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Fotos Museu de Marinha – Arquivo Histórico de Imagens da Marinha
Ao meio-dia chegará ao comando da Esquadrilha um
telegrama a comunicar a tragédia. O seu Comandante par-
Ɵ rá para Mutarára na madrugada seguinte, acompanhado
do farmacêuƟ co da vila e de um elemento feminino para
assisƟ r às senhoras e às crianças, num vapor especialmente
requisitado para transportar os feridos para Chinde.
Uma outra descrição deste mesmo episódio, emoƟ va e
grafi camente mais pormenorizada, chega-nos em 1941 pela
pena de Filipe Gastão de Moura CouƟ nho nas páginas do
nº 26 da revista «Moçambique». Moura CouƟ nho, que se
apresenta como tendo intervindo nos socorros e trabalhos
de salvamento, terá ocorrido ao local pouco depois de os
cadáveres terem sido reƟ rados da lancha-canhoneira. Des-
creve o destroço ainda fumegante, os corpos desarƟ culados
projectados à distância e o sofrimento dos sobreviventes.
Também ele refere a possibilidade de sabotagem.
Apesar da diversa bibliografi a que considera a hipótese
de ter ocorrido uma acção de sabotagem, essa não foi a
conclusão do 1º Tenente Jeronymo Weinholtz de Bívar no
seu relatório. O comandante da Esquadrilha explicou que
Um relatório da ocorrência foi elaborado pelo comandante da no lago Nyassa, onde exisƟ am postos de lenha para fornecimento à
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Esquadrilha, que se deslocou ao local no dia seguinte. Escreveu o navegação, foi meses antes encontrada uma bomba dissimulada num
1º Tenente Jeronymo Weinholtz de Bívar que a lancha-canhoneira bocado de lenha disfarçada com lama, para ocultar a cavidade na
Tete Ɵ nha saído de Chinde no dia 15 de Fevereiro. Rebocou duas madeira. No entanto, após a inquirição das testemunhas e as diligên-
barcaças vazias para, cumprindo as ordens do Governador, carre- cias de averiguação da causa do rebentamento, nada pareceu indiciar
gar em Mutarára com 30 toneladas de milho com desƟ no à vila de que se Ɵ vesse tratado de uma situação semelhante e o 1º Tenente
Tete. Pelas 08h00 do dia 20 prepara-se para abandonar Mutarára Weinholtz de Bívar não apresenta esta hipótese. A ter-se comprovado
e atraca à margem oposta do rio para desembarcar um elemento a sabotagem, a lancha-canhoneira Tete entraria para a História juntan-
indígena da guarnição que devia baixar ao hospital, em Sena. Per- do-se ao caça-minas Roberto Ivens e ao patrulha-de-alto-mar Augusto
maneceu a aguardar que os machileiros que conduziram o doente de CasƟ lho, os dois navios da Armada reconhecidamente perdidos em
regressassem a bordo e, quando estes são avistados ao longe, o acções de guerra. Não sendo esse o caso, ainda assim, a perda da Tete
2º Tenente Barcelos Nascimento põe o telégrafo da máquina em lembra-nos que mesmo longe da linha da frente o risco esteve sem-
atenção. De imediato, o fogueiro de serviço se desloca para o seu pre presente nas roƟ nas da Armada e alguns marinheiros pagaram o
posto. Os machileiros terão demorado cerca de 15 minutos a chegar preço mais alto no cumprimento da sua missão.
até ao ponto onde a lancha-canhoneira estava atracada e é nesse
momento, quando se procedia à manobra de safar cabos, que se dá Paulo Costa
o inesperado rebentamento. Da guarnição, dois chegadores, de seu pncosta@fcsh.unl.pt
nome Boaterra e Aguiar, morrem de imediato. O cozinheiro Joaquim N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
desaparece, presume-se que volaƟ lizado pela explosão. O piloto e
um 2º fogueiro morrerão mais tarde no hospital de Sena, devido à Nota
gravidade dos ferimentos. De entre os passageiros civis, o rebenta- 1 Arquivo Histórico da Marinha – Núcleo 9039 Esquadrilha do Zambeze – Códice 6
mento provocou a morte imediata do Secretário da Circunscrição de 1917 – Inquérito ao desastre da lancha-canhoneira Tete.
Mutarára, Carlos Monteiro Marques, e dos dois fi lhos, ainda crian- Arquivos
ças, do comandante: Fernando, de três anos, e Maria Madalena, Arquivo Histórico da Marinha – Núcleo 9039 Esquadrilha do Zambeze – Códice 6
de apenas sete meses. Um terceiro irmão, Eugénio, de dois anos, 1917 – Inquérito ao desastre da lancha-canhoneira Tete.
fracturou uma perna e sofreu queimaduras. Outros dois passageiros Museu de Marinha – Arquivo Histórico de Imagens da Marinha – Lancha-canhoneira
Tete
civis sofreram queimaduras graves mas sobreviveram. Tratou-se do
Aspirante da Fazenda Francisco de Melo, e da esposa do director do Bibliografia
Correio de Tete, D. Bertha Luzay Campinho. A esposa do 2º Tenente Afonso, A., Gomes, M. A., Coord., 2013. Portugal e a Grande Guerra 1914-1918.
2ª Edição. Vila do Conde: Verso da História.
Barcelos Nascimento sofre vários ferimentos e queimaduras graves. CouƟ nho, F. G. M., 1941. O fi m trágico da lancha-canhoneira Tete in Moçambique:
Em grande agonia sobrevive no hospital de Sena até dia 26. Piedosa- documentário trimestral nº 26, pp.39-49.
mente, a ausência do marido é-lhe jusƟ fi cada com os deveres milita- Inso, J. C., 1937-1939. Anais do Clube Militar Naval/A Marinha Portuguesa na
res deste, que teria optado por se fazer acompanhar dos fi lhos para Grande Guerra, 2006. Lisboa: Edições Culturais da Marinha.
os poupar a ver a mãe naquele estado. Angelina Ferreira de Castro Santos, J. F., 2008. Navios da Armada Portuguesa na Grande Guerra. Lisboa: Acade-
Nascimento nunca saberá que o marido não chegou sequer ao hos- mia de Marinha.
pital, tendo perecido algumas horas depois do incidente. Telo, A. J. Coord., 1999. História da Marinha Portuguesa – Homens, Doutrinas e
Organização 1824-1974 (Tomo I). Lisboa: Academia de Marinha.
Sobreviveram 32 elementos, com ferimentos diversos.
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