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REVISTA DA ARMADA | 553


              SAÚDE PARA TODOS                                                                                  77



              CIRURGIA MAXILOFACIAL                                                                                DR



              A Cirurgia Maxilofacial é uma especialidade hospitalar do foro cirúrgico que se ocupa da prevenção, diagnósƟ co, tratamento e rea-
              bilitação da patologia facial, cervical e oral. Apesar da sua longa história, esta especialidade médica é ainda pouco conhecida pelo
              público em geral, moƟ vo pelo qual este arƟ go se vai debruçar sobre a práƟ ca clínica habitual destes médicos.


                 m médico especialista em Cirurgia Maxilofacial (CMF) em Portu-  da CMF deu-se durante a primeira e segunda guerras mundiais, em
              Ugal completa a sua formação médica numa faculdade de medi-  que os cirurgiões se depararam com a necessidade de reconstruir
              cina (curso com duração de 6 anos leƟ vos) e envereda no Internato   grandes áreas de muƟ lação facial, para reestabelecer quer a funcio-
              Médico. O Internato Médico em Portugal prevê a existência de duas   nalidade, quer a estéƟ ca. O Dr. Blair (Chefe da equipa de Cirurgia
              vertentes: Formação Geral (duração de 1 ano) e Formação Especia-  PlásƟ ca e Maxilofacial das Forças Armadas dos Estados Unidos), em
              lizada (conforme a especialidade médica escolhida, varia entre 4-6   1912, escreveu: “As trincheiras (...) protegiam o tronco e as pernas
              anos). Ambas as formações são frequentadas pelos médicos inter-  enquanto a cabeç a e o pescoç o permaneciam expostos à s armas
              nos junto de serviços de saúde do Serviço Nacional de Saúde, iden-  inimigas. Quando retornavam a casa os soldados com sequelas de
              Ɵ fi cados com idoneidade e capacidade formaƟ va para o efeito. O   grandes traumaƟ smos maxilofaciais eram incapazes de se reintegrar
              Internato Médico também pode decorrer, uma vez idenƟ fi -  na sociedade e isto consƟ tuía um problema social novo”.
              cada idoneidade e capacidade formaƟ va, nos termos da         Atualmente, a especialidade de CMF está bem estabe-
              lei, em estabelecimentos de saúde do setor social e            lecida na maioria dos países. Em Portugal esta é uma
              do setor privado. Atualmente, existem 48 áreas de               especialidade integrada na rede hospitalar pública
              especialização, uma das quais é a CMF.                           e privada, encontrando-se atualmente em desen-
               A CMF é uma especialidade cirúrgica que se                       volvimento no Hospital das Forças Armadas.
              ocupa da prevenção, diagnósƟ co, tratamento e                       Em ambiente hospitalar de urgê ncia a CMF
              reabilitação da patologia facial, cervical e oral.                 aborda frequentemente a traumatologia maxi-
              O seu campo de atuação abrange o trauma e as                       lofacial (a CMF destaca-se por operar os doen-
              deformidades craniomaxilofaciais, a estéƟ ca  e                    tes que apresentem feridas complexas, associa-
              infeções cervicofaciais, as doenças das glândulas                  das ou não a fraturas ósseas da face, que além
              salivares e das arƟ culações temporomandibula-                    da pele envolvem também a cavidade oral, nasal
              res, os tumores benignos e malignos da cabeça e              DR  ou orbitária, bem como doentes que apresen-
              pescoço, e a cirurgia oral.                                     tem complicações como rutura dos canais saliva-
               A CMF desenvolveu-se devido à necessidade de agre-            res ou lacrimais, ou mesmo de estruturas nervosas
              gar conhecimentos de outras especialidades, parƟ cular-      ou vasculares), infeções oro-cervico-faciais e luxações
              mente a Cirurgia Geral, Otorrinolaringologia, OŌ almologia,   agudas temporomandibulares. Em contexto programado a
              Cirurgia PlásƟ ca, Neurocirurgia, Dermatologia, Estomatologia e Medi-  CMF dedica-se às deformidades congénitas/adquiridas cranioma-
              cina Dentária. Esta especialidade visa o restabelecimento estéƟ co e   xilofaciais (ex: hipomandibulismo ou prognaƟ smo), estéƟ  ca facial
              funcional, por cirurgiões especializados, de patologias de um território   (mentoplasƟ as, rinoplasƟ as, associadas ou não a septoplasƟ a, oto-
              anatómico parƟ cular, sensível e sempre visível: a face e pescoço.   plasƟ as, riƟ dectomias, queiloplasƟ as, cervicoplasƟ as, oculoplásƟ ca,
               Em termos históricos, há evidência na literatura de que os anƟ gos   colocação de implantes faciais), patologia das glândulas salivares
              egípcios e os romanos já lidavam com fraturas da mandíbula, mas   (paróƟ das, submandibulares, sublinguais e glândulas salivares
              foi Hipócrates (400 a.C.) que primeiro descreveu o seu tratamento   minor), tumores benignos e malignos da cabeça e pescoço, patolo-
              com redução e imobilização (com ligaduras e cola). Mais tarde ini-  gia das arƟ culações temporomandibulares e cirurgia oral (a cirurgia
              ciaram-se as imobilizações das fraturas da mandíbula através de   oral realizada pela CMF corresponde mais frequentemente a altera-
              fi os de arame, em que se uniam os dentes da mandíbula aos dentes   ção da erupção dentária, geralmente dos sisos ou caninos, cirurgias
              correspondentes do maxilar superior, dado que já se sabia que os   pré-protésicas como remoção de tórus, gengivoplasƟ as e vesƟ bulo-
              ossos Ɵ nham a capacidade de consolidar se não houvesse movi-  plasƟ as, bem como cirurgia de reabilitação oral com enxertos ósseos
              mentação dos topos ósseos fraturados. Com o advento da arƟ lharia   e colocação de implantes).
              surgiram os casos de trauma complexo e foi o cirurgião militar fran-  A CMF desenvolve cada vez mais interfaces com outras especia-
              cês Ambroise Paré, considerado o pai da cirurgia moderna, que fez   lidades mé dicas, indo desde o tratamento cirúrgico para patologia
              avanços na abordagem a feridas complexas esƟ mulando a lavagem   da via aérea (síndrome apneia e hipopneia obstruƟ va do sono), dor
              e tratamento com unguentos e pensos das feridas, favorecendo a   orofacial (ex: disfunção das arƟ culações  temporomandibulares),
              cicatrização por segunda intenção, evitando as infeções. Com o sur-  reconstruç ã o da cabeç a e pescoç o (ex: apó s resseç ã o oncoló gica
              gimento da anestesia em 1846 e do clorofórmio, um ano mais tarde,   alargada ou trauma extenso por armas de fogo), tratamento de
              os progressos na cirurgia foram notórios. Apareceu então o primeiro   complicações de radioterapia (ex: osteoradionecrose mandibular),
              cirurgião dedicado exclusivamente à área da cabeça e pescoço, o   ou mesmo tratamento integrado das situaç õ es complexas e compli-
              americano Simon Hullihen, que além de ser cirurgião geral era gra-  caç õ es da á rea do desenvolvimento facial.
              duado em medicina dentária. Foi ele o primeiro a tratar uma jovem
              com mordida aberta anterior com uma cirurgia ortognáƟ ca (reposi-                        Ana CrisƟ na Pratas
              cionamento da mandíbula e maxilar superior) e também se dedicou                                 CTEN MN
              à correção de fendas labiais e do palato. O grande desenvolvimento         www.facebook.com/parƟ cipanosaudeparatodos


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