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REVISTA DA ARMADA | 543


                                                       VIGIA DA HISTÓRIA                                 110









                                                       A HISTÓRIA


                                                       REPETE-SE?







                                                          episódio que hoje se divulga poderia servir, sem grande esforço,
                                                       O  como argumento para todos os que consideram que a História se vai
                                                       repeƟ ndo, o que, estou em crer, não acontece, mas que, por vezes, assim
                                                       parece ser o caso, o eventual leitor decidirá.
                                                        As instalações navais no rio Coina, das mais anƟ gas ao serviço da Mari-
                                                       nha, talvez mesmo as mais anƟ gas, eram consƟ tuídas por um estaleiro de
                                                       construção naval, a Feitoria da Telha, os fornos do Vale do Zebro, onde era
                                                       fabricado o biscoito para as armadas, e os armazéns da Azinheira onde
                                                       eram guardados material e equipamento dos navios e, muito em especial,
                                                       as madeiras para a construção dos navios, neste caso enterradas no lodo,
                                                       garanƟ ndo assim a sua conservação.
                                                        Vai para pouco mais de 20 anos, aquando da reatribuição das instalações
                                                       da Azinheira à Marinha, concretamente ao InsƟ tuto Hidrográfi co, um dos
                                                       aspectos que, desde logo, saltou à vista, foi o de que as instalações esta-
                                                       vam a ser devassadas e objecto de roubo, quer das madeiras enterradas,
                                                       quer de janelas e portas das instalações, quer ainda de cantarias, sanitas,
                                                       autoclismos, torneiras, canalizações, etc… ( )
                                                                                        1
                                                        Tais roubos só poderiam ter sido levados a cabo por alguém que conhe-
                                                       cesse relaƟ vamente bem as instalações, o que nem era diİ cil, nem de
                                                       estranhar, dado o estado total de abandono a que as instalações estavam
                                                       votadas.
                                                        Corria o ano de 1638 quando Francisca Fernandes e os seus sobrinhos,
                                                       Simão Fernandes e António Carvalho, moradores no lugar da Telha, (junto
                                                       a Palhais, na proximidade de Vale do Zebro) foram presos por terem sido
                                                       denunciados como tendo roubado material da fazenda real.
                                                        Francisca Fernandes, em requerimento daquele ano, contestava a prisão
                                                       referindo que em sua casa e na dos sobrinhos somente haviam sido encon-
                                                       trados alguns paus velhos, paus esses que ali se encontravam há mais de
                                                       25 anos, do tempo em que o seu marido, o piloto do rio Coina e guarda
                                                       da feitoria, Cristóvão Álvares, era vivo e quando ainda não era casada com
                                                       ele, nem os seus sobrinhos haviam nascido. Acrescentava ainda que o seu
                                                       marido servira durante 50 anos, tendo morrido ao serviço sem que alguma
                                                       vez constasse ou fosse suspeito de qualquer furto.
                                                        Da devassa efectuada por um juiz provou-se que o piloto afi nal furtara
                                                       imensas madeiras que uƟ lizava para construir barcos e fragatas que depois
                                                       vendia, bem como outros materiais que uƟ lizara para construir casas na
                                                       zona, quer para ele, quer para vender, e que nesses roubos era auxiliado
                                                       pelos sobrinhos. Acrescentava ainda o juiz que em casa da viúva haviam
                                                       sido encontrados 33 paus, várias tábuas de madeira e pregos idenƟ fi cados
                                                       como sendo para a construção de navios.

                                                                                                      Cmdt. E. Gomes

                                                       ( ) A ơ tulo de curiosidade refi ra-se que, inclusive, um dos armazéns da entrada era uƟ lizado por uma
                                                       1
                                                       quadrilha de assaltantes da zona, para aí guardarem o produto dos seus assaltos.
                                                       Fonte: AHU Maços do Reino cx. 10 pasta 47
                                                       N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co


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