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As existências tribais sobreviventes acabaram, quase sempre, por    galidade” detêm, assim, uma boa parte dessa responsabilidade
serem assimiladas pelos invasores, absorvendo as suas culturas.     porquanto nenhum outro povo europeu teve tamanha e ininter-
                                                                    rupta influência por um período tão dilatado, em tanto canto e
  A afirmação do historiador português José Hermano Saraiva         recanto, que outrora só o imaginário conhecia e onde ainda hoje
“Nós não temos raça nenhuma, não se pode falar na raça portu-       perduram e resistem ao desgaste do tempo incontáveis sinais e
guesa. Se houvesse uma raça, nós éramos uma ante-raça”, vem         reflexos portugueses.
muito a propósito daquilo que é defendido por outros estudiosos
sobre a dita fusão cultural Ibérica. As fusões entre os povos que     “Quando Jonas foi engolido pelo “grande peixe”, ele só estava
chegaram à região que hoje é Portugal deveram-se ao facto de        a tentar fugir para o território que hoje é Portugal. Foi aqui que
ali estar-se mais seguro, para a maioria um pequeno Éden perto      Anibal encontrou guerreiros, armas e ouro o que lhe garantiu fa-
do mar. Esses povos estavam num ambiente mais ameno, mas            zer a sua marcha sobre Roma, e Júlio César, a fortuna que lhe
também encurralados no extremo do continente, acabando por          permitiu as conquistas da Gália e da Grã-Bretanha. Durante a
se fundir no princípio de que a união faz a força.                  Alta Idade Média, a maioria dos governantes árabes do norte co-
                                                                    locaram Portugal entre as civilizações mais avançadas do mundo.
  A pressão geográfica, a busca de recursos de forma coletiva,      Depois da conquista de Lisboa pelos normandos, o Portugal novo
em unidade de esforço, evitando o desperdício e com espírito de     levou Veneza à falência e tornou-se na nação mais rica da Euro-
cooperação são elementos contribuintes para promover, acele-        pa. Antes de ser eleito Papa, com o nome de João XXI, Pedro His-
rar e incentivar fusões entre os povos que, em determinadas cir-    pano, nascido em Lisboa, escreveu um dos primeiros livros sobre
cunstâncias ou por força do acaso, comungam dos mesmos ideais       a medicina moderna que, um século mais tarde, era obrigatório
e partilham os mesmos problemas. Serão sempre os ingredientes       em consultas médicas em quase toda a Europa. Os Portugueses
indispensáveis para que a miscigenação seja uma incontornável       levaram as tulipas, o chocolate e os diamantes para a Holanda,
inevitabilidade mesmo perante as diferenças rácicas, étnicas ou     introduziram na Inglaterra o hábito de beber chá à tarde e deram
religiosas que sempre se constituem como obstáculos para o en-      a Bombaim a chave do Império. Ensinaram África a proteger-se
tendimento e a harmonia. Assim foi o caso na “velha península”.     da malária e transportaram escravos para a América. Introduzi-
                                                                    ram o ensino superior, o caril e as chamuças na Índia e, no Japão,
  Durante séculos, esse legado geracional miscigenador impreg-      a tempura e as armas de fogo.”1
nou o inconsciente coletivo português que não questionava ou
sequer punha em causa o cruzamento de raças ou a consanguini-         Como terá Portugal alcançado tamanhas façanhas unicamente
dade com outros povos.                                              à custa dos tradicionais instrumentos do poder do estado, sobeja-
                                                                    mente conhecidos e elencados nas doutrinas NATO como o PME-
  Como é bem sabido, o país, e a sua história, também é obser-      SII e o DIME2? A Estratégia Nacional, continuamente definida, re-
vado por muitos estudiosos e historiadores, como tendo liber-       vista e reavaliada ao longo da nossa história por tão diferenciadas
tado povos desconhecidos, dado novos mundos ao mundo e de           monarquias e repúblicas, garantiu uma presença portuguesa por
ter iniciado, dos pontos de vista social e humano, a primeiríssima  mais de 6 séculos em 4 continentes diferentes, exercendo sobre
vaga da era da globalização. Tendo o mar sido o destino portu-      milhões uma autoridade consentida a que voluntariamente ofe-
guês, este serviu como caminho para chegar a outras paragens,       receram a sua lealdade, permitindo que Portugal tivesse sido a
povos, culturas, religiões e crenças e, desde cedo, aprendeu-se     primeira potência europeia colonizadora a chegar e a última a sair
a saber estar em casa de outrem, aceitando, compreendendo e         de todos os territórios que alguma vez foram colonizados!
convivendo com as diferenças. Estas maneiras de ser e de estar
foram continuamente fortalecidas no código genético português         Após a conquista de Ceuta, em 1415, o número de negros au-
e este “pensar miscigenador” facilitou e impulsionou, de forma      mentou de forma exponencial em Portugal e calcula-se que nes-
ímpar e sobremodo, os progressos sociais e culturais decorren-      se século terão vindo para Portugal mais de 150.000 escravos.
tes do fenómeno da “mundialização”. Os herdeiros da “portu-

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