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REVISTA DA ARMADA | 549
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O ACORDAR DA BELA ADORMECIDA
omo se constatou no arƟ go do mês
Cpassado, o conceito da Cooperação
Estruturada Permanente remonta ao
Tratado de Lisboa, tendo como objeƟ vo
principal apoiar a edifi cação de capaci-
dades militares no âmbito da PolíƟ ca
Comum de Segurança e Defesa (PCSD).
Esse conceito radica no arƟ go 42.º, n.º
6, do Tratado da União Europeia, que
permite o estabelecimento de uma
Cooperação Estruturada Permanente
por parte dos Estados-Membros (EM)
cujas capacidades militares preencham
critérios mais elevados e que tenham
assumido entre si compromissos mais
vinculaƟ vos na matéria, tendo em vista
a realização das missões mais exigentes.
No entanto, devido à crise económi-
co-fi nanceira de 2008, nos anos que se
seguiram à entrada em vigor do Tra-
tado de Lisboa (a 1 de dezembro de 2009), a PCSD não consƟ tuiu Segurança, publicada em junho de 2016, sob o ơ tulo “Shared
uma prioridade políƟ ca por parte da UE e a Cooperação Estru- Vision, Common AcƟ on: A Stronger Europe – A Global Strategy
turada Permanente não passou do papel. Isso levou mesmo o for the European Union’s Foreign and Security Policy”, que preco-
então Presidente do Conselho Europeu, Jean-Claude Juncker, a niza o aprofundamento da cooperação, de forma estruturada, no
chamar-lhe “a Bela Adormecida do Tratado de Lisboa”. domínio da defesa.
Todavia, conƟ nuava evidente a falta de capacidade de resposta No entanto, os dois principais promotores da Cooperação Estru-
militar da UE e dos seus EM. A operação na Líbia, em 2011, ape- turada Permanente Ɵ nham visões disƟ ntas para a sua concreƟ -
nas veio confi rmar as lacunas europeias em termos de capacida- zação. Por um lado, a França privilegiava a ambição, tentando
des militares, lacunas essas que já Ɵ nham fi cado patentes, por infl uenciar no senƟ do do estabelecimento de critérios de adesão
exemplo, em 1999, durante a campanha de bombardeamento do bastante exigentes, acompanhados de compromissos operacio-
Kosovo. nais vinculaƟ vos. Por outro lado, a Alemanha favorecia a inclusi-
Neste quadro, a evolução do ambiente estratégico, sobretudo a vidade, procurando, sobretudo, alargar a parƟ cipação ao maior
parƟ r de 2014, com a crise da Crimeia, foi decisiva para que a UE número possível de EM. Esta dicotomia foi resolvida quando
(re)introduzisse, na sua agenda políƟ ca, o aprofundamento da ambos os países acordaram que, para entrar numa Cooperação
defesa europeia. EfeƟ vamente, o contexto estratégico em torno Estruturada Permanente, os EM não necessitavam de possuir
da UE e da região Euro-AtlânƟ ca agudizou-se, com o (res)surgi- determinadas capacidades ou de empenhar determinados meios
mento de ameaças e riscos provenientes do fl anco leste, onde operacionais, necessitando antes de se comprometer a aƟ ngir
a Rússia passou de uma posição de potencial parceiro para uma objeƟ vos relaƟ vamente ambiciosos. Dessa forma, a Cooperação
situação de compeƟ dor, mas também do fl anco sul, que abarca Estruturada Permanente passou a ser um “processo”, visando
todo o Norte de África e o Médio Oriente, regiões de onde aƟ ngir objeƟ vos de médio e longo prazo.
emerge toda uma mulƟ plicidade de desafi os à segurança inter- O equilíbrio alcançado entre a ambição e a inclusividade levou
nacional. A essas ameaças e riscos acresciam ainda os ciberata- a Alemanha e a França a apresentarem, em junho de 2017, uma
ques, que ameaçavam o sistema nervoso central dos EM, nomea- lista de compromissos vinculaƟ vos para a implementação da
damente infraestruturas de internet, sistemas de comunicação e Cooperação Estruturada Permanente, visando consƟ tuir a base
informação e outras infraestruturas críƟ cas. dos critérios a adotar pelo Conselho da UE. Essa lista contou,
Com essas alterações do ambiente estratégico e com o conse- desde o início, com o apoio de Espanha e de Itália, prontamente
quente crescimento de um senƟ mento de insegurança na Europa, seguidas por Bélgica, Finlândia, Holanda e República Checa – evi-
a Cooperação Estruturada Permanente ganhou outra prioridade denciando um apoio de largo espetro geográfi co.
na agenda políƟ ca europeia, como é possível constatar, por Além disso, outro fator decisivo para o avanço da Coopera-
exemplo, na Estratégia Global da UE para a PolíƟ ca Externa e de ção Estruturada Permanente foi a criação do Fundo Europeu de
4 MARÇO 2020