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REVISTA DA ARMADA | 521




 Os DescObrimentOs  e a UniversiDaDe







          mentos, factos já colocados em relevo por autores
          como Luís de Albuquerque.  Propõe-se, no texto que
          se segue, uma problematização desta relação, que é
          afinal entre dois planos da sociedade que efetuou os
          Descobrimentos nos séculos XV e XVI: um prático e
          um teórico.
           No  fundo,  também  se  trata  de  compreender  a
          penetração do meio náutico pelas estruturas erudi‑
          tas, e, num outro patamar, o impacto das navegações
          nos  centros  académicos.  As opiniões  dividem‑se.
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          Certos autores  defenderam que a Universidade teve
          um papel não desprezível nas navegações, ao longo
          dos séculos XV e XVI; enquanto outros investigadores
          concluíram que as navegações e o meio universitá‑
          rio estiveram ambos de costas voltadas. A realidade
          pode ter sido outra, o que nos leva a não aceitar uma
          posição linear para esta questão. Se não se detetam
          conjuntos  de  técnicos,  na  Universidade,  a  estudar
          os  problemas colocados  pelas  navegações de Des‑
          cobrimento, verifica-se, por seu turno, que o meio
          náutico  não  esteve  despovoado  de  autores  com
          formação  universitária, que  em alguns  momentos
          foram chamados a pronunciar-se sobre a resolução
          de matérias que se relacionavam com a marinharia,
          a astronomia (astrologia), a geografia, a construção
          naval ou a farmacopeia.
           Em  Portugal,  a  Universidade  possuía,  aproxima‑
          damente,  cento  e  vinte  e  cinco  anos  de  existência
          quando os Descobrimentos têm início. D. Dinis ins‑
          tituíra em 1290 o Estudo Geral em Lisboa. Nos sécu‑
          los seguintes a Universidade move-se entre Lisboa e
          Coimbra, com a sua reforma continuamente adiada.        O Livro das Traças de Carpintaria (1616), de Manoel Fernandes.
          Os autores que defenderam ter existido em Sagres, no tempo do   náuticos e outros problemas de navegação, o Infante terá cha‑
          infante D. Henrique, uma “Escola Náutica”, onde ensinavam os   mado, segundo Duarte Pacheco Pereira e João de Barros, não
          mais reputados cartógrafos, cosmógrafos, matemáticos e astró‑  um elemento da Universidade, mas Jaime de Maiorca, um judeu
          logos, sugerem que o Infante não teve outro propósito senão o   maiorquino, que teria, eventualmente, formação erudita e uni‑
          de fomentar os estudos universitários – quando doou em 1431   versitária.
          umas casas à Universidade a troco da reforma dos seus estudos –   Sublinhe-se ainda que as explorações oceânicas portuguesas,
          com o objetivo de dar formação aos navegadores que navegavam   durante os primeiros decénios do século XV, adaptaram e utiliza‑
          pelo mar oceano. Ora, depois de uma análise mais cuidada dos   ram os processos de navegação em uso no Mediterrâneo. Nessa
          factos que rodearam a doação henriquina, verificou-se que, iro‑  arte de navegar não eram necessários grandes apetrechos técni‑
          nicamente, a Universidade se manteve arredada dos meios náu‑  cos. Navegava-se com recurso à agulha de marear, aos registos
          ticos nesse tempo. Uma das provas mais incisivas desse distan‑  escritos na forma de roteiro (portulano), à carta-portulano, ao
          ciamento, como bem lembrou o Professor Luís de Albuquerque ,   fio de prumo (sonda) e, sobretudo, à sabedoria prática do piloto.
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          não deixa de ser o aparecimento de um único registo (no ano   A Universidade e o seu ensino teórico nada tinham a ditar a este
          de 1437) na docência da cadeira de matemática durante todo   tipo de navegação, que se desenvolvera com um alto sentido prá‑
          o século XV. Esse facto é bem revelador da pouca importância   tico no Mediterrâneo.
          que se dava, por essa altura, na Universidade, a matérias que   Quando,  no  decorrer  da  segunda  metade  do  século  XV,  a
          iriam estar diretamente associadas aos progressos da navegação   astronomia (designada por “astrologia”) começou a ter um
          nos séculos seguintes. Refira-se que a matemática fazia parte das   papel decisivo no desenvolvimento da navegação, para cálculo
          classes do Quadrivium do estudo universitário, que consistia na   de posições geográficas através da altura meridiana do Sol e de
          aritmética, geometria, astronomia e música. Acrescente-se que   outros astros, como a Polar e as suas guardas, foram os astrólo‑
          o próprio infante D. Henrique deu especial atenção à cadeira de   gos, na sua grande maioria judeus e cristãos-novos, designados
          Teologia, provendo-a com um rendimento anual, o que muitas   para efetuar essas observações do céu, elaborar os regimen‑
          vezes está omisso nas análises  deste assunto.  Por outro lado,   tos  e  compor  tábuas  astronómicas,  traduzindo  alguns  textos
          para o aconselhar em matérias como a cartografia, instrumentos   técnicos, que vieram a ser úteis à navegação e à marinharia. A


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