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REVISTA DA ARMADA | 521




          Os DescObrimentOs  e a UniversiDaDe







             sucesso  dos  Descobrimentos  portugueses deve‑se,  entre
         O outros fatores,  ao aperfeiçoamento das técnicas de nave‑
          gação, e em consequência da cartografia e dos instrumentos de
          navegação,  que  permitiram  aos  navegadores  chegar  aos  mais
          distantes e remotos pontos do globo. A questão da formação e
          do ensino náutico dos navegadores é um dos assuntos que tem
          merecido grande atenção por parte de investigadores e académi‑
          cos, mas também de um vasto público de leitores e de interessa‑
          dos na matéria.
           A Escola de Sagres é uma instituição lendária. No entanto, ela
          simboliza todos os estudiosos das artes ligadas ao mar que apoia‑
          vam aqueles que navegavam. Nesse sentido, o almirante Teixeira
          da Mota (1920‑1982) referia, em 1960, que Não é difícil perceber
          que a lenda da Escola de Sagres tem por detrás de si o senti-
          mento geral, entre o povo português, desde há séculos, de que
          os empreendimentos henriquinos estão na base de uma das mais
          importantes  transformações  na  história  da  humanidade  e  que
          isso foi possível devido à expansão marítima resultante de uma
          verdadeira revolução nas técnicas navais .
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           Durante o período das viagens dos Descobrimentos, o comando
          dos navios, pelo menos os de maiores dimensões, era atribuído
          a membros da nobreza, não sendo necessária a aprendizagem
          da  navegação  para  exercer  o  comando  de  um  navio,  embora
          tenham  existido  várias  exceções,  como,  por  exemplo,  D.  João
          de Castro no século XVI ou D. António de Ataíde no princípio do
          século XVII,  como bem  notou o Professor  Francisco Contente
          Domingues.  A condução dos  navios  era entregue  aos pilotos,
          que em muitos casos só dispunham de formação prática para o
          desempenho dessas funções. Outros, em ínfima parte, aliavam à
          sua experiência de mar conhecimentos teóricos de astronomia
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          e matemática.
           Na opinião de Pedro Nunes, que nasceu aproximadamente um
          século após o início das grandes viagens marítimas, as navega‑
          ções portuguesas não se fizeram a acertar. Segundo este mate‑
          mático, partiam os nossos mareantes muy ensinados e prouidos
          de estromentos e regras de astrologia e geometria […] .
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           As observações do  cosmógrafo salaciense, quanto ao modo              A Comunicação do Saber.
          como os marinheiros navegavam, eram motivadas, certamente,   (Gravura da Epistola Plinii, extraída de J. V. de Pina Martins – Humanisme et Renaissance
          pelo facto de ter exercido, inicialmente, funções de cosmógrafo        de l'Italie au Portugal).
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          (1529), e anos mais tarde de cosmógrafo‑mor (1544). Cargo que   tica, geometria ou astronomia . Isto é, a componente teórica e
          o incumbia de reger algumas disciplinas, sobretudo o estudo da   intelectual tinha um lugar pouco relevante na formação de quem
          “esfera”, e de validar os exames a quem se preparava para exer‑  andava no mar. Sublinhe-se, por isso mesmo, o caráter eminente‑
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          cer uma vida ligada ao mar. E foi precisamente tendo em conta   mente prático da vida profissional destes homens do mar .
          os problemas que a prática da navegação oceânica colocava aos   Apesar de hoje em dia se saber que a formação no meio náutico
          marinheiros, que se criou em Lisboa,  no  segundo quartel do   português era sobretudo prática, há por vezes a tentação de ligar
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          século XVI, uma “aula de matemática”  regida pelo cosmógrafo‑  as navegações portuguesas, nos séculos XV e XVI, à Universidade,
          ‑mor , com o intuito de preparar pilotos, cartógrafos, construto‑  de forma despropositada e desajustada. Que influência o meio
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          res de instrumentos náuticos. Ministravam-se nessa aula rudi‑  universitário e erudito teve nos Descobrimentos? Quais foram
          mentos de cosmografia, ensinava-se a leitura de cartas náuticas,   as relações entre estes dois campos? E as navegações oceânicas,
          o uso dos instrumentos de alturas e das tábuas de declinação   influíram junto do meio erudito? Na minha simples opinião, os
          solar e a prática com a agulha de marear. Quem se apresentava   estudiosos ainda não valorizaram o suficiente o envolvimento de
          a exame, para fazer prova dos seus conhecimentos nestas maté‑  académicos, eruditos, nomeadamente astrólogos com formação
          rias, valia-se mais da sua experiência prática, de anos ao serviço   académica, nas navegações de Descobrimento. Não se pretende
          da longa e acidentada  Carreira da Índia – com a sua extensão   negar a evidência do pouco interesse da maior parte dos navega‑
          pela Ásia das Monções e pela Insulíndia – ou de viagens ao Atlân‑  dores pelos aspetos teóricos, ou o afastamento da Universidade,
          tico Sul, do que propriamente dos conhecimentos de matemá‑  enquanto instituição de estudo superior, do início dos Descobri‑


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