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REVISTA DA ARMADA | 552


               ESTÓRIAS                                                                                        60


              TRAMBOLHÃO




















































                 viagem de instrução na “Sagres” já ia longa. Ainda para mais   os nossos infortúnios. O cansaço fazia os seus estragos, aliado ao
              A  os portos escalados Ɵ nham fi cado longe daquilo que a ima-  desespero de olhar para uma carta de pequena escala em que os
              ginação dos cadetes considerava como o prémio de fi nal de ano   pontos ao meio-dia quase estão em cima uns dos outros.
              que merecia por direito natural. Para agravar, as Ɵ radas entre   O bicho cadete é naturalmente propenso para o disparate, mas
              portos foram quase todas compridas.                 as condições em que se encontrava, na fase fi nal desta viagem
               A “Sagres”, independentemente de ser uma bela barca, é um navio   de instrução, era parƟ cularmente propícia à sua proliferação. E o
              muito trabalhoso, mormente para os cadetes. Os dias dividem-se   mesmo não se fez esperar.
              entre aulas, baldeações, pinturas, limpezas de amarelos, fainas   O cadete C. ao marcar o ponto do meio-dia, deu em reparar
              de mastros, para além dos inevitáveis quartos. Para os cadetes da   mais detalhadamente na baƟ métrica, constatando que a profun-
              classe de Marinha ainda haviam os infi ndáveis crepúsculos, com as   didade no local era superior a 5000 metros.
              observações de estrelas seguidas de cálculos intermináveis para a   Vai daí, do alto da sua sapiência diz:
              determinação do ponto. Como estávamos no Verão, não é diİ cil   – Eh pá! Já repararam no trambolhão que dávamos se o mar
              adivinhar que o crepúsculo matuƟ no se fazia bem cedo pela madru-  desaparecesse de repente?
              gada, e o vesperƟ no bem tarde. Além disso, como veleiro que é, a
              maioria das Ɵ radas foram feitas à vela. Ora, para um veleiro navegar                       Mamede Alves
              bem, precisa de vento. Vento foi o que naquela viagem de instrução                                  CFR
              quase não se viu, pois entre a passagem pela laƟ tude das calma-  N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
              rias na ida e regresso de Cabo Verde, e a escala nos Açores, mesmo
              no olho do respecƟ vo anƟ ciclone que naquela altura do ano por ali   Notas
              assenta arraiais, a maior parte do tempo o pano estava pendurado.   1  Jogo de futebol em que as bolas são feitas de meias e o campo é o poço do navio,
              A nadar navegávamos mais depressa que o navio.        sendo necessário contornar o mastro grande.
               A pasmaceira começava a tomar conta da guarnição. Nem o fute-  2  Concurso feito entre a guarnição e que consiste em tentar adivinhar a quanƟ dade
              bol de convés  ou o totomilhas  serviam de grande consolo para   de milhas percorridas entre as 12 horas de um dia e as 12 horas do dia seguinte.
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