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REVISTA DA ARMADA | 527


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           Morte do Lidador, Gonçalo Mendes da Maia.                            Estátua do Lidador, em Beja


          algum apoio de navios franceses e do Norte, não obstante os relatos   facto é muito relevante, mais, até, do que propriamente o desíg-
          indiciarem que o assalto fi nal e a conquista terão sido efectuados,   nio pessoal do futuro Rei perante a governação de sua mãe com o
          apenas, com o exército de Afonso Henriques.         apoio da aristocracia galega.
           O Lidador transformar-se-ia em lenda quando, já com mais de 90   Há, aliás, uma descrição na IV Crónica Breve de Santa Cruz, do Séc.
          anos, na conquista de Al-Bash, enfrentou, ferido de morte, o rei   XIV, em que o primeiro embate entre o Príncipe Afonso e Fernão
          muçulmano Almoleimar, construindo um momento mágico que   Peres de Trava terá sido favorável a este, e que, no impulso mágico
          determinou o curso da contenda que não estava de feição para os   dos cavaleiros contendores, foi Soeiro Mendes que o incitou a voltar
          portugueses, numa batalha em que pereceu, ainda, além do próprio   à batalha, ganhando-a. A versão da Crónica de 1419 subsƟ tui Soeiro
          Gonçalo Mendes, e de Almoleimar, o governador de Badalhouce,   Mendes pelo papel que, perante o Príncipe, terá Ɵ do Egas Moniz, o
          Omar Ibn Termecélite. A extraordinária vitória naquela batalha, e o   que diz bem do Ɵ po de interpretação e de leitura que factos destes
          feito, imemorial, do ilustre nobre português, marcariam, defi niƟ va-  exigem dos estudiosos. Há, contudo, dados que nos permitem algu-
          mente, o mito do grande cavaleiro honrado e corajoso, digno da sua   mas conclusões.
          alơ ssima grandeza e linhagem real.                  Terá sido mesmo Soeiro Mendes, o Grosso, porquanto foi a este a
           Em S. Mamede, o Lidador teve um papel determinante ao lado do   quem o príncipe Afonso, no ano seguinte a S. Mamede, em Maio de
          seu Rei, Afonso, o Primeiro. Pelo especialíssimo valor intrínseco deste   1129, deu herdades no couto de Assilhó, perto de Albergaria-a-Ve-
          momento histórico que marcou Portugal – e no qual alguns historia-  lha, precisamente para lhe agradecer o apoio no cerco de Guima-
          dores situam o início da monarquia portuguesa –, vale a pena deter-  rães por Afonso VII. Soeiro Mendes, contudo, não era aparentado
          mo-nos um pouco mais nesta batalha e no que representou.  de Gonçalo Mendes da Maia, sendo, outrossim, da família de Sousa,
           S. Mamede deu-se, perto de Guimarães, no dia da festa de S. João   irmão de (outro) Gonçalo Mendes.
          BapƟ sta, a 24 de Junho de 1128. Referem os Anais de D. Afonso, redi-  De S. Mamede resultou, também, a clara noção de que a grande
          gidos pelo Cónego de Santa Cruz de Coimbra, que “(…) Acometeu-os   nobreza portucalense foi determinante na conquista do poder, aí
          numa batalha no campo de S. Mamede, que é perto do castelo de   conseguindo ainda mais presơ gio, grandeza e estatuto, num grau
          Guimarães e, tendo-os vencido e esmagado, fugiram diante deles e   tal que viria a enquadrar, de forma defi niƟ va, a primeira década do
          prendeu-os. (Foi então que) se apoderou do principado e da monar-  governo do Príncipe Afonso em Portugal, tendo sido generosamente
          quia do Reino de Portugal (…).”. O autor Ɵ nha, claramente, este epi-  recompensada com herdades, ơ tulos e honrarias. Um dos exemplos
          sódio como o primeiro da história de Portugal. Apenas no Séc. XIX,   mais claros é Ermígio Moniz, nomeado mordomo-mor (vitalício) até
          com Herculano, se retomou a importância matricial de S. Mamede,   à sua morte em 1137 e que, já em 1132, um documento da região
          depois de séculos miƟ fi cando-se a batalha de Ourique, e a lenda das   de Santa Maria se referia a ele dizendo que “(…)é feito sob o poder
          cinco chagas de Cristo – e a visão do divino pelo Rei –, que teriam   do mesmo, perfeito de toda a província portucalense”, como se a
          infl uenciado as armas que constavam, desde então, nas insígnias do   sua autoridade dependesse de representação directa do Príncipe.
          Reino. Já o Cónego de Santa Cruz de Coimbra, contudo, considerava   Muitos referem, por este facto e outros, que terá sido ele o “aio” do
          que de S. Mamede resultou a resƟ tuição do poder ao Rei legíƟ mo.  Príncipe e não o seu irmão Egas Moniz.
           S. Mamede, em que Gonçalo Mendes da Maia foi um dos barões   Por tudo o que sabemos, e conhecemos, o Lidador permanece
          que, com um exército mais pequeno, venceram ao lado do Prín-  uma fi gura imortal, imemorial, na galeria dos notáveis. Dele, e da
          cipe Afonso, teve, pois, um verdadeiro signifi cado nacional, por-  sua Alma grande, recebemos a lição de vida que é esta bravura sã e
          quanto resultou de um movimento global de apoio ao jovem   limpa de morrer por uma Ideia, uma Pátria, e pelo seu Rei.
          Infante, em que estava congregada a grande linhagem territorial
          dos vastos domínios de Coimbra para Norte, estando os nobres                          Dr. Luís da Costa Diogo
          unidos no senƟ do de rejeitar as políƟ cas de vinculação à Galiza,         CHEFE DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
          e a Leão, servindo uma causa intrinsecamente portucalense. Este   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co


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