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REVISTA DA ARMADA | 551
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DAESH 2.0
Combates para a recaptura de Mosul.
terrorismo é camaleónico e tem a capacidade de se reinventar, chegaram a viver cerca de 7,7 milhões de pessoas. O Daesh criou,
O com novas formas de organização e de manifestação. Mesmo então, aquilo que LoreƩ a Napolioni designa (no seu livro Modern
neste quadro, o surgimento, em junho de 2014, do autodenomi- Jihad – Tracing the Dollars Behind the Terror Networks) como um
nado Estado Islâmico, também conhecido como Daesh, represen- “estado-concha” (“state-shell”), i.e., uma enƟ dade estatal “de facto”,
tou um verdadeiro choque estratégico, com enorme impacto global. consƟ tuída em torno de uma economia de guerra gerida por um
Agora que o Daesh se procura adaptar às novas circunstâncias grupo insurgente, em que a parƟ cipação políƟ ca da população é
decorrentes da perda de território e do seu líder al-Baghdadi, jusƟ fi - proibida ou residual.
ca-se relembrar um pouco da história deste movimento. Contudo, o “estado-concha” não evidencia todos os pilares de um
Estado moderno. EfeƟ vamente, Christopher Pierson defende, no seu
1ª FASE: PRÉDAESH livro Modern State, que um Estado moderno possui nove caracterísƟ -
cas principais. Destas, o califado do Daesh possuía quatro: monopólio
O grupo que veio a ser conhecido como Daesh apareceu no Iraque, do uso da violência, territorialidade, burocracia pública e cobrança de
após a invasão norte-americana de 2003. Nessa altura, al-Zarqawi impostos. As restantes cinco caracterísƟ cas – soberania, consƟ tucio-
emergiu como o líder das forças jihadistas no país e o grupo insur- nalidade, primado da lei, exercício legíƟ mo da autoridade e cidadania
gente por si liderado juntou-se à Al-Qaeda, de Bin Laden, em 2004, – estavam ausentes do território governado pelo Daesh.
passando a denominar-se Al-Qaeda no Iraque. Em 2006, al-Zarqawi Foi, também, nesta altura que o mundo foi confrontado com a
foi morto num ataque seleƟ vo perpetrado pelos EUA e o grupo pas- extrema violência do grupo, que começou a propagar o medo, divul-
sou por difi culdades que levaram ao seu quase desaparecimento, gando vídeos de execuções sumárias de ocidentais, a maior parte
até que, em 2010, Abu Bakr al-Baghdadi ascendeu a líder, confe- dos quais jornalistas. Além disso, os membros do grupo – que che-
rindo uma nova dinâmica ao grupo. Com a guerra civil na Síria (ini- garam a incluir mais de 40.000 combatentes estrangeiros (foreign
ciada em 2011), este começou a conquistar território e, em 2013, fi ghters), provenientes de mais de 100 países – exerceram violência
mudou a sua designação para Estado Islâmico do Iraque e da Síria gratuita sobre as populações, fi zeram escravas sexuais, perseguiram
(Islamic State of Iraq and Syria – ISIS). Em janeiro de 2014, o grupo Católicos e Yazidis, e destruíram obras arquitetónicas únicas, como
ocupou Raqqa, na Síria, que passou a ser a sua capital e, a parƟ r na cidade de Palmira. A parƟ r de 2015, o Daesh começou a expor-
daí, conquistou cidade após cidade, incluindo Mosul, no Iraque. E foi tar o terror para todo o mundo, inspirando ataques terroristas de
exatamente nessa cidade que, em junho de 2014, al-Baghdadi anun- grande repercussão. A Europa não escapou a esta espiral de violên-
ciou a criação de um califado, tendo, também, comunicado que este cia, como foi testemunhado por parisienses, londrinos ou bruxelen-
se designava Estado Islâmico. ses, entre outros.
Além disso, nesta fase, mais de 40 organizações subversivas espa-
2ª FASE: DAESH 1.0 lhadas pelo mundo declararam a sua fi delidade ao Daesh, muitas
delas consƟ tuindo-se como províncias do Estado Islâmico, designa-
Iniciou-se, assim, a primeira fase do Daesh propriamente dito, damente o Boko Haram (na Nigéria), o Abu Sayyaf (nas Filipinas), a
caracterizada pela posse de território, cuja área chegou a aƟ ngir Província do Sinai do Estado Islâmico (no Egipto), o Estado Islâmico
cerca de 90.000 km (aproximadamente, a área de Portugal) e onde da Líbia e o Estado Islâmico do Afeganistão.
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4 MAIO 2020