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REVISTA DA ARMADA | 510
MISCIGENAÇÃO PORTUGUESA PELO MUNDO
PLANO ESTRATÉGICO OU
INEVITABILIDADE HISTÓRICA?
A propósito da crise migratória na Europa, de que resultarão pro-
cessos de miscigenação mais ou menos acentuados e em maior
ou menor escala em diferentes regiões do velho continente,
surgiu o título da presente reflexão e tudo o que ela representa
como elemento perene da história portuguesa.
Miscigenação é o substantivo feminino, com origem no DR
latim, que junta miscere “misturar” com genus “tipo ou
raça” e que se define por ser o ato ou efeito de miscigenar no via da península mais ocidental do velho continente, fizeram-se
cruzamento sanguíneo de indivíduos de raças ou de etnias di- durante séculos decalcando e destilando, sobremaneira, rastos
ferentes. Esse processo também é conhecido como mestiça- genéticos de que resultaram fenómenos miscigenatórios sem
gem ou caldeamento e pode-se afirmar que é uma evolução precedentes. Não menos importante foi a cultura dos povos
do homem. O mestiço é o indivíduo que nasce de pais de raças ibéricos decorrente dessa amálgama humana, do desenvolvi-
diferentes apresentando constituições genéticas diferentes. De mento dos seus alfabetos e das suas línguas, da introdução da
uma forma mais genérica, as pessoas consideram a miscige- cerâmica, do cultivo da oliveira e da videira, que ainda estão tão
nação a união entre brancos e negros, brancos e amarelos, e presentes hoje como então. Os Lusitanos constituíram um des-
entre amarelos e negros. Ou seja, a união dos grandes grupos ses povos pré-romanos de origem Indo-europeia que habitaram
de cor em que a espécie humana se divide, e que são popular- a região oeste da península Ibérica desde a Idade do Ferro. Com
mente conhecidos como raças. Existem também outros termos a invasão romana em 29 a.C., a província da Lusitânia foi criada
associados, como a mestiçagem, a crioulagem, a cafuzagem, o e corresponde hoje a grande parte do centro e do sul de Portu-
pardo, o mameluco ou mesmo, e menos formal, a cabritagem. gal. Ainda que a proveniência exata dos Lusitanos não seja bem
No Brasil, a mistura de brancos com índios é habitualmente conhecida, aventa-se, em diversa literatura, que tenham tido
denominada caboclo cuja origem é da palavra tupi caa-boc e origem nos Alpes Suíços e migrado para a península ibérica para
que, nesse grupo de línguas, significa filho do homem branco melhor se defenderem do frio. Consequentemente, as diversas
vindo da floresta. Pode similarmente, embora menos explícito, miscigenações que tiveram lugar nesse percurso continuaram a
ser usado para descrever o cruzamento de elementos distintos, ser promovidas no recém criado território, tendo isso constituído
como, por exemplo, miscigenação de ritmos na arte da música a raiz identitária dos Lusitanos. Ao longo dos séculos, as várias
ou da canção tradicional. tribos nativas foram-se misturando ou assimiladas pelos povos
mais numerosos e outras tribos menores, foram aniquiladas
Os resultados das muitas miscigenações por todo o mundo por povos invasores, principalmente pelos romanos e bárbaros.
formaram, ao longo da história, caldeirões culturais e étnicos
em realidades distintas. Dessas fusões surgiram ligações huma-
nas diferentes e que, em grande parte, deram origem a tecidos
sociais cosidos com linhas diferentes mas cada uma mantendo
a sua identidade própria. Nestes conjuntos com novas identida-
des, edificaram-se matrizes étnicas, religiosas e raciais múltiplas
e geraram-se novos modelos de sociedade nos ambientes onde
esses fenómenos tiveram lugar.
Portugal também teve, desde séculos antes da sua génese,
uma formação miscigenada com um sem-número de povos e
grupos étnicos entre os Celtas, os Romanos, os Gregos, os Car-
tagineses, os Fenícios, os Hunos, os bárbaros Visigodos, Vânda-
los, Alanos, Suevos e ainda os Mouros. De forma congénere, to-
dos procuraram a península para encontrar um ambiente mais
seguro, caso de muitos que fugiram das invasões do Huno Átila
no leste europeu ou, na maior parte, em busca de um clima
mais ameno e suavemente temperado pelas frescas aragens do
Atlântico. As migrações do Norte de África para a Europa, por
AGOSTO 2016 17