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REVISTA DA ARMADA | 527
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Batalha de Ourique, de Jorge Colaço, Centro Cultural Rodrigo de Faria, Esposende
mos episódios épicos de combate contra as expedições e invesƟ das Neiva, e é confi rmado por Egas Moniz (nele se referindo que o Rei
muçulmanas por aldeias, vilas e mosteiros – a signifi caƟ va quan- está no castelo de Faria); quanto à referência ao castelo de Santa
Ɵ dade de mosteiros, já então –, que, em especial desde fi nais do Maria da Feira, pode esta confi rmar-se a parƟ r da doação feita a
Séc. X, se estendiam por terras portucalenses. Mem Fernandes de Marnel, que Ɵ nha sido afastado em favor de
Soeiro Mendes da Maia, o Bom, foi o nobre que mais brilhante- Peres de Trava. Discute-se, de entre os que interpretam estes factos
mente se disƟ nguiu durante o exercício do poder condal de D. Hen- históricos, se a referência é ao castelo de Faria, e não à Feira, por-
rique, e, antes mesmo dessa altura, sob as ordens de Afonso VI de quanto o seu governador era Ermígio Moniz, irmão de Egas, pelo
Leão, tendo sido governador de Santarém; seu fi lho, Paio Soares da que é bastante provável que Faria, perto de Neiva, Ɵ vesse aderido
Maia, foi mordomo e alferes do conde D. Henrique, mas era daquela a D. Afonso, facto que não exclui a adesão da Feira de Santa Maria
nobreza que, por convicção e honra, não integrou a corte da Rainha ao Príncipe, como também resulta de outros elementos disponíveis.
D. Teresa, em especial desde a altura em que ela passou parte da Depois da nomeação de Pero Pais da Maia, como alferes do Reino,
execução da sua autoridade ao Conde de Trava, e, sobretudo, desde em 1147, subsƟ tuindo Mem Fernandes de Bragança – o que lhe deu
que Fernão Peres de Trava assumiu a tenência de Coimbra, num ato o nome de Pero Pais Alferes, cargo que ocupou durante 12 anos –,
que foi considerado, pela velha aristocracia portucalense, uma clara e considerando a morte, em 1138, de Pero Pais da Maia, o ilustre e
ofensa e um desafi o aos terra-tenentes portucalenses. poderosíssimo arcebispo de Braga, a família Mendes da Maia iniciou
Estes grandes senhores do Ribadouro – conjuntamente com um lento processo de decadência, sobretudo comparando-se com o
os Moniz, os Braganções, os Sousa e os Ramires – Ɵ veram uma estatuto que teve no século e meio anterior, o qual era mais condi-
infl uência decisiva nos desƟ nos do Condado Portucalense, tendo zente com a sua alta linhagem.
os senhores da Maia Ɵ do uma importância fulcral durante um largo Gonçalo Mendes era desta raça de cavaleiros nortenhos, nobreza
período de tempo, em especial de 1070 a 1106. A família Mendes de espada que, juntamente com Mem Moniz, Paio Ramires e Lou-
da Maia, bem como Sancho Nunes de Barbosa, e ainda – inte- renço Viegas, construíram histórias de conquista que foram pas-
grando uma nobreza de menor estatuto – os de Silva e, mais tarde, sando durante mais de 9 séculos, no imaginário míƟ co supra-gera-
os de Lanhoso, de Palmeira, de Azevedo, os Guedões, Ramirões e cional dos portugueses.
os Velhos, pelos dados que se conhecem, abandonaram a corte da A conquista de Tui, em que o Lidador caminhou à frente de 1500
Rainha entre 1122 e 1125, deixando perto de D. Teresa, ao lado dos cavaleiros e mais de 500 peões, e enfrentou Fernão Peres de Trava,
Travas, a família de Baião, de Egas Gosendes, o Mordomo, e seus é um desses episódios. Famosa, ainda, a campanha que Gonçalo
fi lhos João e Pedro Viegas, bem como Gomes Nunes de Barbosa. Mendes fez ao lado do Rei Afonso, o Primeiro, em 1138, por ter-
É claro, pela documentação existente, que depois do cerco de ras do Além-Tejo, rumo à conquista de terras de Al-Bash (Elvas),
Guimarães, em Outubro de 1127, se verifi cou uma aliança entre o de Badalhouce (Badajoz) e de Ishibiliya (Sevilha), à frente de mais
Príncipe Afonso e os nobres de alta linhagem portucalense, vendo de 12.000 cavaleiros e milhares de peões, bem como a magnífi ca
nele um chefe determinado para vencer a Rainha e o seu apoio expedição que levou à conquista – segundo uns em 1158, outros em
galego. O facto é que o Príncipe quis exteriorizar a afi rmação do seu 1160 – de Al-Qasr-al-Baja (Alcácer do Sal).
poder, começando a praƟ car atos de soberania como sejam cartas Alcácer representava uma ameaça constante para Lisboa – con-
de couto – por exemplo, ao eremitério de São Vicente de Fragoso, quistada há 11/12 anos num projecto de cruzada com a ajuda de
em Dezembro de 1127, e ao mosteiro de Manhente em Janeiro de ingleses e fl amengos –, sobretudo devido ao potencial maríƟ mo
1128, e a confi rmação do foral de Guimarães em Abril de 1128 –, que Ɵ nha; os ataques dos almóadas da cidade, além da constante
numa manifestação de vontade clara de governar, enfrentando a pilhagem de campos, vilas e aldeias nos arredores da cidade, preju-
Rainha sua mãe. dicavam determinantemente a pesca e as linhas de abastecimento
Relata a Crónica Galego-Portuguesa, que foi a Rainha que quis a Lisboa. Aliás, era de Al-Qasr-Al-Baja que parƟ am as frotas para os
afastar o príncipe a quem pertencia o governo do então Condado, ataques às costas da Galiza no início do Séc. XII. O castelo de Alcácer
como sucessor de D. Henrique; é esta a expressão da Crónica: era um dos principais “postos avançados” de uma fronteira que se
“Estonces, foi-se ele para Portugal e num achou u se colher, ca toda desenhava de Badajoz a Mérida.
a terra se lhe levantou côa madre (…) Então tomou dous castelos Toda a sua conquista está envolta em lenda, sobretudo lendo-se
a sa madre, e úu foi Névia e o outro o castelo da Feira, que é em os Anais de D. Afonso; pelas suas descrições, o Rei, com apenas 80
santa Maria. E com aqueles dous castelos guerreou ele mui rija- cavaleiros que saíram de Santarém, venceram os almóadas equi-
mente seu padrasto.” pados com armaduras e lanças, e que seriam 500 com a ajuda de
Antes da batalha de S. Mamede, um dos documentos do Príncipe várias dezenas de peões. São, contudo, muito nebulosos os textos
Afonso, já referidos, é quanto ao mosteiro de Manhente, perto de que nos chegam sobre a conquista de Alcácer, porque o Rei terá Ɵ do
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