Page 21 - Revista da Armada
P. 21

REVISTA DA ARMADA | 527


                                                                                                               DR

















           Batalha de Ourique, de Jorge Colaço, Centro Cultural Rodrigo de Faria, Esposende

          mos episódios épicos de combate contra as expedições e invesƟ das   Neiva, e é confi rmado por Egas Moniz (nele se referindo que o Rei
          muçulmanas por aldeias, vilas e mosteiros – a signifi caƟ va quan-  está no castelo de Faria); quanto à referência ao castelo de Santa
          Ɵ dade de mosteiros, já então –, que, em especial desde fi nais do   Maria da Feira, pode esta confi rmar-se a parƟ r da doação feita a
          Séc. X, se estendiam por terras portucalenses.      Mem Fernandes de Marnel, que Ɵ nha sido afastado em favor de
           Soeiro Mendes da Maia, o Bom, foi o nobre que mais brilhante-  Peres de Trava. Discute-se, de entre os que interpretam estes factos
          mente se disƟ nguiu durante o exercício do poder condal de D. Hen-  históricos, se a referência é ao castelo de Faria, e não à Feira, por-
          rique, e, antes mesmo dessa altura, sob as ordens de Afonso VI de   quanto o seu governador era Ermígio Moniz, irmão de Egas, pelo
          Leão, tendo sido governador de Santarém; seu fi lho, Paio Soares da   que é bastante provável que Faria, perto de Neiva, Ɵ vesse aderido
          Maia, foi mordomo e alferes do conde D. Henrique, mas era daquela   a D. Afonso, facto que não exclui a adesão da Feira de Santa Maria
          nobreza que, por convicção e honra, não integrou a corte da Rainha   ao Príncipe, como também resulta de outros elementos disponíveis.
          D. Teresa, em especial desde a altura em que ela passou parte da   Depois da nomeação de Pero Pais da Maia, como alferes do Reino,
          execução da sua autoridade ao Conde de Trava, e, sobretudo, desde   em 1147, subsƟ tuindo Mem Fernandes de Bragança – o que lhe deu
          que Fernão Peres de Trava assumiu a tenência de Coimbra, num ato   o nome de Pero Pais Alferes, cargo que ocupou durante 12 anos –,
          que foi considerado, pela velha aristocracia portucalense, uma clara   e considerando a morte, em 1138, de Pero Pais da Maia, o ilustre e
          ofensa e um desafi o aos terra-tenentes portucalenses.   poderosíssimo arcebispo de Braga, a família Mendes da Maia iniciou
           Estes grandes senhores do Ribadouro – conjuntamente com   um lento processo de decadência, sobretudo comparando-se com o
          os Moniz, os Braganções, os Sousa e os Ramires –  Ɵ veram  uma   estatuto que teve no século e meio anterior, o qual era mais condi-
          infl uência decisiva nos desƟ nos do Condado Portucalense, tendo   zente com a sua alta linhagem.
          os senhores da Maia Ɵ do uma importância fulcral durante um largo   Gonçalo Mendes era desta raça de cavaleiros nortenhos, nobreza
          período de tempo, em especial de 1070 a 1106. A família Mendes   de espada que, juntamente com Mem Moniz, Paio Ramires e Lou-
          da Maia, bem como Sancho Nunes de Barbosa, e ainda – inte-  renço Viegas, construíram histórias de conquista que foram pas-
          grando uma nobreza de menor estatuto – os de Silva e, mais tarde,   sando durante mais de 9 séculos, no imaginário míƟ co supra-gera-
          os de Lanhoso, de Palmeira, de Azevedo, os Guedões, Ramirões e   cional dos portugueses.
          os Velhos, pelos dados que se conhecem, abandonaram a corte da   A conquista de Tui, em que o Lidador caminhou à frente de 1500
          Rainha entre 1122 e 1125, deixando perto de D. Teresa, ao lado dos   cavaleiros e mais de 500 peões, e enfrentou Fernão Peres de Trava,
          Travas, a família de Baião, de Egas Gosendes, o Mordomo, e seus   é um desses episódios. Famosa, ainda, a campanha que Gonçalo
          fi lhos João e Pedro Viegas, bem como Gomes Nunes de Barbosa.   Mendes fez ao lado do Rei Afonso, o Primeiro, em 1138, por ter-
           É claro, pela documentação existente, que depois do cerco de   ras do Além-Tejo, rumo à conquista de terras de Al-Bash (Elvas),
          Guimarães, em Outubro de 1127, se verifi cou uma aliança entre o   de Badalhouce (Badajoz) e de Ishibiliya (Sevilha), à frente de mais
          Príncipe Afonso e os nobres de alta linhagem portucalense, vendo   de 12.000 cavaleiros e milhares de peões, bem como a magnífi ca
          nele um chefe determinado para vencer a Rainha e o seu apoio   expedição que levou à conquista – segundo uns em 1158, outros em
          galego. O facto é que o Príncipe quis exteriorizar a afi rmação do seu   1160 – de Al-Qasr-al-Baja (Alcácer do Sal).
          poder, começando a praƟ car atos de soberania como sejam cartas   Alcácer representava uma ameaça constante para Lisboa – con-
          de couto – por exemplo, ao eremitério de São Vicente de Fragoso,   quistada há 11/12 anos num projecto de cruzada com a ajuda de
          em Dezembro de 1127, e ao mosteiro de Manhente em Janeiro de   ingleses e fl amengos –, sobretudo devido ao potencial maríƟ mo
          1128, e a confi rmação do foral de Guimarães em Abril de 1128 –,   que Ɵ nha; os ataques dos almóadas da cidade, além da constante
          numa manifestação de vontade clara de governar, enfrentando a   pilhagem de campos, vilas e aldeias nos arredores da cidade, preju-
          Rainha sua mãe.                                     dicavam determinantemente a pesca e as linhas de abastecimento
           Relata a Crónica Galego-Portuguesa, que foi a Rainha que quis   a Lisboa. Aliás, era de Al-Qasr-Al-Baja que parƟ am as frotas para os
          afastar o príncipe a quem pertencia o governo do então Condado,   ataques às costas da Galiza no início do Séc. XII. O castelo de Alcácer
          como sucessor de D. Henrique; é esta a expressão da Crónica:   era um dos principais “postos avançados” de uma fronteira que se
          “Estonces, foi-se ele para Portugal e num achou u se colher, ca toda   desenhava de Badajoz a Mérida.
          a terra se lhe levantou côa madre (…) Então tomou dous castelos   Toda a sua conquista está envolta em lenda, sobretudo lendo-se
          a sa madre, e úu foi Névia e o outro o castelo da Feira, que é em   os Anais de D. Afonso; pelas suas descrições, o Rei, com apenas 80
          santa Maria. E com aqueles dous castelos guerreou ele mui rija-  cavaleiros que saíram de Santarém, venceram os almóadas equi-
          mente seu padrasto.”                                pados com armaduras e lanças, e que seriam 500 com a ajuda de
           Antes da batalha de S. Mamede, um dos documentos do Príncipe   várias dezenas de peões. São, contudo, muito nebulosos os textos
          Afonso, já referidos, é quanto ao mosteiro de Manhente, perto de   que nos chegam sobre a conquista de Alcácer, porque o Rei terá Ɵ do


                                                                                                   MARÇO 2018  21
   16   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26