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REVISTA DA ARMADA | 511

          VIGIA DA HISTÓRIA                                             87








          MOUROS NA COSTA








           Durante  um  larguíssimo  espaço  de   A fama do sucesso foi tal que a presen-
          tempo, ainda mesmo no séc. XIX, a acti-  ça do mestre foi requerida para se apre-
          vidade dos corsários do Norte de África,   sentar  na  Coroa,  presença  essa  que  o
          usualmente  designados  por mouros, in-  Governador de Setúbal, em carta datada
          fligiu  graves  prejuízos  aos  portugueses,   de 11 de Agosto daquele ano, afirma não
          não  só  pelos  frequentes  ataques  a  todo   poder ser concretizada pois o mestre, fe-
          o tipo de navegação, como nos assaltos e   rido no combate com um tiro numa das
          saque das povoações da orla costeira, ac-  mãos e com dois dedos aleijados, não se
          tividade essa de que hoje ainda perdura a   encontrava em condições de viajar, nem
          memória no ditado popular “Há mouros   era previsível quando o poderia fazer.
          na costa“.                          É  através  dessa  carta  do  Governador
           Como  já  referido,  a  actividade  destes   que  se conhece terem havido, do  lado
          corsários  abrangia  todo  o  tipo  de  alvos,   português, mais dois pescadores feridos,
          desde o ataque a naus da Índia – como foi   um deles gravemente, e que ainda se en-
          o caso da nau Nª Srª da Conceição que,   contrava em perigo de vida, e um outro
          em 1621, foi queimada ao largo da Ericei-  entretanto já restabelecido, o qual, se as-
          ra –, aos navios da Coroa – como sucedeu   sim fosse entendido por conveniente, se
          com a fragata da Armada Real Cisne que,   poderia deslocar à Coroa em representa-
          em 1802, foi tomada no Mediterrâneo –,   ção do mestre.
          passando pelos navios de comércio e até   Tanto quanto foi possível apurar, a su-
          por embarcações de pesca, isto para além   gestão não terá tido aprovação do Rei já
          das  diversas  povoações,  em  especial  no   que, por alvará régio de 12 de Agosto, o
          litoral algarvio,  frequentemente  sujeitas   mestre  António  dos  Santos  Cação,  aten-
          a incursões.                      dendo ao valor demonstrado no combate,
           A escolha dos alvos deveria depender,   foi  promovido  a  Capitão  Tenente  da  Ar-
          fundamentalmente, da capacidade ofen-  mada Real.
          siva de que dispusessem no  momento,   Relativamente aos restantes tripulantes
          aparentando a sua acção muito pouca se-  não encontrei qualquer indicação de que
          lectividade,  podendo  afirmar-se  que,  na   tivessem sido objecto de qualquer elogio
          sua perspectiva, “Tudo o que vinha à rede   ou recompensa o que, diga-se em abono
          era peixe“.                       da verdade, nem a ter  acontecido  hoje
           Só  assim  resulta  compreensível  o  ata-  constituiria motivo de espanto.
          que às pequenas embarcações de pesca,
          cujo único rendimento palpável seria o do
          preço dos  prisioneiros  que efectuassem,
          quer pelo  resgate,  quer pela  sua  venda
          como escravos.                                        Com. E. Gomes
           É assim que, nos primeiros dias de Agos-
          to, ou nos últimos de Julho, de 1765, per-
          to da barra de Setúbal, a lancha de pesca
          de que era mestre António dos Santos Ca-
          ção foi atacada por um chaveco argelino,   Fonte: Suplemento à Colectânea de Legislação do Desem-
                                            bargador António Delgado da Silva.
          sucedendo  que,  contrariamente  ao que   Arquivo Central de Marinha – Processo Individual de Antó-
          era habitual, os pescadores portugueses,   nio dos Santos Cação, cx. 726.
          cujo número não deveria ser muito gran-
          de,  reagiram ao  ataque  logrando  pôr  os
          argelinos em fuga.                N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.



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