, mas antes o facto de ser na pla-
jetos de exploração económica na zona das no transporte e comércio marítimo, na taforma que se encontravam a maior parte
costeira, muito do esforço nacional tem-se pesca, na defesa costeira contra um ataque dos recursos piscícolas. No entanto, não
focado no processo de reclamação de ex- inimigo e na projeção de força sobre outro foi consensual o estabelecimento legal do
tensão da plataforma continental. Este arti- Estado costeiro. Com o surgimento de de- limite exterior da plataforma continental.
go descreve, sucintamente, a evolução dos terminadas tecnologias e de novas ativida- A principal razão do desacordo foi que a
conceitos e relevância associados à plata- des de exploração subaquática, a coluna caracterização deste espaço, com base no
forma continental e à sua extensão, iden- de água e o fundo marinho foram ganhan- declive em cada local, fazia com que os li-
tifica o contributo da Marinha para a ma- do interesse e relevância económica. mites exteriores variassem para cada zona
terialização deste desígnio costeira, pelo que alguns países seriam
nacional e especula sobre O desenvolvimento do motor de com-
os potenciais proveitos que bustão interna a partir de meados do sé- muito beneficiados quando
podem advir deste processo. comparados com outros.
A EVOLUÇÃO Durante a II Guerra Mun-
DO CONCEITO dial verificou-se a primei-
DE PLATAFORMA ra intenção de exploração
CONTINENTAL do subsolo marinho além
do mar territorial8, num
Segundo o estrategista ame- acordo que envolveu a In-
ricano Mahan1, na teoria glaterra e a Venezuela. No
que desenvolveu no final do final da guerra, num cená-
século XIX sobre estratégia rio de grande crescimento
marítima, o poder marítimo económico e consequente
é uma expressão do poder necessidade de acesso a
nacional que depende da fontes energéticas diversas,
localização geográfica, da os EUA proclamaram unila-
configuração da costa e da teralmente o direito de sobe-
extensão do território, da di- rania sobre o solo e subsolo
mensão da população maríti- marinho adjacente ao seu
ma, do caráter nacional, e do Área geográfica da plataforma continental. território. Foi argumentado
que o solo marinho era a
caráter e política dos governos. Aos dias de culo XIX foi um contributo significativo continuação geológica do
hoje, o conceito de extensão do território para a valorização e necessidade da ex- território, tendo sido limita-
considerado pelo estrategista americano, ploração de crude e produção petrolífera. da a sua soberania às 100 braças9 de pro-
tem de incluir os espaços marítimos sob Em complemento à exploração terrestre, as fundidade10, o que correspondia a 182 me-
soberania2 e jurisdição3 nacional, poden- necessidades energéticas levaram à insta- tros. Foi igualmente estabelecido que este
do ainda ser considerados como relevan- lação, no final do século XIX, da primeira regime em nada devia afetar o estatuto da
tes os espaços marítimos sob responsabi- plataforma de exploração de crude no mar coluna de água sobrejacente. A profundi-
lidade nacional4. Ou seja, quanto mais territorial dos EUA, na Califórnia. Desta dade limite de 100 braças foi considerada
território e espaços marítimos estiverem forma ampliava-se o espaço geográfico po- por diversos autores como sendo arbitrária,
sob a alçada de um país, maior será o seu tencialmente contribuinte para a produção não havendo uma razão específica para a
potencial de desenvolvimento e, conse- energética. sua invocação. Em diversos locais a mar-
quentemente, de poder. Atendendo ao interesse dos países cos- gem continental poderia atingir profundi-
Sem entrar nos conceitos de soberania teiros sobre os fundos marinhos, começou dades menores e noutros locais maiores.
e jurisdição marítima dos tempos pré- a ser internacionalmente discutido o seu Em 1958, na sequência dos trabalhos
-históricos à idade média, podemos dizer eventual estatuto jurídico. Com este en- da Comissão do Direito Internacional da
que o mar territorial foi o primeiro espaço quadramento, em 1924, no âmbito da Liga ONU, foi aprovada, em Genebra, uma
marítimo internacionalmente reconhecido das Nações, foi tentado o estabelecimento Convenção sobre a Plataforma Continen-
e de aplicação geral aos países costeiros. de uma definição consensual de platafor- tal. Nesta Convenção foi aprovada uma de-
A definição da largura deste espaço ma- ma continental7 e respetivos direitos dos finição jurídica de plataforma continental.
rítimo foi adotada no século XVII/XVIII Estados costeiros. O Comité responsável Nesta definição a plataforma continental
por vários países. Tinha como paradigma por esta tarefa tomou como referência geo- foi materializada para além dos limites do
o facto de um Estado costeiro exercer a lógica o facto de que, em termos científi- mar territorial, limitada à profundidade dos
sua soberania sobre o mar adjacente até cos, nas imediações da zona costeira a va- 200 metros ou, para além desse limite, até
ao limite geográfico em que se consegue riação da profundidade com a distância à à profundidade máxima da capacidade de
fazer obedecer – terrae dominium finitur costa era relativamente reduzida, surgindo exploração dos recursos do solo e subso-
lo marinho. Na prática, esta definição não
estabeleceu limites objetivos à plataforma
18 DEZEMBRO 2013 • REVISTA DA ARMADA